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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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O voto quilométrico e “neurodivergente” de Luiz Fux

Um voto que parece ter sido preparado com muita antecedência, e a muitas mãos, avalia Ricardo Nêggo Tom

O ministro Luiz Fux, do STF (Foto: Victor Piemonte/STF)

Atualmente Senador da República, o ex-jogador Romário coleciona frases de efeito ao longo de sua carreira futebolística. É dele a célebre e pertinente: "O Pelé calado é um poeta" - para ironizar as controversas declarações do melhor jogador de futebol de todos os tempos - assim também como a icônica: "Agora a corte está completa. O rei, o príncipe e o bobo", para responder às reclamações de Edmundo - seu companheiro de ataque no Vasco - que reclamou por Romário não o ter deixado bater um pênalti durante um jogo, sugerindo que o "rei" - o então presidente do clube, Eurico Miranda - tinha predileção pelo baixinho e deixava ele fazer o que quisesse no clube.

Em termos de STF, principalmente, no que diz respeito ao julgamento da trama golpista, parece que podemos recorrer à irônica hierarquia estabelecida por Romário no Vasco para definir as funções de alguns dos ministros da primeira turma, responsáveis por julgar a trama golpista. Sobretudo, quando ouvimos de um deles que "a denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa" Ou seja, eu e uma dezena de leitores desta coluna poderemos nos reunir e planejar um assalto a banco que, ao sermos descobertos antes de consumar o ilícito, seremos absolvidos da acusação de organização criminosa porque não tínhamos a intenção de assaltar a outros bancos. Tal ministro também cria a jurisprudência pitonisa, onde ele se propõe a adivinhar que o grupo de criminosos não comete outros crimes.

Não sei se o eminente ministro é o bobo ou o mais esperto da corte, tentando “roubar” o reinado de Alexandre de Moraes como relator, e o principado de Flávio Dino como o ministro, até aqui, mais alinhado com o voto de Moraes. O certo é que, mesmo que Bolsonaro seja condenado à prisão – o que parece inevitável – ele poderá visitar Mickey e Pateta na Disney e com eles brincar de “cavalo de pau”, em homenagem a manobra feita pelo nobre magistrado para considerar o tribunal incompetente para julgar a trama golpista e pedir a anulação da ação penal. É possível que após um voto tão desleal – não apenas ao STF, mas também ao estado democrático de direito – ele precise ter que imitar um certo deputado e passar a exercer a sua função no Supremo a partir da terra do Pato Donald. Quem sabe até usando a bandeira estadunidense como toga.

Se juridicamente o voto de Luiz Fux não fez o menor sentido lógico e processual – uma vez que o próprio ministro na abertura do processo concordou com a competência da corte para receber a denúncia - a nível de manifestação política ele pode ser considerado de uma gravidade golpista e antidemocrática. Principalmente, porque a extrema-direita, que já havia perdido as esperanças quanto à não condenação de Jair Bolsonaro e dos outros 7 réus, ganha fôlego para voltar à carga com a pauta da anistia e com os questionamentos com relação à ingerência do judiciário sobre o legislativo. Um voto que municia o bolsonarismo e golpistas afins a incitarem a opinião pública contra os membros do tribunal, sobretudo, contra o trabalho impecável que Alexandre de Moraes vem fazendo na relatoria do processo, estabelecendo uma relação não apenas de divergência processual com o seu colega, mas também de um inevitável distanciamento pessoal entre os dois ministros, dada a implícita tentativa de destruição de reputação sugerida por tal posicionamento divergente.

O voto de Fux foi comemorado nos EUA, que consideraram a atuação do magistrado melhor do que a encomenda. Jason Miller, conselheiro do presidente norte-americano e aliado de Eduardo Bolsonaro, postou em suas redes sociais um vídeo onde o ministro declara a incompetência absoluta da 1ª turma do STF para julgar a ação. Na última terça-feira, o referido sujeito chamou Moraes de "gângster de terceira categoria”, após saber do seu voto pela condenação de Bolsonaro. A frase: “In Fux we trust” caberia bem melhor na pronúncia do aspone de Trump, mas pasmem, foi postada nas redes sociais por Deltan Dallagnol – o autor da licença poético-jurídica por ocasião do apoio de Fux a operação lava jato - numa prova de que a extrema-direita vendeu a vergonha que nunca teve na cara em troca de um ingresso para Neverland. Seguindo o “relator”, os bolsonaristas começaram a compartilhar menções honrosas ao ministro divergente, atribuindo a Deus o envio de tão providente socorro. Para quem se ajoelhou diante de um pneu, rezar para São Fux é menos absurdo, embora seja igualmente patético.

O posicionamento de Fux pode ser considerado uma traição à pátria e mais um ataque à soberania do Brasil, uma vez que ele atende aos interesses dos EUA e se submete às ameaças de novas sanções econômicas, e até mesmo de intervenção militar norte-americana no país, conforme sugeriu a fala feita pela porta-voz do governo Trump na última terça-feira. Para além da traição, o ministro proclamou o seu voto com acentuada entonação ao se referir à nulidade da ação, à absoluta incompetência da turma para julgá-la, e quando defende Jair Bolsonaro das acusações de atentar contra o judiciário e contra a ordem democrática, de uma forma que nem o advogado do réu conseguiu fazer. Além de demorado, enfadonho e golpista, o voto de Fux chega a ser “neurodivergente” diante de sua orgânica percepção e raciocínio com relação aos fatos. Se não entrar para o Guinness Book como o voto mais longo da história do judiciário, entrará para a história como a maior defesa já feita à traição da pátria. Homenagem justa a um voto que parece ter sido preparado com muita antecedência, com tempo de fala "quilometricamente" calculado para uma audiência alvo e a muitas mãos.

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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