Gernika ontem, Gaza hoje: a barbárie da extrema-direita
Nenhum outro genocídio foi tão público, tão escancarado para o mundo inteiro
Por Milton Pomar (*) - As imagens de hoje, do que restou de Gaza, e das suas vítimas fatais – em particular as 49 mil crianças feridas, mutiladas, destroçadas e mortas –, evocam as de Gernika, cidade basca no norte da Espanha, bombardeada pela Luftwaffe, a força aérea nazista, em 26 de abril de 1937, sem que o país estivesse em guerra com a Alemanha.
Síntese do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, publicado em 1º/04/2025 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a agência da ONU de defesa dos direitos das crianças e adolescentes: “En el transcurso de casi 18 meses de guerra, más de 15.000 niños y niñas han muerto y al menos 34.000 han resultado heridos.” Como o matança continua, o total de crianças atingidas já ultrapassou 50 mil, porque “Desde que se interrumpió el alto al fuego y se reanudaron los intensos bombardeos y operaciones terrestres en la Franja de Gaza, al menos 322 niños y niñas han muerto y 609 han resultado heridos, lo que representa un promedio diario de casi 100 niños y niñas muertos o mutilados en los últimos diez días.”
Gernika (em basco; em espanhol é Guernica) é um marco na barbárie da extrema-direita, porque ocorreu antes do início da II Guerra Mundial, por demanda de Francisco Franco, comandante dos nacionalistas espanhóis (a extrema-direita da época), que solicitou ajuda militar a Hitler, para derrotar a esquerda republicana, que ganhara as eleições. Lá como cá, a extrema-direita não aceitou o resultado eleitoral e tentou um golpe militar, em 18 de julho de 1936, episódio que desencadeou a Guerra Civil Espanhola.
Nove meses após essa tentativa de golpe, 24 bombardeiros alemães da “Legion Condor” arrasaram Gernika, em sucessivos voos, despejando no total 40 toneladas de bombas, inclusive incendiárias, e metralhando quem tentava escapar dos destroços e dos incêndios.
Essa tragédia virou notícia dois dias depois, nos jornais Times (Londres) e New York Times (Nova York), graças à coincidência do jovem repórter George L. Steer passar pela cidade no dia. E por obra e arte de Pablo Picasso, o massacre da cidade basca ganhou repercussão mundial: em uma tela enorme (3,5 m por 7,8 m), em preto e branco, denominada “Guernica”, pintada em alguns dias, ele apresentou a sua visão do acontecimento. Pouco depois, a tela foi exposta em Paris, em um evento de caráter mundial, e hoje segue impressionando no Museu Rainha Sofia, em Madrid.
George L. Steer, o jornalista que denunciou o massacre, dois anos depois publicou “A árvore de Gernika”, livro lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2017.
Escolhida pelo general espanhol Franco para ser dizimada por sua população ser basca, a pequena Gernika (5.500 habitantes na época) foi destruída apenas por essa razão. Os nazistas alemães assassinaram mais de 10% da sua população, em uma tarde apenas.
Gaza segue em carne viva, faminta, lotada de pessoas desesperadas, sobreviventes após mais de 600 dias seguidos de bombardeios, rajadas de metralhadoras, e sabe-se lá o que mais de armas e munições de alta tecnologia, feitas para matar e destruir com o máximo de eficácia. Gaza segue um território destruído, com o seu povo aterrorizado, faminto e expulso sem ter para onde ir.
Quase 90 anos se passaram, entre a destruição de Gernika pelos nazistas alemães, e a de Gaza pelos sionistas israelenses. Enquanto a de Gernika logo foi esquecida, por causa da destruição generalizada na II Guerra Mundial, a de Gaza é divulgada desde o início, diuturnamente, através de todos os meios. Nenhum outro genocídio foi tão público, tão escancarado para o mundo inteiro. Já são 20 meses de carnificina, que nada nem ninguém consegue fazer parar.
Os quase dois milhões de habitantes de Gaza passam fome, sede, e todo tipo de privações, e todos os dias perdem mais pessoas, inclusive crianças, baleadas por estarem tentando pegar comida, ou por outra razão qualquer.
Toda essa barbárie do genocídio tem alto custo humano e de infraestrutura – as vidas não têm preço nem volta, mas quanto custará reconstruir toda a cidade? E quanto custam os aviões, bombas e munições despejadas na população indefesa? E mísseis, drones, tanques, blindados e outros equipamentos militares? Todo esse aparato utilizado para assassinar as 56 mil pessoas que se estima já terem sido mortas. Cada uma das vítimas dos sionistas israelenses já custou bem mais de mil dólares, se os números divulgados estiverem certos. E quem são as pessoas e empresas que lucram bilhões de dólares com essa guerra genocida de Israel contra civis de Gaza?
Tomara que os próximos anos não nos tragam uma III Guerra Mundial, hoje mais possível do que nunca, tais os interesses em jogo e o grau de estupidez dos líderes dos Estados Unidos (EUA) e Israel, aparentemente inebriados com as possibilidades de expulsar definitivamente a população atual de Gaza, e vencer a guerra recém iniciada com o Irã.
Como Israel tem apenas 10 milhões de habitantes, e o Irã 90 milhões, e alguns países podem efetivamente apoiar o Irã, as coisas podem se complicar mais na região. Trump segue mostrando os dentes para o Irã, com ameaças verbais que podem ou não se concretizar, e aumentou os recursos para gastar com guerras, no Orçamento 2026.
Alguns países europeus também aumentaram os gastos com “Defesa”. E há os que estão ganhando (muito) dinheiro com a venda de armas e munições para Israel e, possivelmente, também para a Ucrânia. Para piorar um pouco mais as coisas, Friedrich Merz, chanceler da Alemanha, elogiou as ações de guerra de Israel contra o Irã, em entrevista à TV durante o G7 no Canadá, dia 17 de junho. Merz denominou de “trabalho sujo” em nome do Ocidente os ataques com bombas de Israel contra o Irã. Para ele, o Irã espalha “morte e destruição” pelo mundo. “Só posso dizer que temos grande respeito pelo fato de o exército e o governo israelense terem a coragem de fazer isso.”
Assim como foi com o Iraque, na desmoralizada acusação de que o país tinha “armas de destruição em massa”, agora a acusação dos EUA, Israel, Alemanha etc., é que o Irã poderia, em dois a três anos, ter armas nucleares, algo que Israel e os EUA têm de sobra – assim como a Rússia, China, Coreia do Norte, França, Reino Unido, Índia e o Paquistão.
Gernika e Gaza são frutos da barbárie da ascensão do nazismo, ideologia do ódio e das “soluções” militares. A tragédia de Gernika ocorreu dois anos antes da II Guerra Mundial. O genocídio em Gaza antecede a III Guerra Mundial?
(*) Professor, geógrafo, mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas”. Autor do livro “O sucesso da China socialista”.
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