Entenda a proposta de Xi Jinping para uma nova governança global
Documento do governo chinês aponta cinco princípios centrais e defende maior representatividade do Sul Global no sistema internacional
247 – O governo da China divulgou em 1º de setembro de 2025 o documento “Ensaio Conceitual sobre a Iniciativa de Governança Global (Global Governance Initiative)”, publicado no portal oficial do Ministério das Relações Exteriores do país. O texto apresenta a visão do presidente Xi Jinping para a construção de uma nova governança global em um momento marcado pelo aniversário de 80 anos da fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) e por crescentes desafios internacionais.
De acordo com Pequim, o mundo vive uma era de turbulências e transformações profundas, em que a ONU e o multilateralismo enfrentam fragilidades, e em que o déficit de governança internacional cresce diante de crises como as mudanças climáticas, o avanço da inteligência artificial e as disputas no espaço cibernético e sideral. Nesse cenário, a iniciativa chinesa busca estabelecer um sistema internacional mais justo, inclusivo e eficaz, tendo como base os princípios da Carta das Nações Unidas.
As falhas do sistema atual
O documento aponta três grandes deficiências na atual estrutura de governança:
- Sub-representação do Sul Global – Apesar da ascensão dos mercados emergentes e dos países em desenvolvimento, essas nações permanecem com peso limitado nas instituições internacionais, o que perpetua uma injustiça histórica.
- Erosão da autoridade da ONU – O respeito aos propósitos e princípios da Carta da ONU tem sido sistematicamente desafiado. Resoluções do Conselho de Segurança são ignoradas, e sanções unilaterais impostas por algumas potências minam o direito internacional e desequilibram a ordem global.
- Falta de efetividade – O atraso na implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável revela a dificuldade de ação coordenada. Problemas emergentes, como a crise climática e a exclusão digital, evidenciam lacunas cada vez maiores na capacidade de resposta das instituições multilaterais.
Os cinco pilares centrais do GGI
Para enfrentar esses desafios, Xi Jinping propõe que a governança internacional se apoie em cinco conceitos fundamentais:
- Igualdade soberana: Todos os países, independentemente de tamanho, poder ou riqueza, devem ter sua soberania respeitada, sua dignidade preservada e a liberdade de escolher seu caminho de desenvolvimento. O princípio de maior democracia nas relações internacionais deve garantir que as vozes do Sul Global sejam ouvidas e valorizadas.
- Primazia do direito internacional: A Carta da ONU e o direito internacional devem ser respeitados sem exceções. Pequim denuncia o uso de padrões duplos e exige que as regras sejam aplicadas de forma uniforme, sem imposições seletivas.
- Multilateralismo: O futuro da humanidade deve ser decidido por meio de consulta ampla, contribuição conjunta e benefícios compartilhados. O unilateralismo deve ser rejeitado, e a ONU precisa ser fortalecida como o núcleo do sistema internacional.
- Abordagem centrada nas pessoas: O bem-estar das populações de todos os países deve ser o valor central da governança global. A legitimidade das instituições internacionais depende da sua capacidade de entregar resultados concretos que melhorem a vida das pessoas.
- Compromisso com resultados reais: A governança deve oferecer soluções efetivas para problemas imediatos e de longo prazo. Xi Jinping defende que os países desenvolvidos assumam mais responsabilidades, forneçam recursos e bens públicos, enquanto as nações em desenvolvimento devem atuar de forma solidária e coordenada.
Relação com outras iniciativas chinesas
O Global Governance Initiative é apresentado como um complemento a três propostas anteriores de Xi Jinping:
- Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI), que prioriza a cooperação internacional em desenvolvimento;
- Iniciativa de Segurança Global (GSI), que enfatiza o diálogo e a consulta como forma de superar conflitos;
- Iniciativa de Civilização Global (GCI), que estimula o intercâmbio cultural e o aprendizado mútuo entre os povos.
Com o GGI, a China pretende consolidar um quadro abrangente de diretrizes internacionais, abordando desde a cooperação econômica até a reforma estrutural das instituições multilaterais.
Áreas prioritárias de reforma
O documento define setores em que a governança global precisa ser urgentemente reformada:
- Arquitetura financeira internacional: Pequim defende mudanças profundas no sistema, para reduzir desigualdades e dar maior voz aos países em desenvolvimento.
- Inteligência artificial e ciberespaço: A regulação dessas áreas deve ser construída por consenso amplo, evitando monopólios tecnológicos e exclusões.
- Mudanças climáticas: A China pressiona para que os países ricos assumam responsabilidades maiores e apoiem financeiramente as nações mais vulneráveis.
- Comércio e espaço sideral: O texto alerta para o risco de disputas em áreas estratégicas e propõe regras claras para garantir cooperação e uso pacífico.
A centralidade da ONU e a visão de futuro
Xi Jinping ressalta que a proposta chinesa não busca criar um sistema paralelo ou substituir a ONU, mas sim reformar e fortalecer a ordem internacional já existente, para que seja capaz de agir de forma mais rápida, eficaz e representativa.
“O objetivo não é derrubar a ordem atual, mas aperfeiçoá-la para que atenda aos interesses de todos os países, em especial dos países em desenvolvimento”, afirma o documento.
A visão defendida é a de que a humanidade forma uma comunidade de destino compartilhado, em que os desafios globais só podem ser enfrentados por meio de cooperação. A proposta destaca ainda o compromisso da China em permanecer “no lado certo da história”, atuando pela paz, pelo desenvolvimento e pela justiça internacional.
Uma estratégia de longo alcance
Ao apresentar o GGI, Xi Jinping busca reafirmar a imagem da China como protagonista de um novo multilateralismo, contrapondo-se ao unilateralismo e ao domínio das potências ocidentais nas instituições globais.
A iniciativa também é uma tentativa de construir consenso entre os países do Sul Global, fortalecendo a voz coletiva dessas nações diante das grandes potências e defendendo um sistema internacional mais equitativo.