China avança na corrida global por medicamentos inovadores e ameaça liderança dos EUA na biotecnologia farmacêutica
Com recorde de drogas em desenvolvimento e acordos bilionários com multinacionais, país asiático supera a UE e encurta distância dos EUA
247 - A indústria global de biotecnologia está sendo profundamente transformada pelo avanço das farmacêuticas chinesas, que deixam para trás a fama de meras copiadoras e agora ameaçam o domínio histórico dos Estados Unidos e da Europa na criação de medicamentos inovadores.
De acordo com uma análise da Bloomberg News com base em dados da Norstella, a China ultrapassou a União Europeia no número de drogas inovadoras em desenvolvimento e se aproxima rapidamente da liderança americana.
Em 2024, mais de 1.250 novos medicamentos — incluindo tratamentos contra câncer e obesidade — começaram a ser desenvolvidos na China, frente aos cerca de 1.440 dos Estados Unidos. O número chinês é muito superior ao registrado na União Europeia, o que revela uma mudança de eixo na inovação farmacêutica mundial.
Segundo Helen Chen, sócia-diretora da consultoria LEK em Xangai, “a escala em si é algo que nunca vimos antes. Os produtos estão aqui, são atrativos e avançam rapidamente”.
Crescimento impulsionado por reformas e investimento estratégico
O salto chinês na biotecnologia ganhou tração após uma profunda reforma regulatória em 2015, que agilizou a análise de novos fármacos, estabeleceu padrões de qualidade e aumentou a transparência do processo. Essas mudanças coincidiram com o plano industrial “Made in China 2025”, que prioriza investimentos em dez setores estratégicos — entre eles, a biotecnologia.
Com o retorno ao país de cientistas e empreendedores formados no exterior, houve uma explosão de startups e centros de pesquisa. O número de compostos inovadores chineses subiu de 160 em 2015 para mais de 1.250 em 2024. Esse avanço fez a China empatar com os EUA no volume de novas pesquisas, segundo Daniel Chancellor, vice-presidente da Norstella: “Não seria exagero afirmar que a China poderá ultrapassar os EUA em breve em quantidade de medicamentos em pipeline”.
Qualidade reconhecida por agências reguladoras
Além do volume, a qualidade dos medicamentos desenvolvidos na China também avançou. Reguladores rigorosos como a FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA) e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) vêm concedendo cada vez mais revisões aceleradas a fármacos chineses. Essas designações — como prioridade de revisão ou terapia inovadora — são destinadas a tratamentos promissores para doenças graves.
Em 2024, a China superou pela primeira vez a União Europeia no número de drogas com revisão acelerada. Um exemplo notável foi a terapia celular desenvolvida pela chinesa Legend Biotech, voltada a um tipo agressivo de câncer no sangue. Comercializado atualmente pela Johnson & Johnson, o medicamento é considerado superior a alternativas norte-americanas.
Barreira à frente: validação internacional
Apesar dos avanços, ainda há obstáculos. Os Estados Unidos exigem que dados clínicos obtidos na China sejam validados em pacientes estrangeiros antes de conceder aprovação para uso local. Isso significa que, mesmo com resultados promissores, os medicamentos precisam passar por estudos globais mais complexos e demorados.
Ainda assim, empresas chinesas estão ganhando espaço em negociações internacionais. A farmacêutica Akeso, por exemplo, desenvolveu um medicamento oncológico mais eficaz do que o Keytruda, da Merck, em estudos locais. A promessa da nova droga fez a norte-americana Summit Therapeutics pagar US$ 500 milhões para garantir os direitos de comercialização fora da China.
Segundo a base DealForma, os acordos entre farmacêuticas ocidentais e empresas chinesas vêm aumentando em frequência e valor. Em maio, a Pfizer anunciou um acordo de US$ 1,2 bilhão com a 3SBio, outro sinal da confiança global na biotecnologia chinesa.
Pesquisa clínica mais rápida e econômica
A velocidade também é uma vantagem competitiva da China. O país tem uma vasta rede hospitalar centralizada e um grande contingente de pacientes, o que acelera o recrutamento para testes clínicos. Para medicamentos contra câncer e obesidade, o tempo médio para completar a fase inicial dos testes é metade do que nos Estados Unidos.
De 2020 a 2024, a China foi o país que mais iniciou novos testes clínicos no mundo, segundo a GlobalData. Andy Liu, executivo da Novotech Health Holdings, afirmou: “Eles podem ultrapassar concorrentes de outros países com mais facilidade”.
Uma nova potência global em biotecnologia
Entre as 50 empresas que mais colocaram medicamentos inovadores em desenvolvimento entre 2020 e 2024, 20 são chinesas — frente a apenas cinco no período anterior. A líder global, segundo a Norstella, é a tradicional Jiangsu Hengrui, que abandonou os genéricos para investir em pesquisa de ponta.
Para Ali Pashazadeh, da Treehill Partners, “à medida que avançamos, o fato de haver inovação de alta qualidade na China deixará de ser novidade para se tornar norma”.
No entanto, o crescimento da biotecnologia chinesa também desperta preocupação nos Estados Unidos. Parlamentares e empresários temem que o país perca a liderança em um setor estratégico, como já ocorreu em áreas como inteligência artificial e veículos elétricos. A comissão do Congresso dos EUA chegou a alertar sobre os riscos de dependência de medicamentos chineses.
“Biotecnologia é uma das frentes da rivalidade tecnológica entre EUA e China”, disse Jack Burnham, analista da Foundation for Defense of Democracies. Em resposta, o governo norte-americano estuda mudanças regulatórias para acelerar seu próprio setor farmacêutico. O secretário de Saúde, Robert F. Kennedy, prometeu “fazer a biotecnologia americana acelerar”.
Apesar das tensões, empresas chinesas como a Akeso reafirmam sua intenção de operar globalmente. “A indústria farmacêutica é a melhor do mundo”, declarou a CEO Michelle Xia. “O que fazemos beneficia pacientes na China, nos EUA e em todo o mundo.”
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: