Trump tenta sequestrar Cúpula do BRICS em defesa de Bolsonaro
Presidente dos EUA sinaliza uma rejeição às instituições democráticas que investigam e punem atos antidemocráticos
As palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferidas ao final da Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, reverberaram muito além das fronteiras brasileiras. Ao classificar como “irresponsável” a ameaça de Donald Trump de impor tarifas de 10% a países alinhados ao bloco, Lula respondeu a uma provocação e traçou uma linha clara entre dois projetos de mundo em disputa.
A retórica do império - Trump, em sua rede Truth Social, afirmou que “qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas do BRICS será cobrado com uma tarifa adicional de 10%”. A ameaça, típica de sua retórica nacionalista e protecionista, ecoa os tempos da Guerra Fria, quando o alinhamento geopolítico era ditado por sanções e punições.
No exato momento em que o Brasil sedia a mais importante Cúpula do BRICS desde sua fundação, reunindo chefes de Estado de quase 30 países e consolidando uma agenda de cooperação Sul-Sul, Donald Trump — em plena campanha eleitoral nos Estados Unidos — decidiu mirar seus ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro e sair em defesa de Jair Bolsonaro.
Retaliações - Em uma série de declarações feitas durante um comício e ecoadas nas redes sociais, Trump classificou Bolsonaro como “um grande patriota injustiçado” e insinuou que o STF estaria “perseguindo um homem inocente por motivos políticos”. Mais grave. Em tom ameaçador, o ex-presidente norte-americano sugeriu que os EUA "observariam atentamente" qualquer movimentação contra Bolsonaro e chegaram a insinuar retaliações caso o ex-capitão fosse condenado ou preso em definitivo.
A fala de Trump coincide com os dias mais intensos da Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, onde o presidente Lula conduziu reuniões com foco em uma nova governança global, integração econômica entre os países em desenvolvimento, moedas alternativas ao dólar e transição energética justa. Ao invocar Bolsonaro e atacar o STF, Trump tenta sequestrar o foco midiático da cúpula e realinhar o debate com sua própria agenda eleitoral, reforçando a aliança da extrema-direita internacional
Rejeição às instituições - Ao apoiar um ex-presidente brasileiro que responde por tentativa de golpe, Trump sinaliza não apenas solidariedade política, mas também uma rejeição às instituições democráticas que investigam e punem atos antidemocráticos.
Essa defesa pública reforça a narrativa de perseguição política usada por Bolsonaro e seus aliados, ao mesmo tempo em que tenta deslegitimar o atual governo brasileiro e o sistema judicial do país. No plano internacional, a atitude de Trump busca fortalecer uma frente conservadora que se opõe à ascensão de blocos como o BRICS, visto por ele como ameaça à hegemonia americana.
Mas o mundo de 2025 não é mais o de 1945. A hegemonia americana, embora ainda poderosa, já não é incontestável. A ascensão da China, a resiliência da Rússia, a autonomia crescente da Índia e o protagonismo diplomático do Brasil mostram que a ordem internacional está em transição. E é nesse cenário que o BRICS se consolida como uma alternativa real à dominação unipolar.
Diplomacia da multipolaridade - Ao afirmar que “o mundo mudou” e que “não queremos imperador”, Lula rejeita a ameaça de Trump e reafirma o compromisso do Brasil com uma ordem internacional baseada no multilateralismo, no respeito à soberania e na cooperação entre iguais. É uma visão que se opõe frontalmente à lógica de coerção econômica e imposição ideológica.
Essa postura não é nova na diplomacia brasileira, mas ganha novo fôlego em um momento em que o Sul Global busca mais voz e mais espaço. A ampliação do BRICS, com a entrada de novos países, e o fortalecimento de mecanismos financeiros próprios, como o Novo Banco de Desenvolvimento, são sinais claros de que há um movimento em curso para reequilibrar o poder global.
O que está em jogo - A disputa entre Lula e Trump é, na verdade, um reflexo de uma disputa maior: entre um mundo baseado na imposição e outro baseado na negociação; entre a manutenção de privilégios históricos e a construção de uma nova governança global. O editorial da história não está escrito. Mas os capítulos recentes indicam que a resistência à hegemonia está mais articulada e mais legítima do que nunca.
O Brasil, ao lado do BRICS, tem a oportunidade de liderar esse novo capítulo. Isso exigirá coragem diplomática, consistência estratégica e, sobretudo, a capacidade de não se curvar diante de ameaças, por mais poderosas que sejam suas origens.
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