Revolta da ultradireita expõe temor conservador com avanço do dólar digital nos EUA
Pressão do Freedom Caucus travou votações na Câmara para tentar impedir emissão de moeda digital pelo Fed, vista como ameaça à privacidade
247 - Uma batalha interna entre republicanos interrompeu os trabalhos na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos nesta semana. O impasse teve origem na exigência da ala ultraconservadora do partido para proibir o Federal Reserve (Fed) de emitir ou até mesmo estudar a criação de uma moeda digital oficial — o chamado “dólar digital”.
Durante dois dias, o grupo conhecido como Freedom Caucus bloqueou votações de dois projetos apoiados pela indústria de criptomoedas, que visam regulamentar stablecoins e outros ativos digitais. A paralisação só foi encerrada após a liderança republicana garantir que a proibição ao dólar digital poderá ser anexada a outros projetos legislativos, como o orçamento anual da Defesa.
Proibição foi aprovada, mas enfrenta resistência no Senado
Com a garantia de que teriam espaço para retomar a pauta, os ultraconservadores liberaram a votação dos projetos. A Câmara então aprovou, por 219 votos a 210, uma proposta que veta o Fed de desenvolver ou implementar uma moeda digital. Dois democratas votaram com os republicanos.
Ainda assim, a proposta específica da proibição deve enfrentar obstáculos no Senado, onde parlamentares democratas são majoritariamente contrários à medida. Mesmo assim, os conservadores querem incluir o veto no projeto de defesa nacional para tentar forçar sua aprovação.
Conservadores alegam ameaça à privacidade
Apesar de o presidente do Fed, Jerome Powell, ter declarado que não pretende avançar com uma moeda digital em seu mandato, as declarações não foram suficientes para conter o movimento conservador.
“O dinheiro digital de banco central representa uma ameaça existencial à civilização ocidental”, afirmou o deputado Warren Davidson (Partido Republicano, Ohio) no plenário.
Já o deputado Tom Emmer, terceiro na hierarquia do partido na Câmara e autor da proposta aprovada, advertiu: “Cada dólar que você gasta, onde você o gasta, com quem você o gasta — tudo seria visível e rastreável pelos olhos atentos de Washington. Não haveria dinheiro em espécie. Nenhum anonimato. Nenhum espaço para decisões financeiras privadas.”
A deputada Marjorie Taylor Greene (Geórgia), apesar de apoiar o conteúdo da proposta, foi a única republicana a votar contra a tramitação do pacote, alegando objeções ao procedimento adotado.
Debate mudou desde 2019
Em 2019, alguns dos mesmos parlamentares hoje contrários ao dólar digital defendiam que o Fed estudasse sua implementação. O deputado French Hill (Arkansas), por exemplo, via o avanço da moeda digital chinesa como uma ameaça à supremacia do dólar.
“Isso deixou de ser uma forma de tornar mais eficiente a transferência de moedas estatais para se tornar uma espécie de ‘bicho-papão’ para os puristas do cripto”, comentou o democrata Bill Foster (Illinois), que havia apoiado o debate sobre o tema à época.
União entre bancos e setor cripto contra o Fed
A possibilidade de um dólar digital emitido pelo banco central uniu dois setores geralmente opostos: o sistema bancário tradicional e a indústria de criptomoedas. Ambos consideram que um ativo digital soberano poderia representar concorrência direta a stablecoins e ameaçar o modelo de intermediação financeira tradicional.
Grupos como a American Bankers Association, Bank Policy Institute e Independent Community Bankers of America — além de entidades do setor cripto como a Blockchain Association e Crypto Council for Innovation — apoiaram o projeto de Emmer. Segundo dados públicos, menções à sigla “CBDC” (central bank digital currency) aumentaram quase 13 vezes nos relatórios de lobby desde 2020.
“Acho que os bancos estão apenas expressando seus interesses”, afirmou o deputado Foster.
A democrata Maxine Waters (Califórnia), opositora da medida, criticou os gastos de lobistas: “Muito dinheiro do setor cripto foi gasto aqui.”
Dólar digital poderia eliminar intermediários
Na prática, um dólar digital emitido pelo Fed funcionaria como dinheiro físico em versão eletrônica, permitindo transações diretas entre consumidores e comerciantes, sem a necessidade de bancos ou operadoras de cartão como intermediários. Essa estrutura é vista como uma ameaça tanto para os bancos quanto para as criptomoedas privadas.
A oposição conservadora ao projeto ganhou força desde os protestos de caminhoneiros no Canadá, em 2022, quando o governo de Justin Trudeau bloqueou contas bancárias de manifestantes. O episódio é citado por parlamentares como justificativa para a resistência a uma moeda digital estatal.
O tema também entrou nas primárias presidenciais republicanas, com nomes como Ron DeSantis e Vivek Ramaswamy se posicionando contra a criação de um dólar digital. Até mesmo Robert F. Kennedy Jr., então concorrente pelo campo democrata, também se manifestou contra a ideia.
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