Sobre o que está acontecendo no Irã - 8 pontos de análise
A história se repete como tragédia mais uma vez
Por Carol Proner e Larissa Ramina*
1. O Brasil condenou o ataque dos Estados Unidos ao Irã como sendo uma violação à soberania e ao direito internacional. Praticamente todos os países árabes vão no mesmo sentido, manifestando grave preocupação com a escalada da guerra iniciada por Israel. António Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou que a entrada dos Estados Unidos no conflito constitui uma ameaça direta à paz e à segurança internacional. No momento em que escrevemos este artigo, Rússia, China e Paquistão fazem circular junto ao Conselho de Segurança da ONU uma proposta de Resolução convocando o imediato e incondicional cessar-fogo em respeito ao direito internacional, à proteção de civis, e ao compromisso com o diálogo e a negociação.
2. De fato e de direito, os ataques bélicos unilaterais a instalações nucleares são, em si, uma violação aos propósitos da paz e da segurança internacional e ao conjunto de princípios existenciais presentes na Carta das Nações Unidas. São, especificamente, violações às regras previstas no Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).
3. A decisão de Israel, copiada pelos Estados Unidos, de atacar unilateralmente o Irã não tem fundamento em qualquer dispositivo internacional. O direito de legítima defesa previsto na Carta da ONU não pode ser deturpado para justificar ações militares unilaterais que desprezam os mecanismos multilaterais de contenção de conflitos e o multilateralismo. Como sabemos, o Irã vinha negociando junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) o conhecido Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA), que visava limitar drasticamente o programa nuclear em troca de alívio nas sanções internacionais.
4. Para o direito internacional, é especialmente grave que o chamado “mundo baseado em regras”, ceda lugar a um mundo baseado na força e na capacidade bélica. Isso vai muito além do Irã, podendo alastrar-se a disputas menos visíveis em diferentes lugares e contextos.
5. Os limites ultrapassados neste conflito são especialmente graves porque exorbitam o discurso de legitimação da barbárie e o desejo de destruição generalizada (morte, eliminação, liquidação de autoridades, partidários e governantes), ao tempo em que surgem objetivos que normalmente são disfarçados, como a mudança coercitiva de governo (“regime change”). É bom lembrar que o abandono da diplomacia e o desgarramento da legalidade internacional humanitária ocorrem ao mesmo tempo em que prevalece sobre Gaza um genocídio promovido por ações deliberadas do governo de Israel, com o apoio dos Estados Unidos e de seus aliados.
6. Evidentemente, a principal expectativa hoje para a comunidade internacional é a resposta iraniana. Ato seguido aos ataques dos Estados Unidos, o governo do Irã comunicou que o tempo da diplomacia acabou e que atuará de acordo com o legítimo direito de defender sua soberania e os interesses de seu povo. O artigo 51 da Carta da ONU estabelece a legítima defesa como um direito inerente de um Estado agredido, embora em condições normativas específicas e jamais flexibilizando normas imperativas de proteção de civis e outras.
7. A guerra de narrativas pelo lado ocidental lembra muito o que ocorreu no Iraque em 2003. Passados anos de destruição e devastação econômica e institucional do Iraque, o mundo finalmente sabe que as razões da Guerra ao Terror passaram longe das motivações alegadas pelo então governo “Bush pai”. Os Estados Unidos fundamentaram o ataque preventivo contra o Estado considerado vilão, que seria produtor de “armas de destruição em massa” e cujo líder Saddam Hussein teria laços com a al-Qaeda. Ambas as razões se provaram falsas e a decisão de invadir o Iraque foi, com o tempo, duramente criticada tanto pela população estadunidense como mundo afora.
8. Uma das consequências da Guerra do Golfo foi o considerável declínio de popularidade de George Bush pai, que se tornaria um dos Presidentes mais impopulares da história dos Estados Unidos. A história se repete como tragédia mais uma vez.
*Larissa Ramina é professora de Direito Internacional (UFRJ/UFPR), advogada e integrante da ABJD.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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