Em alegações finais, Rivaldo Barbosa aponta fragilidade da delação de Ronnie Lessa no caso Marielle
Ex-chefe da polícia do Rio alega que a delação do assassino da ex-veredora não tem elementos que a comprovem
247 – Em um extenso documento de alegações finais protocolado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa de Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, contesta veementemente as acusações contra ele no caso do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, imputando a elas a fragilidade da delação premiada de Ronnie Lessa. A defesa argumenta que a narrativa de Lessa, que serve como "elemento central da denúncia", apresenta "discrepâncias significativas" e "falsificação deliberada de informações", comprometendo sua validade e a credibilidade do processo.
Rivaldo Barbosa foi preso preventivamente em 24 de março de 2024, após a colaboração premiada de Ronnie Lessa, que o citou como autor intelectual cooptado pelos supostos mandantes, Chiquinho Brazão e Domingos Inácio Brazão. A Procuradoria-Geral da República (PGR) o denunciou por homicídio qualificado e tentativa de homicídio em relação às vítimas Marielle Franco, Anderson Gomes e Fernanda Gonçalves Chaves, alegando que Rivaldo "acertou o apoio para que fosse, caso necessário, dificultada a futura investigação" e "prestou, inclusive, auxílio intelectual aos criminosos".
Alegações de Falsidade e Omissão na Delação de Ronnie Lessa
A defesa de Rivaldo Barbosa sustenta que a colaboração premiada de Ronnie Lessa é inconsistente e carece de corroboração, argumentando que o delator forneceu informações comprovadamente falsas e omitiu fatos relevantes, violando seu compromisso legal de dizer a verdade.
Entre os principais pontos levantados estão:
• Relação com Cristiano Girão: Lessa negou conhecer Cristiano Girão, chegando a afirmar: "não conheço, não quero conhecer, não conheço seu tom de voz, não conheço sua altura". No entanto, a defesa aponta que Lessa foi posteriormente condenado pelo Tribunal do Júri do Rio de Janeiro como executor, e Girão como mandante, no assassinato do miliciano André Zoio. A Polícia Federal, inclusive, inicialmente descartou a participação de Girão com base nas declarações de Lessa.
• Exclusão de Maxwell Corrêa (Suel): Lessa tentou "excluir a responsabilidade criminal de SUEL" pela participação nos homicídios de Marielle e Anderson, mas a Justiça do Rio de Janeiro confirmou a submissão de Suel ao Tribunal do Júri, evidenciando sua participação.
• Vigilância de Marielle: Lessa alegou que a vigilância de Marielle foi realizada por Laerte, Ronald Paulo e Robson Calixto. A defesa, contudo, afirma que essa informação "colide com as provas produzidas na investigação" pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que identificaram o veículo utilizado na vigilância em diferentes datas.
• Pagamento pelo Crime: Lessa afirmou ter cometido o crime pela "promessa de recompensa, consistente no pagamento por meio de terrenos que seriam destinados à constituição de um loteamento". Todavia, o depoimento de Elcio de Queiroz e do Delegado Daniel Rosa, além de relatórios de análise fiscal, indicam que Lessa recebeu pagamento antecipado e teve "evolução patrimonial muito rápida" após o crime, incluindo a compra de uma lancha, troca de carros, obras em casa e viagens. A defesa ressalta que a Polícia Federal "negligenciou deliberadamente" essas informações.
• Contradições sobre a Arma: Lessa deu versões conflitantes sobre a arma do crime. Enquanto ele afirmou no acordo de delação que devolveu a arma, Elcio de Queiroz declarou que Lessa disse ter "serrado a arma, e eu acreditei". A defesa ainda critica a "resistência da Polícia Federal em ouvir MARCUS VINÍCIUS REIS DOS SANTOS, vulgo FININHO", que Lessa citou como a pessoa que entregou e recebeu a arma.
• Falta de Corroboração: O próprio Ronnie Lessa, em depoimento, confirmou que "não apresentou a Polícia Federal, por ocasião de sua delação, nenhum elemento de corroboração".
A defesa alega que a "precipitação da Polícia Federal e da PGR em validar o acordo, à revelia de efetiva confirmação do relato, expôs à risco a persecução penal de CRISTIANO GIRÃO e MAXUEL" e causou "tumulto processual".
Defesa de Rivaldo Barbosa: Ausência de Vínculo e Motivação
Rivaldo Barbosa sempre negou qualquer participação no crime. A defesa argumenta que a PGR "construiu sua hipótese delitiva fulcrada na odiosa responsabilidade penal objetiva", sem provas concretas de sua participação ou motivação.
• Inexistência de Vínculo com os Brazão: Delegados e agentes da Polícia Federal ouvidos em juízo, como Guilherme Catambry, Marcelo Pasqualetti e Felipe Sampaio, foram uníssonos em afirmar que "não logrou a produção de qualquer elemento de prova capaz de estabelecer a ligação entre RIVALDO BARBOSA e os irmãos BRAZÃO". Rivaldo, em seu interrogatório, declarou nunca ter tido "nenhuma relação pessoal, profissional, política, religiosa, espiritual, de lazer, transcendental" com os irmãos Brazão.
• Atuação na Investigação: A defesa ressalta que a identificação e prisão dos executores, Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz, ocorreram justamente durante a gestão de Rivaldo Barbosa como Chefe de Polícia e do Delegado Giniton Lages à frente das investigações. Isso "contrasta inequivocamente com o animus de quem pretende oferecer proteção" aos mandantes.
• Motivação Inexistente: A denúncia da PGR não "pormenorizou, de modo adequado e suficiente, os elementos individualizadores de sua conduta" nem explicou a motivação de Rivaldo para aderir ao crime. O próprio Delegado Federal Guilherme Catambry, encarregado da investigação, admitiu que "não conseguimos captar as impressões de Rivaldo" quanto à motivação subjetiva, nem apurar "se houve promessa de vantagem, se houve promessa de promoção funcional, nada foi efetivamente apurado".
• Visitas ao Dentista em Rio das Pedras: A PGR citou as visitas de Rivaldo a um dentista em Rio das Pedras como "o mais provável ponto de encontro" com milicianos e indício de corrupção. A defesa rebate, afirmando que o consultório não fica dentro da comunidade, mas em uma estrada que corta a região, e que Rivaldo foi indicado por uma colega para tratamento odontológico. O próprio dentista negou "qualquer contato dos mencionados milicianos com RIVALDO BARBOSA em seu consultório". A defesa ainda critica a "dedução preconceituosa" da PGR, dado o alarmante domínio de grupos armados em grande parte da cidade.
• Evolução Patrimonial Lícita: As acusações de que Rivaldo seria "beneficiário de quantias mensais fixas pagas por milicianos e contraventores" e que sua esposa, Erika Araújo, seria "testa de ferro" em "empresas de fachada" para lavagem de dinheiro foram refutadas. A defesa apresentou provas de que todas as movimentações financeiras foram declaradas à Receita Federal. Investigação da Corregedoria da PCRJ, baseada em procedimentos do GAECO/RJ, concluiu pela "COMPATIBILIDADE entre a evolução patrimonial do servidor e os respectivos recursos auferidos", não havendo "sinais de enriquecimento injustificado". Testemunhas e documentos comprovaram a capacitação de Erika e a efetiva prestação de serviços por suas empresas.
• Depoimento de Orlando Curicica: A defesa alega que o depoimento de Orlando Curicica, classificado pela PGR como "prova elementar", é suspeito devido à sua "notória animosidade e hostilidade em face dos agentes responsáveis por sua prisão". Curicica, um miliciano preso pela DH sob a gestão de Rivaldo e Giniton, teria falado com base em "ilações de índole puramente pessoais" e não em fatos presenciados. O ex-Corregedor da Polícia Civil, Gilson Emiliano Soares, afirmou nunca ter recebido "qualquer informação, quer seja formal, quer seja informal" sobre irregularidades de Rivaldo ou da DH Capital.
• Interceptação Telefônica de Beto Bomba: A defesa expõe que a conversa interceptada entre Marcelo Siciliano e Jorge Alberto Moretti, vulgo "Beto Bomba", que a PGR usou para vincular Rivaldo a um esquema de propina e obstrução, foi na verdade "forjada" pelos próprios interlocutores. Beto Bomba confessou à PCRJ, em 2019, que inventou as informações para manter o "apoio financeiro" de Siciliano e "ajudá-lo contra as acusações que recaíam sobre si no caso Marielle". A defesa acusa a Polícia Federal e a PGR de terem "omitido DOLOSAMENTE" esse fato.
• Orientação para não Executar na Câmara Municipal: A alegação de que Rivaldo teria orientado os criminosos a não executarem Marielle Franco em trajeto que tivesse a Câmara Municipal como ponto de origem ou destino, para evitar a federalização das investigações, é classificada como uma "verdadeira aberração jurídica". A defesa argumenta que, com sua vasta experiência e formação acadêmica em Direito Penal e Processual Penal, Rivaldo teria conhecimento das regras de competência da Polícia Federal (Art. 144, §1º da CF), que não são definidas pelo local do crime ou "viés político" isolado, mas por "interesse Federal relevante". O próprio STJ, no IDC nº 24, rejeitou o pedido de federalização das investigações, confirmando a competência estadual.
• Nomeação como Chefe de Polícia: A defesa nega que a nomeação de Rivaldo Barbosa ao cargo de Chefe de Polícia em março de 2018 estivesse ligada aos planos dos mandantes. O General Richard Nunes, então Secretário Interino de Segurança Pública do Rio de Janeiro durante a intervenção federal, confirmou em depoimento que a escolha de Rivaldo foi baseada em critérios "estritamente técnicos" e negou qualquer "ingerência política". A Polícia Federal, em sua investigação, não encontrou "nenhum contato" ou material que ligasse Chiquinho ou Domingos Brazão ou seus assessores ao General Richard Nunes para tratar da ascensão de Rivaldo.
• Depoimento de Rodrigo Jorge Ferreira ("Ferreirinha"): A PGR apontou o depoimento de "Ferreirinha" como a "MELHOR EVIDÊNCIA" para o envolvimento de Rivaldo, alegando que ele prestou depoimentos falsos para desviar as investigações, imputando os crimes a Orlando Curicica. No entanto, a defesa argumenta que a própria Polícia Federal, em investigação paralela (IPL nº 477/2018-15 SR/PF/RJ), concluiu que Ferreirinha e sua namorada Camila Moreira Lima Nogueira "teriam agido por iniciativa própria" na fabricação de uma "mentira" para desviar o foco da investigação, visando benefícios pessoais. O MPRJ, no IDC nº 24, também criticou a PGR por dar "validez significativa" a esses depoimentos, afirmando que a linha investigativa estadual "não foi posta à deriva".
Pedidos da Defesa
Diante do exposto, a defesa de Rivaldo Barbosa requer, preliminarmente, a declaração de incompetência do STF e a remessa dos autos à Justiça do Rio de Janeiro, o desmembramento do feito em relação a Rivaldo, e a declaração de nulidade do processo por cerceamento de defesa devido à juntada tardia de documentos essenciais. No mérito, solicita a absolvição de Rivaldo Barbosa por "negativa de autoria", "ausência de prova de autoria" ou "insuficiência de provas".
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