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Pedro Silva Barros: a América Latina vive um processo de desintegração

Em entrevista à TV 247, o economista do Ipea defende reconstrução da governança regional

Pedro Silva Barros (Foto: Brasil 247)

247 – O economista Pedro Silva Barros, pesquisador do Ipea e coordenador do projeto Integração Regional Brasil e América do Sul, afirma que a região atravessa um “processo de desintegração” e que o Brasil precisa liderar a reconstrução de instituições e instrumentos de integração econômica, produtiva, logística, financeira e energética. As declarações foram dadas em entrevista à TV 247, conduzida pelo jornalista Leonardo Attuch.

Logo no início, Barros dimensiona a perda de densidade do comércio intrarregional ao longo da última década e meia e relaciona a retração a decisões políticas e institucionais — entre elas, os efeitos da Operação Lava Jato sobre a internacionalização da engenharia brasileira e a saída do Brasil do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), da ALADI, em 2019.

Queda do comércio regional e efeitos da Lava Jato

Barros descreve a retração do intercâmbio do Brasil com os vizinhos e aponta fatores domésticos que desarticularam a presença econômica do país:

 “O auge do nosso comércio com os vizinhos foi em 2011. Hoje ela caiu para algo próximo a 70 bilhões de dólares. É uma queda em termos reais de 37%”

Segundo ele, os impactos da Lava Jato sobre o financiamento e a exportação de serviços de engenharia foram decisivos:

 “Ainda que os atores centrais tenham perdido relevância, as consequências da Lava-Jato para nossa política externa seguem presentes”

Saída do CCR/ALADI e necessidade de retorno com modernização

Barros relata como se deu a decisão de 2019 e defende a retomada do mecanismo regional de compensação entre bancos centrais, atualizado para a realidade dos pagamentos digitais:

 “O Brasil tomou uma decisão de política externa de sair de um convênio internacional sem que essa decisão passasse pelo Executivo”
“Não vale a pena só voltar, tem que voltar com o objetivo de atualizar, modernizar o mecanismo”

Reconstruir a governança sul-americana

Para o economista, o caminho passa por reerguer instâncias como a antiga governança de infraestrutura (IRSA/Cosiplan) e articular transporte, energia e comunicações com harmonização regulatória e aduaneira:

 “Já passou da hora do Brasil convocar uma reunião com todos os ministros de Infraestrutura, de Transporte, de Energia e Comunicação”

Ele alerta que iniciativas bilaterais isoladas — por exemplo, memorandos sobre ferrovia transoceânica — precisam obrigatoriamente incluir os países do traçado, como Peru, Bolívia, Paraguai e Chile, para funcionarem como integração e não como “projetos do Brasil para os vizinhos”.

Crédito à engenharia e reindustrialização

Ao comentar a perda de espaço de empresas brasileiras para concorrentes estrangeiras em obras no Brasil e na região, Barros sustenta a volta do financiamento à exportação de serviços de engenharia como peça da neoindustrialização:

 “Os atores políticos principais parecem com receio de fazer esse debate de conseguir, por exemplo, que o BNDES volte a financiar as exportações de serviços”

Guiana e Margem Equatorial: oportunidade negligenciada

Barros chama atenção para a baixa participação brasileira no país vizinho de maior crescimento do mundo nos últimos anos, ligado ao petróleo na Margem Equatorial:

 “A participação do Brasil nas importações da Guiana é de menos de 2%”

Integração energética e Vaca Muerta

A criação de um mercado sul-americano de energia é prioridade, com interligações que reduzam a volatilidade climática e tarifária. A conexão com o gás de Vaca Muerta (Argentina) é vista como estratégica e fator de paz, independentemente de governos à direita ou à esquerda:

 “Vaca Muerta é um dos projetos fundamentais pra região”

Exemplos como Itaipu (Brasil–Paraguai) e o Gasbol (Brasil–Bolívia) demonstram, segundo Barros, que interdependência energética estabiliza as relações e barateia o custo da energia.

China, Europa, Estados Unidos e o “não alinhamento ativo”

A estratégia externa proposta por Barros combina diálogo com todos os polos, mas com prioridade inequívoca para a integração regional:

 “A nossa resposta deve ser um não alinhamento ativo. Buscar agendas positivas com os principais polos de poder e prioridade inequívoca para a integração regional”

Para ele, uma América do Sul integrada também melhora a qualidade da relação com a China (hoje concentrada em commodities) e dificulta pressões externas que tentam impor alinhamentos automáticos.

Telefonema Lula–Trump e recalibração dos EUA

Comentando o telefonema de 11 de outubro entre o presidente Lula e Donald Trumpatual presidente dos Estados Unidos —, Barros vê mudança tática em Washington após a ineficácia de medidas unilaterais contra o Brasil:

 “A conversa eu acho que significa uma readequação na posição dos Estados Unidos”
Ele pondera, contudo, que “essa vai ser uma tensão permanente”.

Venezuela: sair da agenda negativa e reconstruir pontes

Para reduzir a instrumentalização política do tema e evitar crises, a orientação é substituir agendas negativas (apenas migração/defesa) por projetos positivos em infraestrutura, energia e desenvolvimento de fronteiras:

 “A gente tem que promover uma agenda positiva”

Um exemplo simbólico citado por Barros: a perda do convívio entre militares brasileiros e venezuelanos em Pacaraima, o que aumenta riscos de incidentes por “qualquer besteira”.

Por que isso importa agora

  •  Segurança econômica e energética: Sem integração logística/energética, o Brasil paga mais caro (gás por navio, por exemplo) e fica mais exposto a choques externos.
  •  Neoindustrialização com mercado ampliado: Um “espaço econômico comum” dobraria a escala de demanda para a indústria brasileira e cadeias regionais de valor.
  •  Soberania e paz no Atlântico Sul: Laços produtivos e de infraestrutura dissuadem ingerências e consolidam a região como “zona de paz”.

Agenda proposta por Barros

  1.  Retomar e modernizar o CCR/ALADI (compensação em moedas locais, com meios de pagamento digitais).
  2.  Reerguer a governança de infraestrutura (transportes, energia e comunicações juntos; decisões sempre multilaterais com os vizinhos).
  3.  Voltar o financiamento à engenharia (recompor instrumentos como o BNDES para exportação de serviços).
  4.  Instituir o mercado sul-americano de energia (interligações, integração com Vaca Muerta, regras comuns).
  5.  Praticar o “não alinhamento ativo” (parcerias com China, Estados Unidos e Europa a partir de uma agenda regional).
  6.  Reatar agendas positivas com a Venezuela e fortalecer o desenvolvimento de fronteira.



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