Entenda como o programa First Mile foi usado pela ‘Abin paralela’ para espionar alvos do bolsonarismo
Ferramenta israelense permitiu rastrear localização de alvos por meio de falhas em redes móveis; Bolsonaro e Ramagem foram indiciados
247 - As investigações da Polícia Federal apontam que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) utilizaram um programa secreto para monitorar alvos pré-determinados durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com a PF, a ferramenta, chamada FirstMile, permitiu a exploração de vulnerabilidades no sistema de telefonia do país para localizar celulares de pessoas específicas. As informações são do jornal O Globo.
A apuração resultou no indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a Abin no período. Ambos não comentaram o indiciamento até o momento. Em manifestações anteriores, negaram a existência de uma estrutura paralela na agência ou envolvimento em atividades de espionagem ilegal. A Abin declarou que está “à disposição das autoridades” e destacou que os fatos investigados ocorreram em “gestões passadas”.
O uso do software foi revelado em março de 2023. Desde então, a Polícia Federal identificou que a espionagem atingiu membros da cúpula do Judiciário, da Câmara dos Deputados e jornalistas, caracterizando o que é apontado como o maior escândalo de espionagem da história do Brasil.
Durante uma audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), a PF e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) explicaram que o FirstMile, criado pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), acessava informações sobre aparelhos celulares por meio das antenas de telefonia, chamadas Estações Rádio Base (ERB), obtendo a localização dos dispositivos.
“Veja a gravidade disso: uma empresa estrangeira, no caso de Israel, acessa a nossa infraestrutura crítica de telefonia e com isso ela simula uma antena, uma ERB, que vai possibilitar acessar o aparelho do cidadão, inclusive inserindo agentes espiões para ter acesso a todos os dados do aparelho”, afirmou o diretor de Inteligência da PF, Rodrigo Morais Fernandes, durante a audiência, que foi convocada pelo ministro Cristiano Zanin.
Um laudo técnico da PF enviado ao STF descreve que, ao se selecionar um alvo, a “localização é posicionada no mapa com base nas coordenadas, juntamente com raio de precisão”. Segundo os peritos, o sistema utilizava falhas de redes móveis baseadas nas tecnologias 2G e 3G, que operam por meio do Sistema de Sinalização nº 7 (SS7) — protocolo usado para encaminhamento de chamadas e mensagens.
Esse protocolo, ainda amplamente utilizado no país, é vulnerável porque não verifica a legitimidade dos pedidos de informação. O laudo da PF afirma que o sistema responde a solicitações tanto de operadoras legítimas quanto de sistemas externos, facilitando a interceptação de dados de localização.
“Há um consenso sobre a existência de diversas vulnerabilidades de segurança em redes móveis as quais fazem uso do SS7”, afirma o documento, ressaltando que o protocolo continua presente mesmo com a adoção de tecnologias mais recentes, como 4G e 5G.
Durante a audiência, Gustavo Santana Borges, superintendente de Controle de Obrigações da Anatel, destacou o risco do uso de softwares comerciais estrangeiros. “Autorizar o uso de softwares comerciais, especialmente de estrangeiros, é um incentivo à exploração de vulnerabilidade e à realização de ataques às redes de telefonia, mesmo com ordem judicial”< disse.
A PF também identificou que a complexidade da infraestrutura de telecomunicações no Brasil dificulta a correção dessas vulnerabilidades. Atualmente, cerca de 15 mil prestadoras de serviços de telecomunicações atuam no país.
“E mesmo com adoção rigorosa de padrões de segurança por essas empresas, não é possível garantir que não existam vulnerabilidades. Hoje nós estamos totalmente conectados e dependentes do celular e daqui a pouco não só nós, as pessoas, mas também as coisas, os carros, o trânsito, tudo encaminha para um ambiente muito mais digital, inserido aí questões de Inteligência Artificial”, completou.
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