Povos do BRICS, uni-vos
Iniciativas culturais, midiáticas e acadêmicas marcaram a Cúpula dos BRICS no Rio e ampliaram o papel da sociedade civil na nova ordem multipolar
A 17ª Cúpula de Líderes do BRICS realizada no Rio de Janeiro movimentou a sociedade civil. Ao mesmo tempo que representantes dos onze países do bloco se reuniam no espaço do Museu de Arte Moderna, segmentos profissionais ou não se organizaram em eventos para embarcar no trem da História que está tomando o rumo do novo mundo multipolar.
Localizadas frente a frente nos dois lados da baía de Guanabara, as cidades de Niterói e Rio de Janeiro protagonizaram atividades de mirada internacionalista e projeção duradoura. Dias antes do início da Cúpula nasceu em Niterói o Encontro de Jornalistas do BRICS, BRICS Press Meeting, integrado por 18 mídias de Brasil, China, Rússia, Irã, Estados Unidos, Cuba e Venezuela. A iniciativa conjunta do jornal Toda Palavra, de Niterói, e TV Comunitária de Brasília, resultou na Carta de Niterói, texto de justificativas e princípios que resumem o objetivo de consolidação e continuidade do projeto.
A Carta sublinha que o BRICS é “maltratado pela mídia hegemônica oligopolizada” em razão do pioneirismo em estimular políticas de integração e cooperação que rompem com a ordem mundial cada vez mais injusta, e forma “convicção unânime sobre a necessidade de uma Nova Ordem Informativa Internacional” construída a partir de plataforma própria de comunicação, com TV, Rádio e internet, para a qual já dispõe recursos financeiros, tecnológicos e humanos indispensáveis”.
Também sugere o pool das Agências de Notícias Públicas dos países membros do BRICS, que permitirá a circulação internacional de notícias de interesse do bloco e acessível ao grande público. Destaca o papel das escolas de comunicação na qualificação de estudantes para o exercício da comunicação de compartilhamento científico e tecnológico que reconheça “a cultura como a ecologia da alma, edificando uma nova comunicação que questione e supere uma mentalidade promotora de violência e de guerras, almejando sempre uma humanidade que adore a Verdade e a Paz”.
A consolidação da Nova Ordem Informativa Internacional envolve entidades associativas, sindicais, culturais e profissionais nas quais jornalistas possam realizar encontros regulares para a investigação de novas técnicas de comunicação e linguagens, capazes de “desconstruir a ideologia colonial do noticiário hegemônico” e “construir um novo estilo conceitual e prático de jornalismo”. Indica, ainda, que os BRICS “desenvolvam política de apoio à mídia independente com recursos suficientes para a qualificação profissional e tecnológica, incentivando o fluxo multipolar de informações”.
No sentido de crescimento global harmônico que rege o bloco, a Carta de Niterói enfatiza a construção da Big Tech do BRICS, ferramenta a ser disponibilizada para os países mais empobrecidos e de menor desenvolvimento tecnológico que está sendo chamada de “Big Tech da Maioria Global”.
Na cidade do Rio de Janeiro, a agência de notícias russa Sputnik comemorou os 10 anos de atividades no Brasil com o seminário ‘BRICS como Promessa de Soberania Econômica, Midiática e Conceitual para o Sul Global’. A mesa foi mediada pelo jornalista Pepe Escobar, analista geopolítico e colunista da Sputnik, e formada pelo professor Elias Jabbour, ganhador do prêmio Special Book Award of China de 2022 concedido pela Administração Estatal de Imprensa e Publicação da República Popular da China por contribuir para a compreensão internacional do modelo de desenvolvimento chinês. Jabbour é autor do livro China: o socialismo do século XXI, escrito em parceria com Alberto Gabriele; pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr, ex-vice-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento e autor do livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’; e pelo jornalista Glenn Greenwald, cofundador do site Intercept. O debate foi aberto por Aleksandr Dugin, filósofo teórico russo do movimento euroasiático, que participou de modo virtual. Na perspectiva dos participantes o século XXI será configurado no resultado da disputa em curso entre a caótica unipolaridade e a promessa da multipolaridade soberana e harmoniosa. Segue o link para assistir a íntegra do seminário.
Em outro cenário, as universidades chinesas de Beihang e Renmin e as brasileiras UFRJ e UFMG assinaram Memorandos de Entendimento para objetivos e bases gerais de parcerias. Reunidos no Fórum de Ciência e Cultura, os reitores das quatro universidades firmaram acordos de intenção nas áreas de Inovação, Pesquisa, Cooperação, Intercâmbio e Aprendizagem mútua, que abrangem tecnologia e cultura. Em uma das parcerias com a Universidade de Renmin, as Federais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais celebraram a abertura do Centro de Pesquisa em Aprendizagem Mútua e Intercâmbio de Civilizações China-América Latina-Caribe. Em cooperação acadêmica com a Universidade de Beihang, a UFRJ anunciou a inauguração do Instituto Confúcio a ser sediado na faculdade de Letras, na Ilha do Fundão, dando início à oferta de ensino do mandarim para interessados em geral. Segundo o reitor Roberto Medronho, a chegada do Instituto representa um “marco histórico na cooperação acadêmica e cultural entre a universidade de Beihang e a UFRJ”.
Em meio a tamanha oxigenação político-intelectual-cultural não faltou a arte para dar o ar de sua graça. Foi criada a Associação de Artes do BRICS, BRICS Arts Association, plataforma de intercâmbio entre os países do bloco BRICS+ “ancorados em algo que hoje parece quase ingênuo, mas que era profundamente revolucionário: a amizade. Não como sentimento privado, mas como prática política”, anuncia Sérgio Cohn. Junto com Graci Selaimen, Cesar Oiticica Filho, e Helmut Batista, Cohn dirige a Associação. “Estamos num momento singular, que permite o ressurgimento de outras possibilidades de relação entre culturas”, continua o diretor, afirmando que é preciso recuperar a vitalidade perdida a partir do choque das políticas neoliberais dos anos 1980 e 1999. Ele ressalta que a Associação vai muito além de criar editais ou promover eventos. O objetivo é “constituir um ecossistema, ou até mesmo um locussistema formado por muitos locais e muitas vozes interligadas, de circulação cultural contínua e horizontal entre os países do BRICS e do Sul Global ampliado”. A iniciativa já conta com instituições parceiras na Russia, Índia, China, África do Sul, Egito, Bolívia, Emirados Arabes, Cuba e Brasil, para a realização de residência artística e Casa de Cultura do BRICS, além de exposições, festivais, prêmios e publicações de livros e revistas de circulação internacional. Em diálogo permanente, a arte da associação entre os BRICS pretende ser o resgate da cultura da amizade por meio da valorização das singularidades. “Nesse horizonte”, afirma, “a amizade deixa de ser um luxo ou um adorno e passa a ser o fundamento de uma nova geopolítica cultural. Um gesto radical de reencontro e de reinvenção, onde a cultura é vista não só como um instrumento de relação entre os povos, mas de transformação social, em nome da constituição de um mundo mais justo, livre e belo”.
Diante de tal manifesto, Xi Jinping deve estar sorrindo de orelha a orelha, uma orelha na China e outra no Brasil, porque a amizade é um jade precioso para a cultura chinesa. Outro que também deve estar muito satisfeito é Tom Jobim. A Sumaúma, sua árvore xodó, foi a escolhida para símbolo oficial da reunião de cúpula do BRICS Brasil 2025. Do alto de seus mais de 60 metros de altura e da robustez da sua base, que chega a três metros de diâmetro, a “mãe das árvores” representou a cooperação e o desenvolvimento compartilhado entre os países do grupo. Aos pés da Sumaúma do Jardim Botânico do Rio uma placa homenageia o “maestro soberano”. O escritor Antônio Callado contou em crônica que “Tom costumava fazer longas considerações sobre a sumaúma. Aliás, no Jardim Botânico, falante como sempre, Tom ficava meio vegetalizado, se assim posso me exprimir. Ao chegar perto de uma árvore favorita, adotava um dialeto e uma postura destinados mais a interpretar do que a descrever a árvore. O nome sumaúma, por exemplo, ele o enroscava na boca como quem está chupando um caramelo”. Tom era um poeta, e dizia Callado que “sua tendência era quebrar a realidade, seu gênio era partir o tempo todo para a cisma, o "nonsense". Pão-pão, queijo-queijo ou preto no branco sumiam logo da mesa em que ele se sentasse. A irrealidade criadora, leve, tomava o lugar da lógica que mesmo num bar tende a nos escravizar”. Para eternizar Tom Jobim, Callado especulava sobre possíveis meios de preservar a memória do amigo. Pois é, agora já está. Nas raízes da Sumaúma se entrelaçaram artes e BRICS em suas demais expressões. E que assim sigam na expectativa de quem mais chegar disposto a gerar frutos de “boa fé”, desejo pronunciado no discurso de um dos reitores que veio do oriente geográfico para estreitar laços de cooperação baseados na confiança e no reconhecimento de que um Outro é nós e vice-versa.
Nota de rodapé: a reunião de Cúpula de Líderes do BRICS 2025 foi realizada nos dias 06 e 07 deste mês, ou seja, terminou no dia da postagem deste artigo.
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