O velho-novo Recife e A Mais Longa Duração da Juventude
O escritor Urariano Mota nos presenteia com uma viagem à multifacetada cidade em que vivi e que nunca mais será a mesma
Nunca mais Recife e Olinda serão as mesmas depois de percorrê-las em toda a sua poesia e dureza histórica pela condução do escritor Urariano Mota. Ou do companheiro Julio, tomo a ousadia de me considerar próximo e chamá-lo pelo seu codinome.
Por anos negligenciei o conhecimento deste conterrâneo pernambucano. Tinha-o tão somente - o que não era irrelevante - como escritor e colunista de sites do campo progressista, a exemplo do Brasil 247. Ainda bem que temos a sorte de acumular dias, de poder aprender novas dimensões da vida, da cultura, da história, das pessoas. Hoje posso me dizer consciente de sua grandeza histórica, um orgulho para esta terra que já produziu tantos nomes magnifícos.
Cheguei ao Urariano militante comunista e revolucionário - que escapou da morte pela Ditadura Militar no Recife, que percebeu a traição estampada no rosto de Cabo Anselmo e viu sua amada Soledad Barret ser entregue, grávida, pelo fascínora para a morte - por uma conjunção de fatores de ordem pessoal e profissional.
Pessoal, porque finalmente decidi retirar do mundo dos sonhos e colocá-lo no mundo das linhas um antigo projeto de escrever um livro. Um romance. Uma obra literária, que transcorre nas franjas de acontecimentos históricos reais. Acontecimentos que, em sua maioria, se passam no Recife. Em outra ocasião falarei mais sobre esta empreitada.
E profissional, porque quando me pus a buscar obras que retratem o ambiente histórico, especialmente com lugares e pessoas, inexoravelmente deparar-me-ia com os livros fundamentais: Soledad Barret no Recife e A Mais Longa Duração da Juventude.
Para que? Nas últimas semanas fui tragado pelos relatos que me aprisionaram, me concedendo apenas alguns raros intervalos para trabalhar e me dedicar ao meu filho. Convivi com Julio, com Zacarelli, bebi cerveja também no Bar Savoy, me compadeci com Gordo, chorei com Luiz do Carmo, ouvi no repeat Ella Fitzgerald, comi o galeto bem servido do bar Janaína. Eu quase senti o cheiro entontecedor do jasmim que emanava da casa de Soledad em Olinda.
Os escritores têm aquela dúvida intrínseca sobre se suas obras terão reconhecimento. Pois digo que a obra de Urariano é sem dúvida uma contribuição fundamental sobre um tempo e espaço histórico que nos engrandece, que fornece a visão além do alcance, que nos mostra ruas, lugares e pessoas que dão à capital pernambucana, à primeira e à atual, Olinda e Recife, múltiplas faces. E a forma, a sofisiticação simples, a maestria com a qual Urariano usa as palavras, articula lembranças, reais e criativas, ficcionais que desafiam a própria realidade. Me teletransportei em uma cabine de luxo.
Eu, que estudei no Colégio Especial, que percorria a João de Barros todo dia, vindo do Arruda, e descia no ponto de ônibus da Celpe, onde o jovem magro escriturário anotava burocracias e poemas na máquina de escrever. Que depois fui morar perto da Católica, na Visconde de Suassuna. Que depois fui morar na Rua do Riachuelo. Que comia cuscuz com galinha guisada às 7 horas da manhã num fiteiro ali perto do Edifício Ouro, onde, 30 anos atrás, Vargas subiu apavorado diante da morte iminente pela ditadura.
São tantas camadas históricas do Recife, que me sinto numa cápsula do tempo, assistindo a tudo ocorrer sem poder fazer nada. Sentindo a repugnância da traição, da repressão, mas também saboreando o que a vida nos fornece de bom. A revolução virá, companheiro Julio. Muito obrigado pelos belos registros históricos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: