Putin e Trump compram tempo, mas quem paga é a Ucrânia
Trump vai de tigrão a tchutchuca e retrocede nas ameaças feitas nos dias anteriores
O encontro entre os presidentes Putin e Trump ocorreu como eu e muitos outros especialistas esperavam: sem nenhuma definição de cessar-fogo ou tratado de paz, e com o presidente russo reafirmando a necessidade de se resolver as “causas raiz” do conflito – isto é: a expansão da OTAN para o leste europeu, e especificamente para a Ucrânia, a “desnazificação” do governo ucraniano, e a anexação das províncias russófonas da Ucrânia. Ambos os presidentes, porém, tiveram ganhos com o encontro, conduzido às pressas, e por isso mesmo sem perspectiva real de ter qualquer tipo de acordo concluído.
A primeira impressão que fica do encontro é a forte influência que exerce Putin sobre Trump. Lembremos que nos dias anteriores o presidente americano foi “tigrão”, ameaçando Putin com duras palavras caso não aceitasse um cessar-fogo. Apenas dois dias antes do encontro, por exemplo, Trump declarou enfaticamente que haveria “consequências muito sérias” caso Putin se recusasse a um acordo de cessar-fogo, e de que não haveria outro encontro caso este fosse inconclusivo. As ameaças de Trump estenderam-se inclusive à Índia e à China com as chamadas “sanções secundárias”, mas ambos os países ignoraram tais chantagens.
“Tigrão” para o público doméstico, Trump tornou-se “tchutchuca” logo ao encontrar Putin, ainda na pista da base aérea estadunidense no Alaska, sem conseguir esconder a satisfação de estar ao lado do presidente russo. Para Trump. Vladimir Putin é como aquele tio que a gente admira e que quer ser igual quando crescer. A mesma impressão ficou durante o pronunciamento dos dois presidentes, em que Putin foi o primeiro a falar, rompendo a tradição diplomática de que o representante do país em que ocorre o encontro se pronuncie primeiro. Além disso, discorreu de maneira assertiva por oito minutos, passando em seguida a palavra a Trump, que falou apenas por três minutos. Não houve entrevista coletiva, de maneira a se manter todo o ritual extremamente controlado – certamente exigência russa após testemunhar os encontros de outros representantes com Trump.
Pelo lado russo, Vladimir Putin conseguiu “comprar tempo” – no entanto sem ter que pagar nada por isso. Reafirmou a Trump que não tem interesse num cessar-fogo temporário, porém tem interesse na paz definitiva, inclusive com garantias de segurança para a Ucrânia, desde que se resolvam as causas do conflito, já repetidamente expressas.
Pelo lado do presidente estadunidense também pode se considerar uma vitória relativa, pois ao definir este encontro como o primeiro de outros que virão (ao contrário do que reafirmara dias antes), acaba também por “comprar tempo”, livrando-se da necessidade de impor as ameaçadas sanções secundárias à Rússia – isto é: novas tarifas aos países que compram o petróleo russo. Como a Índia e a China são os principais compradores da energia russa (entre outros dos BRICS), estas tarifas acabariam por refletir sobre a própria economia dos Estados Unidos, fortemente dependente de produtos importados destes dois países. Com isso, Trump também passa a bola para a Ucrânia e os europeus, que juntamente com os neocons, os democratas e o complexo militar industrial estadunidense, são aqueles que querem continuar a guerra. Até o último ucraniano.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.