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      “O discurso da extrema direita é o mesmo em qualquer época e lugar”, diz Ruy Castro

      Em entrevista à jornalista Denise Assis, o escritor lança Trincheira Tropical e revela como o integralismo no Brasil antecipa o bolsonarismo

      (Foto: ABR)
      Dafne Ashton avatar
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      247 - Durante entrevista conduzida por Denise Assis no canal Brasil 247, o escritor e jornalista Ruy Castro apresentou sua mais recente obra, Trincheira Tropical, uma reconstituição rigorosa e surpreendente do Rio de Janeiro durante o período de 1935 a 1945. O livro revela como o Brasil foi afetado pela Segunda Guerra Mundial muito além dos campos de batalha — e como as sementes do autoritarismo plantadas naquela década florescem até hoje na política nacional.

      Ruy Castro afirma que sua pesquisa nasceu da constatação de que "não há país que fique imune a uma guerra mundial". Embora o Brasil não tenha sido teatro de combates diretos, o Rio de Janeiro viveu intensamente os efeitos da guerra: presença militar norte-americana, espionagem nazista, afundamento de navios brasileiros e a radicalização política que opôs integralistas, comunistas e liberais.

      O autor relata que levou seis anos para reunir o material que compõe os 21 capítulos do livro, mergulhando em quase mil obras e documentos pouco explorados. "Nunca houve um livro sobre a Segunda Guerra no Rio. O que existia tratava da guerra no exterior ou de registros militares sem conexão com a vida civil brasileira", explicou. A escolha do recorte geográfico é precisa: a então capital federal foi palco de uma disputa intensa entre forças ideológicas, além de alvo da propaganda estatal do Estado Novo.

      Castro dedica especial atenção ao papel do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que, segundo ele, "colocou a cara de Getúlio em todas as repartições públicas, moedas, cadernos e bilhetes de loteria". A máquina de comunicação do regime moldava uma figura paternal do ditador, ao mesmo tempo em que reprimia com violência qualquer oposição. “O fascismo de dentro combatia o fascismo de fora”, ironiza o autor, ao lembrar da contradição brasileira ao se aliar às democracias ocidentais contra o Eixo, enquanto mantinha uma ditadura no plano doméstico.

      O livro também revela a precariedade da atuação militar brasileira. Os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foram enviados para o inverno rigoroso da Itália com uniformes de brim e sem barracas, chegando a dormir em crateras vulcânicas a 17 graus negativos. "As fardas encolheram depois de lavadas no navio. Era uma vergonha", relata Ruy.

      A repressão aos integralistas e a censura do Estado, por sua vez, não impediram que milhares de simpatizantes da ideologia fascista seguissem atuando. Segundo o autor, "o integralismo nunca deixou de existir, apenas trocou de roupa e de nomes". Ao comparar o movimento liderado por Plínio Salgado aos apoiadores do bolsonarismo, afirma: “Se você trocar as camisas verdes pelas camisas amarelas, é a mesma coisa”. A estética, a organização paramilitar e o discurso moralista são traços comuns, segundo Castro, ao fascismo clássico e à extrema direita contemporânea.

      Ruy também revela que figuras públicas que mais tarde se consagraram como progressistas passaram pelo integralismo — entre elas, o próprio Vinícius de Moraes, que se libertou dessa filiação durante o período coberto pelo livro. Outros, como Miguel Reale e Abdias Nascimento, mantiveram vínculos mais duradouros. “A maior parte dos integralistas nunca deixou de sê-lo”, sentencia o escritor.

      Ao ser perguntado sobre a ausência de grandes comemorações pelos 80 anos do fim da guerra, Ruy é direto: “Não me interessa escrever para datas comemorativas. O que importa é a qualidade da história que está sendo contada”. Trincheira Tropical é, nesse sentido, um livro necessário — uma investigação profunda sobre um Brasil convulsionado, atravessado por conspirações, propaganda e violência, mas também por resistências que abriram caminho para a redemocratização.

      “É um livro civil”, resume o autor. “Não é sobre batalhas no front, mas sobre a vida de quem ficou aqui: as mães, os filhos, os espiões, os delatores, os covardes e os corajosos.” A leitura é não apenas uma aula de história — é também um alerta. Assista: 

       

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