A marcha para a tornozeleira eletrônica

Numa demonstração de que a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros foi “cassada” e de que a censura impera no Brasil sob a “ditadura do Judiciário”, bolsonaristas saíram livremente às ruas em diversas cidades do país para ameaçar as instituições e atacar frontalmente os “ditadores de toga” que, segundo eles, os torturam e os impedem de se expressar. O mundo inteiro pôde “presenciar” a opressão sofrida pelos militantes da extrema-direita brasileira, que só não ficaram nus em praça pública porque precisavam cobrir seus corpos com as cores da pátria — a qual se consideram legítimos donos — e à qual, por cívica pertença, têm o direito de vender para Donald Trump. “O Brasil é nosso e a gente vende para quem quiser”, dizia uma faixa erguida por um patriota enrolado na bandeira dos EUA.

Em São Paulo, a marcha para a tornozeleira eletrônica organizada pelo empresário da fé Silas Malafaia foi um sucesso “internacional”. Um grito de liberdade delinquente em um ato de resistência criminosa que deve ter provocado uma inveja branca no crime organizado do país. A começar pela intercessão evangélica feita pelo senador Magno Malta, que evocou uma guerra espiritual chamando Alexandre de Moraes de “entidade de alta patente” e convidando o público a orar pela sua destruição.

Aparentemente sóbrio, o conhecido ungido do deus Baco — batizado nas águas que passarinho não bebe — interagia com Bolsonaro por meio de um celular. O dono do tornozelo mais vigiado do país não pôde comparecer à própria festa, pois está proibido de sair de casa aos fins de semana por mau comportamento. Restou a ele colocar um copo de pinga diante do celular e esperar a bênção do companheiro de boteco. "Dê rama, senhor!"

De Belém do Pará, também pelo celular, Michelle Bolsonaro fez juras de amor ao recluso marido, enquanto ele ouvia emocionado os gritos de “mito” que quase partiram ao meio a tela do seu Android de tanta vibração. A dor de tornozelo — digo, de cotovelo — só era aliviada quando lembrava que em breve sua primeira-dama estaria de volta ao lar, trazida em segurança por seu fiel escudeiro e maquiador.

As homenagens não pararam por aí. Seu filho 01, Flávio Bolsonaro, diretamente da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, presenteou o chefe do clã chamando seu algoz Alexandre de Moraes de “vagabundo” e convocando seu impeachment, para o delírio de meia dúzia de gados pingados que não tinham nada melhor a fazer num domingo. Eles ainda vibraram com o “filho da puta” dirigido a Xandão pelo deputado federal Luiz Lima. Os bolsonaristas só não ficaram mais contentes que os fabricantes de tornozeleiras presentes ao evento, diante da perspectiva de boas vendas a médio prazo.

Pegando a ponte para seu futuro prisional, Bolsonaro voltava seu celular para São Paulo, onde assistia ao cosplay de homem com muita testosterona Nikolas Ferreira iniciar seu show quinta-série, puxando o carro de boi elétrico ao comando de: “Quem é fora Moraes dá um grito aí!” Após muitos mugidos de apoio, o deputado mineiro debochou da sanção imposta a Moraes por Donald Trump, dizendo que podia usar cartão de crédito, redes sociais e pente de cabelo — uma piada aprovada diretamente pela quinta série para o jardim de infância. Em seguida, mandou um recado para Alexandre de Moraes: “Você, sem a toga, não sobra nada”, deixando em dúvida se a frase revela uma ameaça à integridade física do magistrado ou um desejo de ficar sob sua tutela afetiva até a última instância. In dubio pro réu.

Mas como nem só de capim fresco vive o gado, algumas ausências foram sentidas. Tarcísio de Freitas foi uma delas. O governador de São Paulo havia agendado uma intervenção cirúrgica para o mesmo dia da tornociata em louvor ao mito, o que despertou suspeitas de traição à pátria bolsonarista. Também não compareceram os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil), Romeu Zema (Novo) e Ratinho Júnior (PSD), provocando a ira do senhor Malafaia:

“Cadê aqueles que dizem ser a opção no lugar de Bolsonaro? Era para estarem aqui. Sabe o que fica provado? Que até aqui Bolsonaro é insubstituível. Estão com medo do STF? Por isso não chegaram até aqui? Arrumaram desculpa. Por isso, minha gente, que 2026 é Bolsonaro”, disse o deputado federal cujo mandato é exercido pelo seu “testa de ferro” Sóstenes Cavalcante.

Cada vez mais esvaziados, os atos pró-Bolsonaro evidenciam que o apoio à sua figura vem sendo cumprido como uma espécie de obrigação religiosa. Não há mais aquele entusiasmo pela causa, mas sim o medo inconsciente de serem castigados com o fogo do inferno comunista, para onde seriam levadas suas almas caso deixem de adorar o messias que não faz milagres como o seu senhor e salvador da pátria.

Quando Bolsonaro for preso, seu povo ficará em vigília, esperando sua soltura como uma espécie de segunda vinda do messias do neofascismo — aquele que os arrebatará para a glória eterna, junto de deus Trump e de seus anjos imperialistas.

God save America!
E nos livre do bolsonarismo. Amém!