Truculência e brutalidade
Num mundo que não se habituou a viver sem guerras, a paz entre os povos não passa de ilusão
O que talvez se suspeitasse, mas não se acreditava, está acontecendo: Acenderam-se sinais de alerta. Latino-americanos, pouco dados a contenciosos entre si, viram se aproximar no Mar do Carine embarcações norte-americanas, armadas até os dentes. A que pretexto? Nada que, por ali, constitua perigo: combater narcotraficantes. Não bastasse a concessão do Nobel a uma extremista de direita, com a palavra golpista inscrita na biografia e na testa, Donald Trump deixa escapar que a CIA promoverá em Caracas a queda do regime. Pretende substituir o Presidente Maduro por alguém dócil aos seus interesses. Supõe-se com certeza que os herdeiros de Chaves não levantarão o povo. Ledo engano. Na melhor das hipóteses, imporão fantoches repudiados, além dos de partidários da velha elite.
A bravata já está custando caro. Cinco barcaças alvejadas à distância foram destruídas em segundos, com seus passageiros mortos, contra as regras das normas internacionais e até americanas. Não as revistaram. Não verificaram se eram pescadores ou não. Simplesmente os alvejaram. No último incidente, viram que havia sobreviventes a resgatar. Ações deste tipo para estimular a popularidade do eleitorado podem representar uma faca de dois gumes. Por enquanto, o restante do continente assiste a esses exageros com um misto de insatisfação, perplexidade e temor, com receio de que a perturbação promova traumas sociais, incluindo a imigração de refugiados. No Brasil, repudiam-se investidas armadas nas suas cercanias. Somos uma nação de paz, como prega o Presidente Lula. Teremos de introduzir novos temas nos entendimentos em curso entre Rubio e Mauro Vieira...
Ademais dos protestos de Maduro junto à ONU, a verdade é que se equivocam os que calculam havermos entrado numa era de civilização no trato dos costumes. Quer o Destino que os ricos entre os nossos vizinhos se arvorem de donos declarados de uma doutrina estabelecida - por eles. Como a Casa Branca ignora os ditames diplomáticos, é bem possível que o que se iniciou como uma fanfarronada, termine numa grande e lamentável tragédia.
Sistemas democráticos têm sido capazes de escolhas extraordinárias como dirigentes políticos. Também realizam bizarras seleções de gente despreparada. Afinal, Hitler chegou ao poder pelos votos. Trump e Javier Milei, igualmente. O fato de se prenderem a mandatos garante um suspiro de alívio. No meio tempo, no entanto, surgem surpresas desagradáveis, mal adaptáveis a padrões de liberdade. Nos Estados Unidos, verificam-se medidas contra as universidades, os estrangeiros e os adversários. E crescem manifestações de protesto. Na Argentina, a crise ultrapassa previsões, com a população pagando o preço. Até onde os dois ousarão? - é a pergunta que persiste.
Num mundo que não se habituou a viver sem guerras, a paz entre os povos não passa de ilusão. Mesmo assim, acreditávamos que tínhamos desenvolvido maneiras nossas de lidar com os problemas. A mão pesada que se debruça sobre o Caribe revela que não. Os do Norte não são amigos. São ambiciosos, com teorias improvisadas sobre inimigos temíveis, embora estes os assediem pelo Pacífico e não pelo lado de cá. E não adiantam argumentos. A força arbitrária precisa de sangue.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



