Entrevista com o Secretário-Geral da ONU, António Guterres
A OCS passou de seis Estados-membros fundadores para uma grande família que abrange 27 Estados-membros
CGTN – Tianjin, a cidade costeira chinesa, testemunhou no dia 31 de agosto a realização da Cúpula da Organização de Cooperação de Shanghai (OCS) 2025. Mais de 20 líderes estrangeiros e 10 chefes de organizações internacionais se reuniram às margens do rio Haihe para a maior cúpula dos 24 anos de história da OCS. Ao longo dos 24 anos desde sua criação, a OCS, a primeira organização internacional a ser cofundada pela China e a receber o nome de uma cidade chinesa-Shanghai, vem defendendo o "Espírito de Shanghai" e continuando a crescer. Hoje, a OCS passou de seis Estados-membros fundadores para uma grande família que abrange 27 Estados-membros, Estados observadores e parceiros de diálogo espalhados na Ásia, Europa e África, e é responsável por aproximadamente metade da população mundial e um quarto da produção econômica global.
Jornalista: Dada a atual etapa de transformação geopolítica do mundo, como o senhor avalia a importância atual da OCS?
António Guterres: Acredito que precisamos construir um mundo multipolar. Precisamos de um mundo onde todas as regiões, todas as culturas, todas as religiões e todas as civilizações possam trabalhar juntas. Multipolaridade significa ausência de dominação e cooperação entre os países em pé de igualdade. Os Estados-membros da OCS desempenham um papel vital na construção de um mundo multipolar. Acredito que a existência da OCS é uma das condições fundamentais para o nosso progresso em direção a um mundo verdadeiramente multipolar. A multipolaridade ainda não foi alcançada e ainda estamos lutando por ela. No entanto, diversas forças não querem ver um mundo multipolar. Preferem um mundo baseado em relações de poder, o que inevitavelmente levará a um certo grau de caos nas relações internacionais, o que devemos nos esforçar para evitar.

Jornalista: Ao descrever a atual transição para o multilateralismo e a multipolaridade, o Sr. sugeriu que estamos em um “período de sofrimento” na transição para a multipolaridade – um período em que alguns países usam diferenças geopolíticas para maximizar seus próprios interesses sem assumir os resultados consequentes.
António Guterres: Como eu disse, isso demonstra que ainda não entramos verdadeiramente em um mundo multipolar. De muitas maneiras, o mundo está em um estado de desordem e o “período de sofrimento” é um reflexo dessa realidade. As pessoas acreditam que podem agir por conta própria, sem respeitar o direito internacional ou a Carta da ONU. É importante enfatizar que um mundo multipolar não significa abandonar a governança multilateral. Pelo contrário, o multilateralismo se torna ainda mais necessário. A Europa antes da Primeira Guerra Mundial é um exemplo. Na época, a Europa era multipolar, com múltiplas potências, incluindo França, Grã-Bretanha, Alemanha, o Império Austro-Húngaro e o Império Russo. No entanto, terminou em guerra devido à falta de um mecanismo de cooperação de coordenação multilateral. Precisamos agir agora. Vemos economias emergentes crescendo a taxas muito superiores às dos países desenvolvidos tradicionais. Esse novo equilíbrio global deve se traduzir em relações de cooperação entre os países. A cooperação tanto nas áreas de segurança quanto econômica é crucial. Ao mesmo tempo, devemos garantir que todos os países adotem o sistema de governança global neste processo, e o sistema das Nações Unidas deve desempenhar um papel central neste sistema.
Jornalista: O senhor acabou de se reunir com o presidente chinês, Xi Jinping. Quais serão as principais áreas de cooperação entre a China e as Nações Unidas na próxima fase?
António Guterres: Acho que o Pacto para o Futuro, aprovado pela Assembleia Geral da ONU no ano passado, já identificou algumas áreas-chave. Reconhecemos a importância da cooperação nas áreas de inteligência artificial (IA) e tecnologias digitais. Essa cooperação não deve se limitar aos países desenvolvidos, nem mesmo a países como a China, com fortes capacidades em IA. Em vez disso, deve se comprometer a garantir que os países em desenvolvimento também compartilhem os benefícios dela. As mudanças climáticas também são cruciais. Estamos em meio a uma transição para energias renováveis. Ao mesmo tempo, estamos promovendo ativamente a Nova Agenda de Paz, que defende o diálogo, a cooperação e o progresso conjunto de diferentes culturas e civilizações. A China demonstrou seu compromisso com isso por meio de sua Iniciativa de Civilização Global. Portanto, em todas as principais iniciativas da ONU, a China, sem dúvida, desempenha um papel significativo.

Jornalista: Falando em comemorar a Segunda Guerra Mundial, este ano celebramos o 80º aniversário da vitória da Guerra de Resistência do Povo Chinês contra a Agressão Japonesa e da Guerra Mundial Antifascista. Senhor Secretário-Geral, como todos sabem, as narrativas ocidentais frequentemente se concentram em momentos-chave nos teatros de operações da Europa e do Pacífico. Mas, na realidade, no principal campo de batalha no Oriente, o povo chinês começou a fazer enormes sacrifícios já em 1931 e, ao longo de 14 anos de lutas árduas antifascista e anti-imperialista, sofreu mais de 35 milhões de baixas. Na sua opinião, que perspectiva histórica deve ser usada para avaliar objetivamente a Segunda Guerra Mundial, especialmente a significativa contribuição da China para a vitória dos Aliados e a paz mundial?
António Guterres: Há uma visão de que a Segunda Guerra Mundial começou em 1939 e terminou em 1945. A verdade é que a eclosão da Segunda Guerra Mundial foi desencadeada pela invasão japonesa à China, e os eventos daquela época (o Incidente de 18 de setembro) são bem conhecidos. Portanto, definir o período da Segunda Guerra Mundial como 1939 a 1945 é simplesmente unilateral. Precisamos de uma perspectiva mais abrangente. É preciso reconhecer que a longa luta da China contra a agressão japonesa foi um fator decisivo na luta contra o Japão e contribuiu fundamentalmente para o enfraquecimento do Japão, o que levou à sua derrota no final da Segunda Guerra Mundial. Pode-se dizer que a contribuição da China foi extremamente importante e crucial para a vitória dos Aliados, incluindo a China. Como eu disse anteriormente, devemos encarar a Segunda Guerra Mundial de forma abrangente. De fato, sua eclosão ocorreu não muito longe daqui (Tianjin) e seu fim ocorreu no Pacífico. Devemos interpretar a história de uma perspectiva verdadeiramente abrangente, não apenas da perspectiva da região geográfica do historiador.
Jornalisita: Senhor Secretário-Geral, muito obrigado pela sua afirmação e por reconhecer os sacrifícios feitos pela China e por outras regiões do mundo pela vitória da Segunda Guerra Mundial.
António Guterres: Este é um fato indiscutível.
Jornalista: Isso é de grande importância para o povo chinês.
António Guterres: Mas também é verdade. Eu não inventei isso, nem estou tentando agradar a ninguém. Fatos são fatos, esta é a história real.

Oitenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a governança global chegou a uma nova encruzilhada: as sombras da mentalidade da Guerra Fria, do hegemonismo e do protecionismo persistem, e os problemas de inadequação e incompatibilidade do sistema de governança global são proeminentes sem precedentes. Em 1º de setembro, o presidente chinês, Xi Jinping, apresentou a Iniciativa de Governança Global pela primeira vez na reunião da OCS+. Este é mais um importante produto público oferecido pela China à comunidade internacional, após a Iniciativas de Desenvolvimento Global, de Segurança Global e de Civilização Global.
António Guterres: Ao comemorarmos o 80º aniversário da fundação das Nações Unidas e o 80º aniversário da vitória da Guerra Mundial Antifascista, devemos fortalecer ainda mais a cooperação internacional no século XXI e sempre colocar as pessoas no centro. Nesse espírito, saúdo a Iniciativa de Governança Global apresentada pelo presidente Xi Jinping. Esta iniciativa está enraizada no multilateralismo e enfatiza a necessidade de defender o sistema internacional tendo as Nações Unidas como seu núcleo e a ordem internacional baseada no direito internacional. Trabalhemos juntos para transformar as promessas solenes da Carta da ONU em realidade e para criar um futuro de paz, dignidade e solidariedade.
