Parlamentar propõe restrição do fluxo de nordestinos para Joinville. Proposta é inconstitucional e xenófoba, denuncia sindicato
A Constituição garante a livre circulação de pessoas em todo o território nacional
247 - O vereador de Joinville (SC) Mateus Batista (União) propôs um “controle migratório interno” para restringir a presença de nordestinos na cidade. De acordo com o parlamentar, a chegada de pessoas do Nordeste poderia transformar Santa Catarina em um “favelão”.
A proposta exigiria comprovação de residência em até 14 dias para quem chegasse ao município catarinense. Opositores do projeto consideraram a matéria inconstitucional, discriminatória e xenófoba. A Constituição Federal garante a livre circulação de pessoas em todo o território nacional (art. 5º, XV).
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville (Sinsej) divulgou nota de repúdio. “O vereador não informa, apenas faz a histeria para receber curtidas. Ele não diz, por exemplo, que a imigração em Santa Catarina ocorre, em sua maioria, entre catarinenses e estados como Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo”, destacou a entidade sindical.
“Ele prefere estigmatizar brasileiros de outras regiões, como o Pará, para reproduzir um apartheid social – uma atitude irresponsável que pode gerar violência contra imigrantes em nossa cidade. Ele não explica que as causas do que ele chama de ‘favelização’ também estão na especulação imobiliária, no déficit de moradia, na falta de políticas públicas e na insistência em repassar o que é público para o interesse privado”.
Ao tentar justificar sua proposta, o parlamentar afirmou no Instagram que "Santa Catarina está pagando a conta duas vezes – e ninguém quer falar sobre isso". "Primeiro, Brasília tira mais do que devolve pelo pacto federativo. Depois, a má gestão e corrupção no Norte e Nordeste expulsam sua população, que acaba migrando pra cá. Resultado? Nosso serviço público sobrecarregado, cidades congestionadas e aumento da desordem social", escreveu.
"Entre 1960 e 1980, conseguimos expandir a infraestrutura para absorver o crescimento populacional. Hoje, com menos recursos e mais impostos indo para fora, isso é impossível. Já estamos sentindo os efeitos: falta de escolas, trânsito caótico e aumento da população de rua. A solução? Ou controlamos o fluxo migratório com políticas claras, como fazem países desenvolvidos, ou SC corre o risco de virar um grande favelão. Ou quebramos o pacto político injusto, ou o pacto quebra Santa Catarina".
Veja agora a íntegra da nota emitida pelo Sinsej:
Uma vez mais, a notícia vem da extrema direita de Joinville. Dessa vez, do vereador Mateus Batista (União), membro do MBL – Movimento Brasil Livre. O parlamentar, em suas redes sociais, afirmou que “se não barrarmos o fluxo migratório, Santa Catarina vai virar um grande favelão”, referindo-se especialmente ao Pará como comparação. As falas do vereador não demonstram apenas xenofobia, mas o já costumeiro desconhecimento que a extrema direita tem sobre assuntos de Estado.
Segundo o vereador, a “corrupção e a má gestão do Norte e Nordeste” fazem com que cresça o fluxo imigratório para Santa Catarina, como se o estado fosse um território ilibado dentro do país. É importante lembrar que casos de corrupção sempre foram característicos de Santa Catarina. Apenas na história recente, foram mais de 28 prefeitos presos por corrupção nos últimos anos. Também tivemos desvios de recursos públicos nas contratações de serviço de limpeza urbana no Estado. As Organizações Sociais, defendidas por este vereador, lideram o ranking de corrupção no país e foram alvo de várias operações da PF em Santa Catarina. Ademais, tivemos fraudes em compras de respiradores durante a pandemia de Covid, além da CPI do Rio Mathias… e uma longa ficha corrida.
Portanto, o fator “corrupção e má gestão” é mais um desses factoides que a direita gosta de criar. E o desconhecimento desse vereador, que afirma ser liberal, é patente no que se refere a dados de Santa Catarina e também sobre princípios básicos do liberalismo: é apenas um compilado de desinformação com uma atuação artificial de tiktoker, promovendo xenofobia.
Adam Smith defendia, em Riqueza das Nações, que a livre circulação de pessoas é complementar ao livre mercado. Até Ludwig Von Mises, liberal que voltou à moda recentemente entre a direita, dizia que mobilidade laboral é condição para alocação de recursos. Tanto Mises como Hayek, Friedman e Smith são unânimes na defesa da liberdade de movimento como expansão para o mercado. E não é à toa que nenhum grande empresário catarinense reclama da imigração, em que a mão de obra é sempre bem-vinda à lógica exploratória da indústria e do agronegócio.
É extremamente constrangedor para um sindicato, cuja ideologia é clara na defesa constante da classe trabalhadora e sua emancipação, explicar para um parlamentar liberal o que é liberalismo.
Sobre “o grande favelão”
O vereador, que estampou com orgulho em suas redes sociais o fato de ele ter aparecido como xenófobo no République afirmou que se o fluxo migratório continuasse, Santa Catarina viraria “um grande favelão”. O Estado, segundo estudo do IBGE, tem 166 comunidades em vulnerabilidade. E as causas disso pedem um pouco de história e dados.
Em Joinville, por exemplo, tivemos um amplo acréscimo da população imigrante nas décadas de 70 e 80, resultado da expansão industrial na cidade. Para acompanhar o crescimento populacional, é necessário investir em serviço público, ampliando e melhorando políticas de moradia, saúde e educação. Se esse investimento não for feito, o resultado será um crescimento de comunidades periféricas em situação de vulnerabilidade. Dessa forma, quando o sindicato afirma que é necessário contratar mais servidores (que o vereador do MBL é contra), ampliar o investimento público (que o vereador também é contra) e não gastar R$ 100 milhões em cargos comissionados (que o vereador foi fervorosamente a favor ao gasto durante a Reforma Administrativa de Adriano Silva), é justamente para que a cidade tenha um atendimento adequado segundo a demanda.
Mas o vereador não informa, apenas faz a histeria para receber curtidas. Ele não diz, por exemplo, que a imigração em Santa Catarina ocorre, em sua maioria, entre catarinenses e estados como Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Ele prefere estigmatizar brasileiros de outras regiões, como o Pará, para reproduzir um apartheid social – uma atitude irresponsável que pode gerar violência contra imigrantes em nossa cidade. Ele não explica que as causas do que ele chama de “favelização” também estão na especulação imobiliária, no déficit de moradia, na falta de políticas públicas e na insistência em repassar o que é público para o interesse privado.
O histórico do MBL
A posição do vereador Mateus Batista, do MBL, não é estranha ao sindicato. Este movimento atua, muitas vezes, ultrapassando o limite da legalidade – como foi o caso de um expoente do movimento que afirmou “que as ucranianas eram mais fáceis porque eram pobres”. Em 2016, durante a tentativa de emplacar a Lei da Mordaça com o apoio da Pastora Leia, o MBL foi amplamente rechaçado por Joinville e a lei foi, finalmente, derrubada. Durante as manifestações e panfletagens na rua nessa campanha, o MBL enviava adolescentes de 14 e 15 anos para provocar os manifestantes, enquanto seus dirigentes ficavam observando. É um movimento, sobretudo, covarde e inimigo da juventude e dos trabalhadores.
A posição do Sinsej
Nós, do Sinsej, repudiamos as falas do vereador que, além de reproduzirem senso comum e mentiras, contribuem ainda mais para a violência entre trabalhadores. Exaltamos, ainda, uma cidade onde as histórias de construção e luta estão ligadas, desde seu surgimento, aos imigrantes.
Não é com R$ 100 milhões a comissionados, limpeza de grafites e vasos que não pegam enchente (políticas apoiadas por Mateus Batista ao lado do prefeito) que resolveremos os problemas da cidade, da classe trabalhadora e da juventude. Nós entendemos que, dentro dos limites da democracia parlamentar, não cabe ao vereador fomentar ódio contra pessoas de outras regiões e sim enfrentar os problemas desses trabalhadores longe de falácias e espantalhos.