Tarifaço dos EUA derruba exportações de soja pela metade em maio e obriga China a diversificar fornecedores
Inspeções semanais de exportação nos EUA caíram pela metade em meio à guerra tarifária
247 - Um levantamento do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), citado pelo jornal Global Times, revelou que as inspeções de exportação de soja norte-americana caíram 50% na semana encerrada em 15 de maio de 2025, totalizando apenas 217,8 mil toneladas – número muito abaixo da expectativa do mercado, que era de 425 mil toneladas.
Analistas internacionais apontam que a queda é reflexo da guerra tarifária iniciada por Washington, ao passo que países como Brasil e Argentina vêm ganhando terreno junto à China, maior compradora mundial do grão.
O jornal chinês observa que, para Pequim, a soja representa um bem estratégico. Como já afirmou o ex-líder cubano Raúl Castro, “a soja é tão importante quanto os canhões, senão mais”. O grão, nativo da China, é valorizado não apenas por seu alto valor nutricional, mas também por seu impacto na cadeia agroindustrial: gera óleo, ração animal, produtos alimentícios como o tofu e ainda melhora a fertilidade do solo por meio da fixação de nitrogênio pelas bactérias nas raízes.
Superação tecnológica e o avanço da soja americana
Na avaliação de Yang Zhonglu, chefe executivo da equipe de inovação em melhoramento genético da soja da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, os Estados Unidos mantêm uma larga vantagem tecnológica. “Não podemos ignorar o fosso entre a soja chinesa e a americana”, afirmou ele ao Global Times. Entre os principais diferenciais, estão os recursos genéticos superiores, técnicas de bioengenharia avançadas e a mecanização em grande escala, que resultam em alto rendimento com baixo custo.
Nas regiões do cinturão agrícola norte-americano, como o Meio-Oeste, plantações extensivas contam com plantadeiras guiadas por GPS, drones para aplicação de herbicidas seletivos e colheitadeiras com monitoramento em tempo real. Todo o processo – do plantio à exportação – é racionalizado e eficiente, enquanto o modelo chinês, baseado na pequena propriedade, enfrenta limitações de mecanização e padronização.
Desafios da produção na China e os impactos climáticos
Yang relata que, em províncias como Jiangxi e Hunan, no sul da China, predomina o cultivo em terrenos inclinados, com solo ácido e baixa produtividade. A produção é fragmentada, majoritariamente manual e vulnerável a extremos climáticos, como as ondas de calor e as secas prolongadas que atingem o rio Yangtzé, impactando diretamente a qualidade e a uniformidade das safras.
Além disso, enquanto os EUA plantam soja apenas uma vez por ano, dando tempo para o solo se recuperar, algumas regiões chinesas chegam a realizar três colheitas anuais, o que acelera o esgotamento da terra e agrava a baixa produtividade por hectare.
Lições da “crise da soja” e perdas bilionárias em 2004
Historicamente, a China foi o maior produtor mundial de soja, respondendo por 80% da produção global no início do século XX. Isso mudou após a Segunda Guerra Mundial, com a ascensão dos Estados Unidos como maior exportador.
O geneticista Gai Junyi relata que, nos anos 1980, os rendimentos dos EUA e da China eram semelhantes. Mas, a partir de 2015, essa diferença aumentou drasticamente. Já o professor Lam Hon Ming, da Universidade Chinesa de Hong Kong, lembrou que, nos anos 1990, quase não havia estudos relevantes sobre soja feitos por pesquisadores chineses.
Segundo Tang Qijun, presidente executivo da Associação da Indústria da Soja da China, dois momentos expuseram a vulnerabilidade do setor: em 1996, quando o país passou de exportador a importador líquido; e em 2004, durante a chamada “crise da soja”, quando o preço disparou nos EUA, levando empresas chinesas a compras precipitadas que resultaram em falências e aquisição por empresas estrangeiras. “Mais da metade das esmagadoras de soja da China fecharam. Foi um desastre”, recorda-se Hu Xiping, principal especialista do Instituto de Pesquisa da Soja da Kenfeng Seed.
Esforços para reverter a dependência e recuperar a liderança
A partir desse choque, o setor passou a encarar a segurança alimentar como parte da segurança nacional. “Sem controle de preços, ficamos em posição passiva no mercado internacional”, explicou Tang. Ele ressalta que empresas americanas já buscavam germoplasma chinês desde as décadas de 1960 e 1970, aproveitando as lacunas da pesquisa local.
Em resposta, Hu Xiping criou em 2015 a primeira equipe comercial de melhoramento genético de soja na província de Heilongjiang. Apesar da riqueza genética da soja chinesa, ele admite: “Temos bons ingredientes, mas ainda não sabemos como usá-los para fazer um bom prato”.
Nos anos recentes, a China iniciou uma reestruturação estratégica: investiu no desenvolvimento de variedades de alto rendimento e teor de óleo, promoveu o consórcio milho-soja e expandiu a mecanização, especialmente nas regiões do Norte e Nordeste.
Em 2019, lançou um plano de revitalização da soja doméstica. E, ao mesmo tempo, diversificou suas importações: dados da alfândega chinesa indicam que, em 2024, as compras totais do grão devem alcançar 105 milhões de toneladas. A participação dos EUA caiu para 21% (queda de 5,7 pontos percentuais), enquanto o Brasil saltou para 71% (alta de 6,7 pontos). As importações da Argentina devem dobrar, atingindo 4,1 milhões de toneladas.
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