Nathalia Urban por Milenna Saraiva

Esta seção é dedicada à memória da jornalista Nathalia Urban, internacionalista e pioneira do Sul Global

Nathalia Urban
HOME > Sul Global

Brasil e Malásia planejam criar empresa conjunta para produção de chips

Países articulam criação de empresa conjunta para fortalecer a cadeia global de semicondutores e impulsionar a soberania tecnológica brasileira

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante declaração conjunta à imprensa, na Residência do Primeiro-Ministro da Malásia (Foto: Ricardo Stuckert)

Brasil de Fato - A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, afirmou que está em construção a criação de uma joint venture entre a empresa brasileira Tellescom e a malasiana Inari para produção de semicondutores. A informação foi dada em primeira mão ao Brasil de Fato durante a visita da comitiva brasileira a Kuala Lumpur, na Malásia, onde o presidente Lula assinou uma série de acordos com o país asiático. Segundo a ministra, a parceria deve fortalecer a retomada da indústria nacional de chips e abrir caminho para que o Brasil participe de forma mais ativa dessa cadeia global considerada estratégica.

Uma joint venture é uma parceria entre empresas de países diferentes que se unem para desenvolver projetos em conjunto, compartilhando investimentos, tecnologias e resultados. No caso do Brasil e da Malásia, o objetivo é criar uma nova rota tecnológica voltada à produção de chips usados em veículos elétricos, híbridos e em equipamentos ligados à transição energética. A iniciativa está ligada à retomada do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) pelo governo, estatal brasileira que havia sido desestatizada pela gestão Bolsonaro e voltou a operar com foco em inovação e soberania tecnológica.

Durante a visita de Lula, Brasil e Malásia assinaram cinco acordos de cooperação nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, incluindo temas como semicondutores, transformação digital, bioeconomia e cooperação espacial.

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a ministra Luciana Santos também destacou o potencial brasileiro na produção de terras raras – um grupo de 17 elementos químicos essenciais para fabricar motores, baterias e equipamentos eletrônicos. O Brasil possui a segunda maior reserva mundial dessas substâncias, atrás apenas da China. Nesse sentido, a ministra destacou a instalação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), ligado diretamente à Presidência da República. O órgão foi criado com o objetivo de garantir que esse patrimônio natural seja explorado com foco no desenvolvimento científico e na sustentabilidade, evitando a dependência de importações e a privatização das reservas.

Confira a entrevista 

Brasil de Fato – A produção de semicondutores se tornou uma das questões geopolíticas mais importantes da nossa época. O Brasil acabou de assinar um acordo de cooperação em semicondutores com a Malásia, que está se tornando um importante hub de produção de chips. Aliás, foi mencionado pelo ministro, com destaque, que a Malásia hoje é a sexta maior produtora de chips do mundo.

Luciana Santos – Semana passada, houve um colapso no mundo de suprimentos de semicondutores que paralisou algumas fábricas. O que revela que, mesmo que alguns países estejam adiantados em relação à produção de semicondutores, nenhum país do mundo pode abrir mão de domínio tecnológico nessa área. Claro, cada qual no seu estágio de desenvolvimento e de domínio, mas nós não podemos ficar fora dessa cadeia produtiva.

Além do mais, nós temos os minerais, nós temos a possibilidade, por conta das nossas vocações naturais, as nossas reservas e, nesse sentido, nós retomamos o Ceitec, que era a única fábrica de semicondutores no Brasil, que foi desestatizada no governo anterior. Com isso, a gente movimenta todo o ecossistema que envolve empresa privada, a Tellescom, nesse esforço com a Malásia, e também envolve os nossos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Nós temos nessa área de semicondutores um destaque para o Eldorado, que é um parque tecnológico privado que atua nessa área. Nós temos o [Centro de Tecnologia da Informação] Renato Archer, que é uma unidade de pesquisa nossa, do próprio ministério.

E nós temos a Associação Brasileira de Microeletrônica, que é relacionada aos semicondutores, e a Associação Nacional de Elétrica e Eletrônica, a PNEE. Com isso, a gente faz aquilo que é muito importante para qualquer resultado de inovação, que é produto e serviço na ponta, entrega para as pessoas como solução. Porque nós estamos fazendo aquilo que é a tripla hélice, juntando a iniciativa privada, a academia e o Estado, num esforço conjunto de a gente aproveitar essa expertise que tem a Malásia, que é o sexto exportador, como você bem disse, para fazer essa sinergia.

Nesse sentido, nós já mandamos duas missões por aqui para a Malásia, nesse período do nosso governo, e estamos a todo vapor, através do do CI, que é um programa para microeletrônica, inovador, que já possibilitou a vinda de oito engenheiros, que estão fazendo um curso de capacitação há dois meses. O presidente Lula esteve com eles, tirou foto. Nessa próxima semana, eles já voltam para o Brasil. Eles estão sendo capacitados nessa área de dispositivos, daquilo que é a nova rota tecnológica da Ceitec.

A Ceitec tem expertise em chips para rastreabilidade animal, em chips veiculares para as estradas privadas, chips dos passaportes e chips para tombamento de patrimônio

E a gente está retomando essa expertise. Mas, além de retomar a expertise anterior, nós estamos montando uma nova planta industrial, uma nova rota tecnológica, para poder entrar na transição automotiva com chip para veículos elétricos ou híbridos, que é a opção principal do Brasil, e para a transição energética, também por conta da liderança do Brasil.

Então, nós estamos fazendo uma rota tecnológica que tem a ver com as nossas possibilidades, com as escolhas que a gente tem que fazer. Para os nossos chips, nós vamos, inclusive, usar o carbeto de silício, que ele é mais eficiente. O que é desenvolvido aqui na Malásia é com nitreto de gálio.

A gente vai validar a experiência do nitreto de gálio, e eles vão validar a nossa para haver uma sinergia. Porque ambos têm o objetivo de usar dispositivos de potência, que serve para transição energética e para transição automotiva. Então, é uma experiência muito promissora. Pode até se transformar em uma joint venture, que não foi anunciado aqui, porque está em construção. Mas aí, para vocês, eu já digo assim, de primeira mão, que há uma construção nessa direção, de fazer uma joint venture entre a Tellescom e a Inari, que é essa empresa malasiana.

E tem 30 engenheiros hoje sendo treinados. Nessa turma de oito não tinham mulheres, mas tem gente da Paraíba, tem gente de São Paulo, a maioria do Rio Grande do Sul, porque é um programa que partiu de lá, até por conta da Ceitec.

Também tem a Tecnopuc, que é um parque tecnológico federal do Rio Grande do Sul. Que é, inclusive, coordenado por uma mulher, a professora Fernanda. Estou muito animada com isso. Talvez seja o país, nessa área de semicondutores, que está em estágio mais avançado de cooperação internacional.

Até agora a senhora falou bastante da formação, da capacitação de engenheiros brasileiros que estão vindo para cá. Mas nesse acordo também está previsto transferência de tecnologia? Como é que está sendo discutido isso?

É sempre o que a gente procura. Ou com o desenvolvimento, que é uma maneira muito eficiente de você fazer a curva de aprendizagem, ou a transferência de tecnologia.

Essas duas são sempre uma exigência que a gente faz. Agora, além dessa, nós fizemos mais dois memorandos com a Malásia.

Fizemos o memorando de uma cooperação mais abrangente, em várias áreas, que são o desafio das nações, da transformação digital, passando pela transformação de energia, bioeconomia. E outro também de semicondutores na área espacial, com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, para nos ajudar na distribuição da energia dos satélites, através do dispositivo eletrônico. Então, por isso que, das cinco cooperações, dos cinco memorandos e acordos que o presidente Lula fez na Malásia, três deles foram do nosso ministério. Além do Inpe, do Eldorado, a gente também tem a participação efetiva do CTI Renato Archer, que é vinculado ao nosso ministério e fica em São Paulo, e é parte do ecossistema que está envolvido nesse processo. E a Mimos, que é o Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Malásia, na área de semicondutores, de microeletrônicos em geral.

Então, a senhora até já entrou na segunda pergunta, que seriam outros acordos, né? A senhora já falou dos outros acordos aqui na Malásia. E na Indonésia, o que a senhora avalia que foram acordos importantes nessa área de ciência e tecnologia?

Nós temos muita similaridade com a Indonésia, né? A floresta é, sem dúvida nenhuma, a primeira. Então, a gente está disponibilizando a nossa expertise na área de monitoramento de florestas. Nós temos modelos matemáticos exitosos. E a gente está disponibilizando com a Indonésia a possibilidade dessa parceria na área espacial, que seria o nosso satélite, a constelação de satélites que a gente tem, que faz o monitoramento, para a gente poder partilhar imagens com os satélites da Indonésia e, com isso, fazer um aprendizado mútuo. E também do monitoramento das nossas florestas, que vão nos ajudar em um dos fatores que, no caso do Brasil, é o maior fator da emissão de gases de efeito de estufa: o desmatamento.

Então, esse é um outro desafio, que também tem como base a floresta, é desenvolver ações que nós estamos desenvolvendo na NIB, que é a bioeconomia. É como, da nossa biodiversidade, como é que nós levamos a sustentabilidade, uma visão de desenvolvimento com sustentabilidade, aproveitando a diversidade dos nossos biomas. Então, na Indonésia, são essas duas linhas de cooperação.

O Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, a segunda maior de níquel — a primeira é a Indonésia — e temos reservas importantes de outros minerais críticos. Que tipo de planejamento o governo brasileiro tem feito para aproveitar o potencial histórico dessa vantagem natural? E já há esforços do governo para expandir o monitoramento geológico do país, levando em conta que hoje conhecemos somente cerca de 30% das riquezas do nosso solo?

Sim, além de a gente poder identificar, fazer o diagnóstico, que é um desafio que tem que estar posto dentro de um plano, o Brasil estava, em 2012, ensaiado uma estratégia nacional de como cuidar desse grande patrimônio do povo brasileiro e que hoje é um instrumento decisivo para diversos usos de equipamentos eletrônicos, os ímãs permanentes, etc. O curioso dessas terras raras é que o principal, o raro, são as propriedades desses elementos químicos. É uma família de 17 elementos químicos, os lantanídeos, que têm propriedades ópticas, magnéticas, especiais, e eletrônicos também.

Isso faz com que a gente tenha esses usos diversos no smartphone, nos motores, nas baterias. Tudo em volta da gente tem ali um elemento de terras raras. Então, do que a gente conhece, se calcula que a gente tenha 50 milhões de toneladas de óxido em terras raras.

São três os estados com reservas mais expressivas: Amazonas, Goiás e Minas Gerais. Temos uma fábrica, uma manufatura disso em Minas Gerais, que o Zema botou para leilão, para privatizar, e a gente ficou lutando para não ser internacionalizado.

Felizmente, foi a Fieng, a Federação da Indústria de Minas Gerais, que comprou a fábrica e que passou para o sistema S, para o Senai. E a gente ficou bem aliviado com essa solução.

E temos o Serra Verde, que também está em uma fase de manufatura com terras raras. O mais difícil das terras raras é fazer a separação na natureza, né? É uma tecnologia que você tem que desenvolver. E o Cetem [Centro de Tecnologia Mineral], que é a nossa unidade de pesquisa, já tem uma patente nessa área de separação de terras raras.

O outro mecanismo que nós queremos desenvolver é na chamada economia circular, que é a gente aproveitar o lixo industrial para poder também captar as terras raras. Então, esse é também outro desafio tecnológico, é você usar o lixo, não só industrial, como até mesmo de fertilizantes, principalmente de fosfato, que também contém elementos de terras raras.

Então, o presidente tomou a decisão de criar um conselho nacional de terras raras ligado diretamente ao presidente. E nós vamos ter uma participação efetiva, porque nós temos pelo menos uns sete laboratórios de alto nível, entre eles o da minha universidade, dos meus ex-professores, pois eu sou engenheira eletricista.

Então, os professores de física dos materiais, o ex-ministro participa dessa pesquisa. A gente tem UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], tem USP [Universidade de São Paulo], tem o nosso Cetem e tem o Sirius, que é o nosso Centro Nacional de Pesquisa de Materiais. Também tem um laboratório na área de terras raras.

A gente tem, no Brasil, mais ou menos uns 500 especialistas nessa área. E a gente quer potencializar para fazer uma rede, um programa que possa dar respostas tanto às nossas vocações naturais, às nossas potencialidades, à nossa capacidade instalável para ter resultados objetivos. Entrar naquilo que é o grande desafio das nações, além do domínio tecnológico, é você ter o produto manufaturado para poder a gente entrar com força, como a gente diz em Pernambuco, nesse desafio que é tão contemporâneo. 

Em relação às terras raras, a gente sabe que hoje a China é responsável por 70% da mineração e quase 90% do dado refino. Já há alguma discussão, alguma possibilidade de acordos com a China em relação à transferência de tecnologia, a possibilidade de avançar na nossa própria produção?

Os memorandos de entendimento que a gente tem com a China formam um guarda-chuva bem avançado, mas concretamente não temos nada palpável nesse desafio específico. A gente tem muita coisa com a China na área espacial, com os satélites. É a coisa mais relevante na área espacial. Agora nós vamos fazer o primeiro geo-estacionário brasileiro e vai ser desenvolvido com a China.

Esse com transferência tecnológica já acertada, mas na área de terras raras, especificamente, ainda não.

Por último, aquela questão do mapeamento geológico do Brasil, o governo está tomando providência?

Está no nosso radar, dentro de uma política mais arrojada na área de terras raras, fazer esse levantamento.

Editado por: Maria Teresa Cruz

Artigos Relacionados