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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Se condenados na Justiça comum, expulsão dos militares das fileiras é papel do STM

O Constituinte originário desenhou um sistema em que a perda de posto e patente só ocorre mediante processo judicial no STM, provocado pelo MPM

STM (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Tem causado estranhamento no Superior Tribunal Militar (STM) e sido encarada apenas como “fofocas” as notícias sobre a possível iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de que, tão logo sejam condenados no processo sobre a tentativa de golpe de Estado, na Justiça comum, os oficiais das Forças Armadas serão expulsos automaticamente dos seus postos, por solicitação daquele tribunal.

Abordadas, fontes do STM respondem com espanto e uma pergunta: “Mas o STF pode retirar/demitir militares das Forças Armadas condenados por crime não militar?”. A resposta é dada pela mesma fonte, na forma da Lei.

“A Constituição não confere ao STF competência para decretar a perda do posto e da patente de oficiais. Essa é uma atribuição exclusiva da Justiça Militar da União (CF, art. 142, §3º, VI). O STM é que julga se o militar é indigno ou incompatível com o oficialato, mesmo após condenação em outra jurisdição”, esclarece uma das fontes.

De acordo com o que disse um dos membros do STM, “o sistema de integração do Judiciário garante que o STF condene penalmente, mas a consequência estatutária para a carreira militar depende do STM”, reivindica. Assim, ainda que o STF quisesse, não poderia substituir o julgamento do STM. “Tecnicamente, o Poder Constituinte originário reservou essa competência somente à Justiça Militar, reforçando o caráter de corte especializada do STM. Logo, não há espaço para interpretação extensiva pelo STF nesse ponto”, garante.

A prerrogativa, ainda de acordo com o integrante do STM, é exclusiva da Justiça Militar da União, única a ter poder para decretar a perda do posto e da patente de oficiais, por previsão expressa da CF/88. “É um reflexo da especialização dessa Justiça em preservar hierarquia e disciplina. O STF não é instância superior do STM nesse aspecto. Ambos estão integrados, mas com competências próprias: STF responde por crimes constitucionais e o STM por consequências militares. Essa exclusividade é fruto da vontade constituinte de 1988, que manteve a tradição histórica de reservar ao STM esse julgamento, reforçando sua força normativa e autonomia”, esclarece.

Como já ficou claro ao longo desse tempo em que o processo vem sendo acompanhado pela sociedade, esse não é um julgamento de crimes militares. Até mesmo o ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, já vieram a público reconhecer que os oficiais estão sendo julgados na Justiça comum por crimes contra o Estado, contra a democracia e, portanto, encarados como crimes políticos ou comuns.

“O STF julga crimes comuns ou políticos atribuídos à sua competência originária, mas não exerce jurisdição sobre crimes militares típicos. A repartição de competências impõe: crimes militares = Justiça Militar; crimes contra a democracia = STF. Portanto, o julgamento atual do STF não é de crime militar, mas de crimes comuns com repercussão constitucional. O Constituinte originário separou nitidamente os campos: art. 124 (STM para crimes militares) e art. 102 (STF para crimes constitucionais)”, repisou a fonte ligada ao STM.

Inclusive, é bom que se diga que, caso o STF declare perda de posto e patente, essa decisão pode ser contestada pelo Ministério Público Militar (MPM) ou pela Justiça Militar, pois “como não há previsão constitucional para o STF decretar essa perda, eventual decisão nesse sentido poderia ser considerada usurpação de competência do STM”. De acordo com a explicação técnica dessa fonte, “pela integração do Judiciário, caberia ao MPM provocar o STM para declarar a incompatibilidade do oficialato. O STM poderia reafirmar sua competência exclusiva. O Constituinte originário (que concebeu o princípio na Constituição de 1988) blindou essa prerrogativa da Justiça Militar, de modo que até uma decisão do STF, nesse ponto, poderia ser revista em sede de controle de competência, preservando a autoridade normativa do texto constitucional”.

A interpretação com base na Constituição e no seu enunciado não deixa dúvidas quanto a quem cabe ou não encerrar o processo de exclusão da vida militar, caso os oficiais sejam condenados. É preciso ressaltar, no entanto, que a ação do MPM junto ao STM para pedir a perda do posto e da patente segue a uma provocação de um ou de outro, não se dando de forma automática, mas sim indispensável, para que haja o julgamento.

“O STM não atua de ofício”, explica a fonte. “Em termos de prática, o MPM, em atenção ao princípio da obrigatoriedade, ingressa com a ação após trânsito em julgado da condenação penal em outra jurisdição (o STF, por exemplo).

O Constituinte originário desenhou um sistema em que a perda de posto e patente só ocorre mediante processo judicial no STM, provocado pelo MPM. “Assim, a atuação do Ministério Público é condição sine qua non, reforçando o seu papel de filtro institucional”, concluiu a fonte do STM, para quem nem deveria haver essa “polêmica”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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