Um mês para não ser esquecido
Que o 11 de setembro seja o farol da nossa memória coletiva, um símbolo da luta pela vida
Setembro de 2025 é um daqueles meses que deixam sua marca na história. No dia 11, o STF condenou Bolsonaro a 27 anos de prisão pela sua participação na tentativa frustrada de golpe para se perpetuar no poder, mesmo depois de perder as eleições no voto popular.
Lavamos a alma ao ver, pela primeira vez, um ex-presidente e militares de alta patente serem responsabilizados em um tribunal civil por crimes contra a democracia. Para quem viveu os anos de chumbo da Ditadura Militar, é como ver antigos fantasmas serem exorcizados em praça pública.
Como já era de se esperar, a extrema direita esperneou e tentou aplicar um golpe em cima do próprio golpe, transformando em boia de salvação uma proposta esdrúxula de anistia ampla, geral e irrestrita, que livrava seus pares das condenações e de crimes que poderiam ser a eles imputados no futuro.
A resposta para esse pedido de cheque em branco veio das ruas. Em 21 de Setembro, dez dias depois da condenação de Bolsonaro e sua trupe, milhares de pessoas se mobilizaram por todo o país para dizer um grande “NÃO!” a qualquer tipo de barganha.
O centrão, que se move ao sabor do vento, ouviu o recado em alto e bom som. Sentiu o baque e se viu obrigado a recuar. Era a esquerda de volta às ruas, com uma força que trouxe à memória velhos tempos.
Em setembro, tivemos ainda um pedido de impeachment de Tarcísio de Freitas e vimos a imagem do governador de São Paulo derreter ao se mostrar igual a Bolsonaro.
Já o presidente Lula fez um discurso histórico na ONU. Tão bom que até Donald Trump reconheceu que ambos tiveram uma “excelente química” e que Lula lhe pareceu “um homem muito agradável”. Imagino as lágrimas do bolsonarismo ao ouvir isso.
Eu não tenho dúvidas de que este setembro de 2025 foi um mês mágico. E quando já parecia muito, veio a faísca de genialidade. Em meio a essa série de acontecimentos, me deparei com o brilhantismo do neurocientista Miguel Nicolelis.
Ele, que ganhou fama mundial com seus estudos sobre o controle de máquinas a partir de sinais neurais, apresentou uma proposta que considero digna das conquistas deste mês. Em suas redes sociais, Nicolelis sugere que o 11 de setembro seja reconhecido como um Dia em Homenagem às Vítimas da Pandemia de Covid-19.
A escolha do dia tem razão de ser e não foi fruto do acaso. Essa é a data em que a Justiça finalmente alcançou Bolsonaro. Da mesma forma que seria legítima também uma condenação sua pela gestão temerária durante a maior crise sanitária que o mundo já enfrentou em sua história moderna. Provavelmente seja essa a reparação que Nicolelis buscava quando lançou a ideia no ar.
Sob o comando de Bolsonaro, o Brasil se transformou em um cemitério a céu aberto. Fomos o segundo país que concentrou maior número de mortes no mundo em decorrência da pandemia, superado apenas pelos Estados Unidos de Donald Trump. Mais de 700 mil pessoas perderam a vida, vítimas de um desgoverno que, ao invés de proteger, preferiu espalhar fake news e abandonar sua população à própria sorte.
Durante esse período, ficaram célebres frases cruéis como “é só uma gripezinha”, “e daí?”, “eu não sou coveiro”. Todas de autoria de Bolsonaro. Em busca de uma solução fácil para a crise, ele se converteu em garoto propaganda da cloroquina, um medicamento sem nenhuma eficácia no tratamento da Covid-19, enquanto brasileiros sufocavam à espera de oxigênio.
O mundo cuidou da sua população, restringindo a circulação em lugares públicos para evitar o contágio e investindo pesado em pesquisa para o desenvolvimento de uma vacina. Bolsonaro e a extrema direita escolheram um caminho oposto: a exposição em massa das pessoas ao coronavírus em busca do delírio da “imunidade de rebanho”.
Bolsonaro buscou adaptar uma tese veterinária ao povo brasileiro, segundo a qual, quando uma faixa entre 70% e 90% dos animais de um grupo estão imunizados, seja por meio de vacina ou por contágio, a doença deixa de circular e o rebanho todo fica seguro.
O fracasso era óbvio para todos, menos para Bolsonaro e seu “rebanho”. Ele adiou o quanto pôde a compra de vacinas, criticou o isolamento social e rejeitou o uso de máscaras, estimulando a população a fazer o mesmo. Se tivéssemos à época um governo sério e responsável, o saldo da pandemia seguramente seria outro.
Ainda neste grandioso mês de setembro, o Ministro Flávio Dino, do STF, acatou pedido da Polícia Federal e determinou a abertura de inquérito para investigar fatos e condutas criminosas apurados na CPI da Pandemia, que propôs o indiciamento do então presidente, parlamentares aliados e ex-ministros.
Bolsonaro tem culpa no cartório, e independente de uma nova condenação por sua atuação e omissão na pandemia, os próximos anos que ele irá amargar na cadeia podem oferecer aos brasileiros um sentimento de alívio moral não só pelo golpe, mas também pelas vidas perdidas na pandemia, cada uma delas.
É esse grito de justiça que Nicolelis transformou em proposta. Inspirado por ele, apresentei na Assembleia Legislativa um projeto de lei que institui no calendário oficial do Estado de São Paulo o 11 de Setembro como o Dia em Homenagem às Vítimas da Pandemia de Covid-19.
Espero que essa não seja uma iniciativa isolada. Que ela possa encontrar aderência também no Congresso Nacional para que se torne uma data nacionalmente reconhecida, porque a memória não pode ser regionalizada.
Por mais doloroso que seja, precisamos nos mobilizar nessa luta. Não podemos nos privar do direito inalienável de pedir justiça. Marcar o 11 de Setembro como dia de memória é mais do que simbólico. É um gesto de humanidade, de reconhecimento das vidas perdidas e do sofrimento ignorado.
Precisamos ter o direito de honrar os mortos, cobrar responsabilidades e blindar o futuro contra novas tragédias. Apagar o passado é abrir caminho para a repetição do desastre. Que o 11 de setembro seja o farol da nossa memória coletiva, um símbolo da luta pela vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



