A Lei Magnitsky vale no Brasil?
Uma lei estrangeira pode ter validade no Brasil em situações específicas, principalmente quando há conexões com o direito internacional
Antes de responder à questão, é importante compreendermos o que é a tal lei, aplaudida por incautos e por maus-caracteres.
A Lei Magnitsky é um mecanismo previsto na legislação estadunidense usado para punir unilateralmente supostos violadores de direitos humanos no exterior. Entre outros pontos, a medida bloqueia bens e empresas dos alvos da sanção nos EUA. Não se tem notícia, fora do mundo ficcional e da narrativa delirante do mau-caratismo bolsonarista, de que o ministro Alexandre de Moraes seja um violador dos Direitos Humanos ou que seja corrupto.
Essa lei foi instituída para punir os responsáveis pelo assassinato do advogado e militante russo Sergei Magnitsky, morto em uma prisão em Moscou em 2009; em 2016, o congresso estadunidense promulgou o chamado Global Magnitsky Act, estendendo a aplicação do dispositivo a agentes de governos estrangeiros envolvidos em abusos de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e cometidos contra indivíduos que denunciem atividades ilegais realizadas por essas autoridades em qualquer parte do mundo.
Vejam, o que nos informa a boa doutrina: “reconhecidos internacionalmente”, não há no mundo real qualquer reconhecimento de que o ministro Alexandre de Moraes seja um violador de direitos humanos ou corrupto, contudo, ao aplicar a sanção a Moraes, o órgão do Departamento de Tesouro do país norte-americano acusou o ministro de violar a liberdade de expressão e autorizar “prisões arbitrárias”, citando o julgamento da tentativa de golpe de Estado e decisões contra empresas de mídia social estadunidenses. De acordo com o Secretário do Tesouro, Scott Besset, Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, por detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e por processos politizados, "inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".
Enquanto eu esperava para assistir o Derby aqui de Campinas, PONTE PRETA vs o outro time, fui pesquisar sobre a validade e aplicabilidade de lei estrangeira no Brasil.
Na realidade, a Lei Magnitsky não é, propriamente, aplicada em território estrangeiro, mas os seus efeitos podem, s.m.j., a constituição e leis internas de países soberanos, mesmo que de forma indireta.
Vamos lá.
Uma lei estrangeira pode ter validade no Brasil em situações específicas, principalmente quando há conexões com o direito internacional ou quando a própria legislação brasileira a determina.
A aplicação de leis estrangeiras no Brasil ocorre em casos como contratos internacionais, disputas comerciais internacionais ou questões familiares com elementos estrangeiros, onde a lei de outro país pode ser invocada.
Casos em que leis estrangeiras podem ser aplicadas no Brasil: (a) contratos internacionais: quando um contrato é celebrado entre partes de diferentes países, a legislação do país onde o contrato foi firmado ou onde as obrigações devem ser cumpridas pode ser aplicada; (b) disputas comerciais: em disputas comerciais internacionais, a lei do país onde a relação comercial se desenvolveu pode ser considerada; (c) questões familiares: em casos de divórcio, guarda de filhos, alimentos ou partilha de bens envolvendo cidadãos de diferentes países, a lei do país de origem ou do domicílio das partes pode ser relevante; (d) Direito de autor: a legislação brasileira sobre direito autoral (Lei nº 9.610/98) se aplica a estrangeiros domiciliados em países que assegurem reciprocidade na proteção aos direitos autorais, conforme a Biblioteca Nacional; (e) Documentos estrangeiros: documentos emitidos no exterior, como certidões de nascimento, casamento, diplomas, etc., geralmente precisam ser legalizados e traduzidos para serem válidos no Brasil; (f) decisões estrangeiras: decisões judiciais estrangeiras podem ser reconhecidas e executadas no Brasil mediante o processo de homologação, conforme o STJ.
Ou seja, é importante ter em mente que, (i) em geral, a lei brasileira se aplica a todos que estão em território nacional, sejam brasileiros ou estrangeiros; (ii) quando a lei brasileira prevê a aplicação de lei estrangeira, o juiz brasileiro pode aplicar essa lei, mas não pode exercer controle de convencionalidade, ou seja, não pode analisar a lei estrangeira sob a ótica de tratados internacionais do país estrangeiro; (iii) a parte que invoca a lei estrangeira no Brasil tem o ônus de provar o texto e a vigência dessa lei.
Noutras palavras: a tal lei não vale no Brasil, mas pode surtir efeitos e causar inconvenientes ao reto Alexandre de Moraes, se instituições financeiras, empresas de cartão de crédito, que mantenham relações com os EUA, resolverem, para não verem seus negócios prejudicados pelo excesso do governo Trump, banir o ministro como cliente.
Voltando à origem da Lei Magnitsky. Em novembro de 2009, quando a mãe de Sergei Magnitsky, Natália Magnitskaya, revelou cartas do filho que denunciavam maus-tratos em uma prisão russa. Trechos das cartas, censurados, detalhavam condições de vida precárias. Após 11 meses de prisão, período em que a mãe só teve permissão para visitá-lo uma vez e o encontrou em estado cadavérico, Natália foi informada de sua morte ao retornar à prisão para levar comida e remédios.
Magnitsky, um advogado com então 37 anos, havia sido preso sob acusações de sonegação fiscal enquanto trabalhava para uma empresa de gestão de fundos de investimento, especializada no mercado russo. Essa empresa pertencia ao investidor britânico William Browder, que foi expulso da Rússia sob alegações de segurança nacional. Magnitsky desempenhou um papel crucial ao ajudar a defender a empresa contra uma suposta fraude multimilionária cometida por funcionários do governo russo.
William Browder, agora ativista, dedicou-se à causa após a morte de seu advogado.
Em recente entrevista ao Fantástico, ele afirmou: "Fui o responsável pela aprovação da Lei Magnitsky nos Estados Unidos em 2012, batizada com o nome do meu advogado, Sergei Magnitsky, brutalmente torturado e assassinado em uma prisão russa por expor corrupção. A partir daí, assumi como missão de vida aprovar uma lei para punir outros corruptos e violadores de direitos humanos, bem como as pessoas que mataram Sergei Magnitsky".
Desde sua criação, a Lei Magnitsky se tornou um poderoso instrumento global, punindo mais de 650 pessoas e entidades ao redor do mundo. Entre os alvos, estão autoridades russas e chinesas, ditadores como Nicolás Maduro, na Venezuela, e Bashar al-Assad, que liderou um regime violento na Síria e organizações terroristas como a Al-Qaeda.
No caso do ministro Alexandre de Moraes, as sanções resultaram no bloqueio de todos os seus bens e participações em bens nos Estados Unidos, os quais ele não tem. Além disso, ele está impedido de realizar qualquer transação com empresas, bancos ou cartões de crédito americanos.
Curiosamente, William Browder, o principal articulador da Lei Magnitsky, discorda da aplicação da medida contra o ministro do STF. Browder acusa o ex-presidente americano Donald Trump de ter motivações puramente políticas: "As sanções impostas ao juiz não têm nada a ver com violação de direitos humanos e têm tudo a ver com acerto de contas político. Donald Trump disse isso, disse que não está satisfeito com esse juiz, porque ele está processando o seu amigo Jair Bolsonaro", declarou Browder.
Resumindo: (1) a Lei Magnitsky não vale em território brasileiro; (2) mas os seus efeitos podem ser sentidos, nas condições acima descritas; (3) ela está sendo usada de forma abusiva por Donald Trump, por razões comercial e policias, como afirmou William Browder.
O que fazer?
Aos partidos políticos cabe esclarecer tudo isso aos seus filiados, militantes e simpatizantes; os poderes devem fazer campanhas de esclarecimento; à mídia cabe informar à sua audiência e à PGR cabe levar aos tribunais os traidores da pátria, sejam aqueles que, covardemente, mentem nos EUA, como os que por aqui comemoram a traição.
Essas são as impressões legais e reflexões.
e.t. o Derby campineiro terminou 1 x 1, mas a Ponte ainda mandou uma bola no travessão do outro time no último segundo de jogo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: