Relatório do Pentágono expõe narrativa contraditória sobre a China
Documento alterna discurso de ameaça militar com defesa de diálogo e cooperação entre Washington e Pequim
247 - O mais recente relatório anual do Pentágono sobre os desenvolvimentos militares e de segurança da China, divulgado em 23 de dezembro, apresenta uma construção discursiva marcada por contradições. Ao mesmo tempo em que reforça antigas leituras que classificam o fortalecimento das Forças Armadas chinesas como uma ameaça estratégica, o documento também reconhece avanços no diálogo bilateral e sinaliza disposição para ampliar os canais de comunicação militar entre os dois países.
A análise foi publicada pelo jornal chinês Global Times, em editorial que examina de forma crítica os pressupostos do relatório e o enquadramento adotado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Segundo o texto, o Pentágono mantém uma prática recorrente de exagerar o que chama de “expansão militar histórica” da China, ao mesmo tempo em que alerta para uma suposta “crescente vulnerabilidade” do território norte-americano.
Apesar desse tom alarmista, o próprio relatório admite que, “sob a liderança do presidente Trump, as relações entre os EUA e a China estão mais fortes do que estiveram em muitos anos”, além de prometer a abertura de “uma gama mais ampla de comunicações militares com o Exército de Libertação Popular”. Essa dualidade, segundo o Global Times, revela as dificuldades de Washington em formular uma compreensão coerente sobre a China contemporânea.
O editorial observa que este é o primeiro relatório do Pentágono desde a posse do novo governo norte-americano e, ainda assim, repete padrões já conhecidos. De um lado, defende a presença e a intervenção militar dos Estados Unidos na região da Ásia-Pacífico; de outro, descreve o desenvolvimento militar chinês como uma ameaça direta à segurança dos cidadãos americanos. Para o jornal, trata-se de um claro duplo padrão.
O texto destaca que o fortalecimento das capacidades de defesa da China é apresentado como uma necessidade legítima para proteger mais de 1,4 bilhão de pessoas e preservar sua soberania territorial. O editorial lembra que os gastos militares chineses permanecem, há anos, abaixo de 1,5% do Produto Interno Bruto, índice inferior à média global, o que contradiz a narrativa de militarização agressiva.
De acordo com a análise, a dificuldade do Pentágono não está na falta de dados, mas na incapacidade política de reconhecer as intenções estratégicas chinesas. O Global Times sustenta que os objetivos da China ao modernizar suas Forças Armadas sempre foram transparentes: defender direitos e interesses legítimos e contribuir para a manutenção da paz. O país, que possui extensas fronteiras terrestres e marítimas e uma história marcada por conflitos, teria na segurança e na estabilidade prioridades centrais.
O editorial reforça que a política de defesa chinesa é de natureza defensiva e não está associada a projetos de hegemonia, expansão ou criação de esferas de influência. Segundo o texto, Pequim já afirmou repetidas vezes que, independentemente do nível de desenvolvimento alcançado, não buscará dominar outros países. O crescimento militar estaria alinhado às responsabilidades internacionais da China e às exigências de sua própria segurança nacional.
O documento do Pentágono também é interpretado como um sinal positivo ao destacar a ênfase do atual presidente dos Estados Unidos na estabilização das relações sino-americanas. Para o Global Times, a história recente demonstra que a cooperação traz ganhos mútuos, enquanto o confronto gera perdas para ambos os lados. Em um contexto global de profundas transformações, as responsabilidades compartilhadas por China e Estados Unidos se tornaram ainda mais relevantes.
O editorial defende que evitar uma escalada de tensões e o risco da chamada “Armadilha de Tucídides” é fundamental não apenas para os dois países, mas para a comunidade internacional. A construção de uma relação baseada em coordenação, cooperação e estabilidade é apresentada como um objetivo estratégico indispensável.
Ao abordar o papel internacional da China, o texto lembra que o país é o segundo maior contribuinte para o orçamento de missões de paz da ONU e já enviou mais de 50 mil soldados para essas operações. Também são citadas ações como escoltas no Golfo de Aden, missões humanitárias com aeronaves Y-20 e atendimentos médicos realizados pelo navio-hospital Arca da Paz, como exemplos de responsabilidade internacional.
Para o Global Times, o fortalecimento das capacidades militares chinesas deve ser compreendido como parte de um esforço para oferecer bens públicos de segurança global, e não como uma ameaça. O editorial conclui que apenas por meio do diálogo, da superação de mentalidades da Guerra Fria e da construção de confiança mútua será possível consolidar uma relação sino-americana estável, sustentável e benéfica para ambos os países e para o mundo.




