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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Por que seguimos tão sozinhos?

Há algo trágico na era do “sempre conectado”: nunca estivemos tão próximos dos outros — e tão distantes de nós mesmos

Por que seguimos tão sozinhos? (Foto: Foto da Reuters, extraída da reportagem "Wendell e Mariann, sozinhos juntos" (5 de junho de 2020) - O isolamento social é um estilo de vida para o casal que escolheu a solidão décadas atrás )

O mundo que confunde conexão com convivência criou um paradoxo cruel: quanto mais contato virtual, menos presença real — e maior o preço cobrado pela alma. Vivemos cercados de vozes, mas privados de escuta. A solidão deixou de ser acaso: tornou-se sistema.

A vida moderna, moldada para metas e métricas, fabricou um deserto de gente. O algoritmo aproxima interesses, mas amizade exige tempo, olhar e silêncio. Entre a pressa e a performance, o afeto foi empurrado para a periferia. Tornamo-nos produtivos, mas órfãos de companhia.

Não é culpa apenas da tecnologia. Fomos nós que reduzimos vínculos a compromissos e tratamos a amizade como tarefa. O mundo produtivo chama de perda o tempo que o coração reconhece como investimento. E, sem perceber, tornamo-nos gestores do próprio isolamento.

Os números apenas confirmam o que o corpo já sabia. Em 2023, o Cirurgião-Geral dos Estados Unidos (cargo oficial da administração pública americana, equivalente ao responsável máximo pelas políticas de saúde pública), Vivek H. Murthy, publicou um alerta nacional classificando a solidão como “epidemia de saúde pública”. Concordo com ele.

A psicóloga Julianne Holt-Lunstad demonstrou que o isolamento aumenta o risco de morte em até 32%, equivalente ao tabagismo moderado. E o Harvard Study of Adult Development, iniciado em 1938, repete há décadas: laços estáveis são o melhor preditor de longevidade e bem-estar.

Por que, então, seguimos tão sozinhos? Porque trocamos vínculos por desempenho. O trabalho invadiu a casa; a conversa virou notificação; e a convivência espontânea foi substituída por contatos úteis. Ambientes que antes produziam laços — escola, rua, igrejas, universidades — perderam densidade. No mundo do “sempre ligado”, cultivar amizade passou a soar como luxo sentimental.

A ciência do comportamento já mapeou o calendário do afeto: o “pico social” ocorre por volta dos 25 anos; depois, o número de amigos próximos declina e raramente se recompõe sem esforço. Quando o encontro precisa disputar espaço com trânsito e exaustão, a solidão vence por desistência.

Posso atestar isso. Há dois anos, revi meus colegas de ensino médio — o arco 1973–2023. Risos escancarados, abraços longos, lembranças dos tempos em que amávamos os Beatles e Rolling Stones. De uma turma de 27, um suicidou-se; três morreram de infarto; cinco se divorciaram; dois nunca casaram; e três continuam sozinhos — convencidos de que solidão também é uma forma de encontrar a felicidade e uma confirmação de que é sempre melhor só do que mal acompanhado. Entre abraços e silêncios, uma pergunta pairava: em que curva da vida deixamos a amizade escorrer pelos dedos?

Talvez porque o mundo tenha transformado dependência em fraqueza e sensibilidade em risco. O medo de parecer carente virou a última muralha. Vivemos defendendo territórios de autonomia e chamamos isso de liberdade — quando é apenas medo travestido de força.

Reaprender a conviver não exige manual, mas coragem. E ela começa por escolher a presença. Em tempos de distração permanente, estar inteiro é um ato político. Um café, um olhar, uma pausa sem tela — eis o luxo que não custa nada.

A amizade também exige constância. Não sobrevive de improviso. Precisa de frequência, de repetição, da pequena liturgia do cuidado. Afeto floresce na regularidade, não na lembrança eventual.

E é preciso permitir-se incompleto. A força nasce da fragilidade compartilhada. Pedir ajuda, sustentar silêncios, admitir cansaços — atitudes simples que fundam o território do “nós”.

As cidades também podem ajudar. Centros culturais, clubes de leitura, esportes coletivos e projetos de voluntariado são infraestruturas da convivência. Isso não é nostalgia — é política pública de saúde emocional.

A tecnologia pode ser ponte, mas jamais casa. Ferramenta, não destino. Serve para acender vínculos, não para substituí-los. É útil quando aproxima; é tóxica quando ocupa o lugar da presença.

Talvez a coragem necessária hoje não seja conhecer mais gente, mas cuidar melhor de pouca gente por muito tempo. É contracultural, sim. Num mundo que glorifica a independência absoluta, vincular-se é ato político.

No fim, toda estatística converge para a mesma verdade: saúde, sentido e esperança pertencem ao vocabulário da amizade. O resto — por mais brilhante que pareça — é ruído. E ruído, todos sabemos, não é companhia.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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