Trump, herói do mundo multipolar
China ocupa vazio deixado pelo unilateralismo estadunidense e promove surgimento de uma nova ordem mundial
Eu nunca me imaginei dizendo isso, mas, ao ver as imagens do encontro entre os líderes da China, Índia e Rússia, não pude deixar de dar o devido crédito a Trump, que, ao afastar os Estados Unidos da arena internacional, acabou por fortalecer o movimento liderado pela China, cujo objetivo é o fortalecimento dos laços multilaterais e o enfraquecimento do sistema internacional atlanticista surgido após a Segunda Guerra Mundial.
No que se refere especificamente às relações entre China e Índia, dois países que representam mais de um terço da população mundial, a decisão de Trump, ao taxar arbitrariamente as importações indianas em 50%, acabou por aproximar os dois países que há anos estavam com relações estremecidas, revertendo décadas de política estadunidense de aproximação com a Índia, de maneira a criar um contraponto ao poderio chinês na região.
E não apenas Índia e China se aproximaram em reação às ações do presidente estadunidense, mas, de modo geral, quase todos os países do mundo iniciaram movimentos de aproximação com potenciais parceiros até então negligenciados. É o caso do Brasil, que promoveu recentemente a visita do vice-presidente Geraldo Alckmin ao México, onde sua comitiva encaminhou uma série de acordos visando aumentar as trocas comerciais, científicas e culturais entre os países, até então negligenciadas diante do tamanho das duas nações. Também é o caso de muitos outros países que vêm procurando se libertar da dependência das exportações aos EUA – como demonstram acordos assinados nos últimos dois meses entre os mais diversos países e regiões, tais como os celebrados entre França e Arábia Saudita, Índia e Japão, Turquia e China, entre muitos outros.
Muitos desses acordos, para desespero do império em decadência, vêm sendo realizados de maneira a dispensar o dólar das transações comerciais, como a compra de petróleo saudita pela China, que passará a se basear em uma cesta de moedas que inclui o rial saudita e o yuan chinês. A desdolarização, afinal, é um dos principais objetivos de Rússia, China, Índia e seus aliados nos BRICS e na OCX, de modo a criar um sistema político, econômico e financeiro internacional que não esteja sujeito às pressões e vetos estadunidenses (como o congelamento ou confisco de valores pertencentes à Rússia ou à Venezuela, por exemplo).
Assim, o que Trump tem garantido, com sua incapacidade de compreender as regras e princípios do mercado mundial, unida à sua pretensão de ser escolhido por Deus e de ter poder imperial ilimitado, é fortalecer os laços multilaterais entre o restante dos países do mundo, isolando os próprios Estados Unidos (e Israel) e levando ao surgimento de uma nova ordem global, com os centros de poder deslocados das bordas do Atlântico para a Ásia.
Originalmente publicado no Substack do autor: andregattaz.substack.com
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.