Leia a íntegra do discurso de Lula na abertura de evento de homenagem na Academia Francesa
O presidente brasileiro foi homenageado nesta quinta-feira, em uma cerimônia reservada, em Paris
247 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi homenageado nesta quinta-feira (5) pela Academia Francesa, em uma cerimônia reservada, em Paris.
Em discurso na abertura do evento, Lula exaltou a Academia Brasileira de Letras (ABL) e afirmou que “falar da língua portuguesa no Brasil é falar de resistência, de reinvenção e de superação”.
Leia o discurso na íntegra:
“Foi com satisfação que aceitei o convite para me dirigir a esta Academia, que há quase quatro séculos guarda com zelo e rigor a língua francesa.
Tenho a honra de ser o segundo governante brasileiro a ocupar esta tribuna.
A presença de Dom Pedro II nesta casa há 153 anos é testemunho de quão antigo é o interesse recíproco de nossos países.
O Brasil que retorna hoje é republicano e democrático, mais diverso e plural.
Ao longo desse período, a consolidação da República brasileira bebeu das fontes do iluminismo francês.
Da separação de poderes ao direito civil e administrativo, passando pelo lema inscrito em nossa bandeira – “Ordem e Progresso” –, o legado da França se fez sentir na organização do Estado brasileiro.
Os ideais da Revolução Francesa continuam ecoando na vida política nacional e em outras partes do mundo.
Desde o século dezenove, o olhar dos viajantes franceses sobre o Brasil tem levado meu país a enxergar a si mesmo.
Exemplo disso foi a missão artística francesa de 1816, que teve um papel fundamental em nossa formação cultural.
No caminho inverso, a produção brasileira tem sido acolhida com interesse e entusiasmo pelo público francês, em um processo de fertilização cruzada que enriquece os dois países.
Artistas, músicos, arquitetos e cineastas brasileiros tiveram suas obras aclamadas nas galerias e salões parisienses, deixaram suas marcas nas ruas e prédios da cidade-luz e foram premiados em Cannes.
A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, também foi expressão dessas afinidades.
A ABL nasceu do sonho de intelectuais brasileiros de criar, nos trópicos, espaço de reflexão e criação semelhante ao da Academia Francesa.
À frente desse projeto estava um homem extraordinário: Machado de Assis.
Neto de escravizados, autodidata, foi uma das maiores inteligências literárias da modernidade.
Machado não apenas fundou a ABL, como presidiu a instituição por mais de dez anos, sendo celebrado por seus pares e admirado por críticos franceses.
A ligação entre a ABL e a Academia Francesa é testemunho da comunhão de mentalidades entre dois países que entendem que a palavra, para seguir plena e viva, precisa de instituições que a cultivem, a promovam e a defendam.
A língua portuguesa, como a francesa, nasceu do latim — essa língua-mãe que moldou nossa forma de dizer o mundo.
A variedade brasileira do português é fruto de um processo linguístico profundamente marcado pela história.
Ao português europeu veio se somar a família linguística tupi-guarani, faladas pelos povos indígenas que primeiro habitaram nossa terra.
Também se mesclaram as línguas africanas, como o iorubá e o quimbundo, trazidas nos porões da escravidão.
Nossa língua, como toda língua viva, continuou a se reinventar ao longo dos séculos, acolhendo os falares de milhões de imigrantes vindos de todas as partes do mundo: italianos, alemães, árabes, japoneses, espanhóis e franceses.
Cada um desses grupos legou ao Brasil sua cadência, suas palavras, sua alma.
Essa confluência de vozes e de vivências – muitas vezes apagadas, mas nunca silenciadas – moldou uma língua plural, mestiça, que carrega em sua sonoridade a memória e as lutas de um país inteiro.
Por isso, falar da língua portuguesa no Brasil é falar de resistência, de reinvenção e superação.
Vivemos diariamente o desafio de fazer da cultura uma política de Estado – e não apenas de governo.
O acesso aos livros, à música, ao cinema e à arte em suas múltiplas formas deve ser direito de todos, e não privilégio de poucos.
A França é um exemplo para os que defendem a diversidade cultural através de regulamentação democrática e robusta.
A cultura nunca é, e nem deve ser, estática. Ela revela, questiona e transforma.
Em tempos de extremismos, de intolerância, de simplificações violentas e de discursos de ódio, a cultura – com sua complexidade e beleza – nos ensina a escutar e a conviver.
É ela quem nos convida a habitar futuros possíveis, para construir coletivamente o que antes apenas ousamos imaginar.
Não é coincidência, portanto, que a cultura seja sempre uma das primeiras vítimas de projetos autoritários.
As guerras culturais, travadas contra instituições artísticas e universitárias, são tentativas de sufocar o pensamento crítico e impor visões de mundo estreitas e limitantes.
Elas se aproveitam do modelo de negócios das plataformas virtuais, que monetizam a mentira e a ignorância e dão mais valor a “likes” do que à dignidade humana.
Mesmo em tempos tão desafiadores como os atuais, a palavra ainda pode ser ponte.
Ela permanece como o principal instrumento para a compreensão mútua e para a construção democrática, dentro e fora das nações.
Nas relações internacionais, a palavra é a arma da diplomacia. Seu campo de batalha são as instituições multilaterais.
Por isso, não há termo mais oportuno e necessário a se discutir, hoje, do que “multilateralismo”.
Tenho certeza de que a continuidade de nosso debate hoje sobre essa palavra será muito proveitosa.
Reitero meu agradecimento a este convite porque sei que esta Academia o fez como gesto de reconhecimento ao Brasil e seu povo, que acreditam na força transformadora da palavra.
Muito obrigado.”
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