Brasil rompe cooperação com Peru em casos da Lava Jato após uso indevido de provas contra a Odebrecht
Suspensão envolve delações e documentos da empreiteira que teriam sido usados em processos e arbitragem no Peru, contrariando acordos com o Brasil
247 - O governo brasileiro suspendeu a cooperação jurídica com o Peru em todos os casos vinculados à Operação Lava Jato que envolvam a Odebrecht. A decisão, revelada pelo jornal O Globo, partiu da Secretaria Nacional de Justiça, vinculada ao Ministério da Justiça, após sucessivas violações por parte das autoridades peruanas aos termos de confidencialidade e limitação de uso das provas compartilhadas pelo Brasil.
A medida acompanha um posicionamento semelhante da Procuradoria-Geral da República (PGR), que, desde abril deste ano, paralisou os atos de cooperação com o Peru relacionados ao acordo de leniência da Odebrecht. Segundo a PGR, “há fundadas razões de utilização indevida de elementos de provas fornecidas por colaboradores da justiça brasileira contra eles na jurisdição peruana, descumprindo cláusula do tratado de cooperação”.
Descumprimento de acordos - No centro da controvérsia estão provas obtidas a partir de delações premiadas e do acordo de leniência firmado entre a Odebrecht e o Ministério Público Federal (MPF), que também contou com o envolvimento de autoridades norte-americanas. As autoridades peruanas teriam utilizado essas informações em processos judiciais e arbitragens, em desacordo com os compromissos assumidos em documentos formais assinados com o Brasil.
Entre os casos que provocaram reação do governo brasileiro está a arbitragem movida pela Novonor contra o Estado peruano em Londres, relacionada ao projeto Gasoduto Sur Peruano. Promotores do Peru teriam utilizado informações obtidas de colaborações premiadas no Brasil, contrariando os termos que proíbem o uso das provas em procedimentos não autorizados. O país sul-americano ainda tentou expropriar ativos da empresa baseando-se em dados sigilosos do acordo de leniência.
“Desde 2018, pedimos constantemente a suspensão desses acordos. Os abusos levaram a essa suspensão. Chegaram a subverter o que Barata disse. Ele disse que não houve corrupção no caso do gasoduto (Sur Peruano), mas as autoridades confundem ajuda eleitoral com corrupção”, afirmou o advogado Carlos Kauffmann, que representa Jorge Barata, ex-diretor da Odebrecht no Peru.
Histórico de descumprimentos - Segundo os documentos que embasaram a decisão da Secretaria Nacional de Justiça, o governo brasileiro aguardou por quase um ano um posicionamento das autoridades peruanas sobre o uso indevido das provas, sem obter retorno satisfatório. Em março de 2025, a procuradora Anamaria Osório Silva reforçou a decisão da PGR, afirmando que “até a presente data as autoridades peruanas não encaminharam os esclarecimentos já reiteradamente solicitados”.
A suspensão também se sustenta na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, que, em setembro de 2023, declarou nulas as provas derivadas do acordo de leniência da Odebrecht, incluindo os sistemas Drousys e My Web Day B. À época, Toffoli argumentou que os dados foram usados de forma política e ilegal, destacando que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018 foi “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais”.
Cenário político e jurídico no Peru - O Peru é o país onde mais políticos foram alvos da Lava Jato fora do Brasil. Estão presos os ex-presidentes Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski, todos acusados de receber propina ou caixa dois da Odebrecht, embora neguem irregularidades. Em 2019, Alan García cometeu suicídio ao saber que seria preso preventivamente. Já Nadine Heredia, esposa de Humala, condenada a 15 anos de prisão, obteve asilo político no Brasil e aguarda análise de pedido de refúgio por parte do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
A Odebrecht firmou acordo de leniência no Peru em 2019, mas acusa o país vizinho de violar cláusulas ao compartilhar provas com o tribunal arbitral em Londres e utilizar os dados em outras ações. O Ministério Público do Peru afirma que as declarações prestadas na arbitragem respeitaram a legislação peruana e regras internacionais.
Impactos e próximos passos - A decisão brasileira de suspender a cooperação restringe-se aos casos envolvendo a Novonor. Os demais processos de cooperação entre os dois países continuam ativos. O Ministério da Justiça determinou que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional apure as violações cometidas pelo sistema judicial peruano.
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