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      Maria Luiza Falcão Silva

      PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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      Se é para usar a Lei Magnitsky, por que não aplicá-la a Netanyahu?

      Enquanto Trump pune quem defende a democracia, Netanyahu continua impune apesar de acusações de crimes de guerra em Gaza

      Netanyahu indica Trump ao Nobel da Paz (Foto: Reuters)

      Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de sanções, com base na Lei Magnitsky, contra o ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes. A justificativa? Supostas “violações de direitos humanos” e “abuso de poder”. Acusações que ecoam diretamente a retórica da extrema-direita brasileira, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A medida, sem precedentes nas relações entre Brasil e EUA, não se apoia em nenhuma investigação ou parecer independente. Trata-se de uma retaliação política: Moraes é o principal responsável pelas investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.

      Desde então, Moraes tornou-se símbolo da resistência institucional contra o autoritarismo. Longe de violar direitos, sua atuação garantiu a proteção da ordem constitucional e puniu quem tentou destruí-la. Ao usar a Lei Magnitsky contra ele, Trump não está promovendo a justiça, está instrumentalizando uma lei norte-americana como ferramenta ideológica, reforçando a aliança com forças autoritárias na América Latina.

      Isso nos leva a uma pergunta central: se essa lei pode ser usada contra um juiz que defendeu a democracia, por que não é aplicada contra líderes responsáveis por atrocidades em massa, como o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu?

      Desde outubro de 2023, a campanha militar israelense na Faixa de Gaza resultou na morte de mais de 37 mil palestinos, segundo estimativas locais e internacionais. Mais de 70% das vítimas são mulheres e crianças. Hospitais, escolas, abrigos da ONU e bairros inteiros foram bombardeados. A ajuda humanitária foi bloqueada deliberadamente. A Anistia Internacional, em seu relatório de abril de 2024, afirmou que Israel cometeu “um padrão consistente de crimes de guerra” contra a população civil. A Human Rights Watch concluiu, em março de 2024, que “as forças israelenses realizaram ataques indiscriminados e desproporcionais, em violação ao direito internacional”. E, em junho de 2024, a Comissão Internacional Independente da ONU declarou que “a escala da destruição e o desprezo pela vida civil constituem possíveis crimes contra a humanidade”.

      O ano de 2025 em Gaza aprofundou ainda mais o horror vivido pela população palestina. Após os já devastadores bombardeios de 2024, o cerco humanitário se intensificou, com acesso ainda mais restrito a alimentos, água potável, medicamentos e energia. Em várias ocasiões, comboios da ONU foram impedidos de entregar ajuda, levando o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) a classificar a situação como "catástrofe sem precedentes em pleno século XXI". Organizações como Médicos Sem Fronteiras denunciaram a repetição de ataques contra centros de saúde, abrigos civis e equipes de resgate. Ao longo de 2025, novos relatórios da Anistia Internacional e da Human Rights Watch documentaram episódios de limpeza étnica e destruição sistemática de infraestrutura civil, violando frontalmente os princípios da Convenção de Genebra.

      A palavra "genocídio", antes evitada por cautela diplomática, passou a ser usada por um número crescente de juristas, parlamentares e até mesmo pelo Procurador do Tribunal Penal Internacional, que abriu novas investigações. Em vez de recuar diante da pressão internacional, o governo Netanyahu aprofundou a ofensiva, incentivado pelo apoio incondicional de Washington e pela paralisia política do Conselho de Segurança da ONU.

      Netanyahu permanece imune a qualquer sanção. Continua recebendo apoio militar e reconhecimento diplomático de países ocidentais, especialmente dos Estados Unidos.

      Compare-se agora com Moraes: um juiz que atua dentro da legalidade, garantindo a responsabilização de golpistas, é punido não por ter cometido crimes, mas por barrar ambições autoritárias.

      Eis o padrão duplo, exposto em sua forma mais crua.

      Se a Lei Magnitsky é uma ferramenta legítima de justiça, ela deve ser aplicada de forma universal. Países que denunciam o genocídio em curso na Palestina deveriam adotar versões próprias dessa lei e aplicá-la contra os verdadeiros responsáveis, incluindo Netanyahu. Do contrário, o discurso de defesa dos direitos humanos torna-se vazio, usado apenas quando convém geopoliticamente.

      Os inúmeros países que já condenaram os ataques em Gaza têm uma oportunidade histórica de transformar palavras em ação. Se não o fizerem, admitirão que algumas vidas valem mais do que outras e que certos crimes simplesmente não serão tocados.

      Agora, diante do rastro de destruição deixado em Gaza, alguns países europeus passaram a reconhecer oficialmente o Estado Palestino — como se esse gesto simbólico, tardio e sem garantias concretas, pudesse reparar o massacre que testemunharam calados. É o ápice da hipocrisia diplomática: durante meses, ignoraram os apelos por cessar-fogo, mantiveram relações militares e comerciais com Israel e rejeitaram qualquer medida efetiva de sanção. Agora, tentam limpar a consciência com declarações vazias de reconhecimento, mesmo enquanto o cerco em Gaza continua. Reconhecer o Estado Palestino sem exigir o fim imediato da ofensiva e sem responsabilizar os culpados pelos crimes cometidos é, no fundo, apenas uma encenação cruel.

      Alexandre de Moraes defendeu a Constituição de um país soberano. Netanyahu lidera uma campanha de extermínio contra uma população indefesa, à revelia do direito internacional.

      Se a lei pode ser usada contra Moraes, ela certamente deve ser usada contra Netanyahu. Ele deveria ser tratado como um pária internacional. Nenhum líder que comanda massacres sistemáticos contra civis, que ataca hospitais e impede ajuda humanitária, pode continuar sendo recebido com honras em fóruns internacionais. A comunidade global não pode mais se esconder atrás de eufemismos ou da “complexidade do conflito”. Há um lado bombardeando campos de refugiados e o outro tentando sobreviver. Quando Trump usa a Lei Magnitsky contra um juiz brasileiro que defendeu a democracia, mas protege Netanyahu, mesmo diante de evidências gritantes de crimes de guerra, ele deixa claro de que lado está. Trump sustenta Netanyahu e, ao fazê-lo, sustenta o horror. O mundo assiste calado. Precisa fazer o oposto: isolar Netanyahu, investigá-lo, julgá-lo e, acima de tudo, impedir que continue a agir com impunidade. Não basta mais a denúncia — é hora da responsabilização.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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