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“Operação no Rio repete erros de dois séculos atrás”, diz Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do RJ

O delegado aposentado critica a ação que deixou mais de 100 mortos e afirma que Cláudio Castro usa a violência com fins eleitorais

“Operação no Rio repete erros de dois séculos atrás”, diz Hélio Luz, ex-chefe da Polícia Civil do RJ (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Hélio Luz, criticou a operação policial realizada nesta terça-feira (28) nas comunidades da Vila da Penha e do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, que deixou mais de 100 mortos.

Hélio Luz descreveu o caos que tomou conta da cidade durante o dia: “Os ônibus pararam, o metrô lotou, escritórios e universidades liberaram os funcionários. O Rio parou”, relatou. O delegado criticou o governador Cláudio Castro (PL), que, segundo ele, usou a operação com fins eleitorais e reproduziu a lógica de “repressão e espetáculo” que marca a história da segurança pública no estado.

“Essa operação é para mostrar mais uma falha. Se ele deslocou 2.500 homens e perdeu quatro policiais, ele perdeu. O Estado perdeu”, afirmou Luz.

Com mais de 40 anos de experiência na segurança pública, Hélio Luz afirmou que a estrutura policial no Brasil segue o mesmo modelo de controle social criado há mais de dois séculos, desde a chegada da corte portuguesa ao país.

“A função da polícia é fazer controle social. Desde que D. João criou a polícia, em 1808, o objetivo era controlar os escravos. De lá pra cá, faz a mesma coisa. O Estado pode estrangular os excluídos à vontade, que a polícia garante o controle”, disse o delegado.

Para ele, as operações em favelas não têm qualquer eficácia real no combate ao crime, apenas reforçam a exclusão e a violência contra a população pobre:

“Não deu certo há 200 anos e não vai dar agora. A grande forma de mudar isso é melhorar a condição de vida da população. Se não entenderem isso, daqui a 15 anos vamos estar na mesma situação”, afirmou.

Luz também criticou o pedido do governador ao Ministério da Defesa por blindados da Marinha para atuar em comunidades. Ele explicou que esses veículos são inadequados para o ambiente urbano das favelas, onde as ruas estreitas dificultam o deslocamento.

“Blindado serve para guerra, não para morro. Quando sobe, não consegue manobrar. Se subisse à noite, como queria um almirante na época da ocupação do Alemão, teria virado uma fogueira — os criminosos estavam prontos com óleo queimado”, relatou.

O delegado lembrou que operações semelhantes, com o uso das Forças Armadas, já foram realizadas no passado como durante o governo Sérgio Cabral e “nunca deram resultado”.

Questionado sobre a corrupção policial, Hélio Luz foi categórico ao afirmar que o problema nasce no próprio Estado.

“A corrupção policial está ancorada na corrupção do Estado. Quem ampara a corrupção na polícia é o Estado. A milícia é o espelho do Estado do Rio de Janeiro”, declarou.

Ele ironizou o fato de milicianos passarem a cobrar por serviços básicos, como gás, transporte e internet, comparando sua atuação às práticas de empresas e concessionárias privadas.

“Eles aprenderam com o Estado. A águas do Rio, a Light, o gás — todos fazem parecido. O Estado privatiza o espaço público e finge que não vê. É a mesma lógica”, salientou.

Para o ex-chefe da Polícia Civil, o aumento da violência é consequência direta da desigualdade social e da concentração de renda no Brasil.

“O complexo do Alemão tem 50 mil pessoas. Elas estão excluídas da cidadania: sem direito à alimentação, moradia, educação, saúde ou lazer. Querem o quê? Que fiquem mansas?”, questionou.

“Enquanto reduzirem a sobrevivência dos excluídos, a violência vai aumentar. O sistema está produzindo o inimigo”, completou.

Hélio Luz encerrou sua fala relacionando o colapso social no Rio à concentração de renda no país. Ele citou o lucro recorde dos bancos privados para ilustrar a desigualdade estrutural:

“Hoje mesmo, com o Rio pegando fogo, saiu a notícia de que bancos privados lucraram 25 bilhões em três meses. Como é que a gente vive num país desses e quer tranquilidade?”, disse.

Para ele, enquanto o Estado brasileiro continuar governando para uma elite e reprimindo os pobres, o ciclo de violência permanecerá intacto:

“Eles comprimem o povo, tiram tudo, e querem que o povo agradeça. Isso é o limite. Daqui para frente vai ser pior. Os garotos são bons, estão se organizando. Nenhum sistema de segurança vai dar conta disso.”

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