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“Estamos entregando a democracia às Big Techs”, adverte Irineu Barreto

Especialista em desinformação e comunicação, o professor Irineu Barreto alerta que o controle das plataformas digitais ameaça a soberania democrática

Sigla para Artificial Intelligence (Inteligência Artificial, em português) e Donald Trump (Foto: Reuters I Reprodução (Global Times) )

247 - O avanço da inteligência artificial e a concentração do poder digital nas mãos das grandes plataformas estão mudando radicalmente a forma como se faz política — e colocando em risco as bases da democracia. É o que alerta o professor Irineu Barreto, pós-doutor em Sociologia pela USP e pesquisador das relações entre tecnologia, comunicação e poder, em entrevista ao programa Brasil Agora.

“Estamos entregando a democracia às Big Techs. Hoje, as regras do debate público, da visibilidade e até do que é considerado verdade são determinadas por algoritmos que não têm controle social”, afirmou Barreto.

O pesquisador comenta o vídeo manipulado com inteligência artificial divulgado por Donald Trump, em que o presidente dos Estados Unidos aparece jogando fezes contra manifestantes. Para ele, o episódio simboliza uma virada histórica no modo como a política é mediada.

“A tecnologia da inteligência artificial já faz parte da disputa política. A diferença é que agora é uma tecnologia acessível e altamente persuasiva. Estamos numa nova era do discurso em fração de segundos”, analisa.

Segundo Barreto, a comunicação política deixou de depender dos meios tradicionais e passou a ser totalmente guiada por algoritmos, likes e viralizações.

“Trump prioriza as redes sociais como instrumento central para pautar a política. Ele não precisa da imprensa tradicional; cria seu próprio sistema de comunicação, direto com o público e sem filtros”, explicou.

O professor destaca que esse fenômeno se repete globalmente — e que o tempo das redes sociais impôs um novo tipo de discurso político: rápido, emocional e de forte apelo visual.

“A política virou um espetáculo digital. Hoje, vence quem consegue condensar emoções intensas em poucos segundos de vídeo. E a inteligência artificial potencializa isso ao extremo.”

Barreto ressalta que as plataformas digitais são hoje os verdadeiros árbitros do espaço público.

 “A guerra dos algoritmos é uma guerra pela atenção. O objetivo das Big Techs é reter o usuário, e o discurso de ódio, de medo ou de indignação é o que mais prende as pessoas à tela”, disse.

Essa lógica, segundo o professor, cria um ambiente ideal para líderes autoritários e populistas, que dominam a linguagem emocional e simplificam narrativas complexas.

“As redes privilegiam a emoção, não a razão. E a política feita nesse ambiente é muito mais sobre sentimentos do que sobre fatos.”


Ameaça às instituições democráticas

Para Irineu Barreto, o impacto dessa transformação vai muito além da comunicação: ele corrói a própria estrutura da democracia liberal. “A sociabilidade humana agora é mediada pela tecnologia. E o caminho da extrema-direita é justamente quebrar as instituições, deslegitimar a política, a imprensa e o sistema eleitoral. As plataformas acabam sendo ferramentas dessa erosão”, afirmou.

Ele lembra que o mesmo fenômeno que impulsionou Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil e outros líderes populistas, foi alimentado por sistemas de recomendação e impulsionamento das redes sociais, muitas vezes sem transparência ou regulação.

O professor defende que a resposta à crise digital da democracia passa por três frentes principais: Educação midiática para formar cidadãos capazes de reconhecer manipulações e compreender a lógica das redes; a regulação das plataformas, com o objetivo de criar regras democráticas para os algoritmos e a publicidade política digital; e o reforço da comunicação pública com investimento em meios de informação plurais, éticos e comprometidos com o interesse coletivo.

“Nós precisamos, enquanto sociedade, negar espaço à desinformação. Essas pessoas e grupos precisam ficar falando sozinhos em seus guetos digitais. O problema é quando o algoritmo amplifica e normaliza o discurso autoritário”, alerta Barreto.

Para o pesquisador, as redes sociais são hoje o principal campo de batalha política do planeta e as democracias que não enfrentarem esse desafio correm o risco de serem capturadas pela lógica das plataformas.

“A democracia não pode ser um subproduto da tecnologia. É a tecnologia que deve servir à democracia, e não o contrário”, concluiu o professor Irineu Barreto.

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