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      Sara Goes

      Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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      O show de Trump

      Tarifaço contra Brasil expõe "modelo Gaza", que ameaça o Sul Global inteiro

      O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no Salão Oval da Casa Branca - 14/07/2025 (Foto: REUTERS/Nathan Howard)

      Em Gaza, a lógica da punição virou sistema. Uma pedagogia do castigo coletivo, aplicada há décadas, sem julgamento e sem direito de defesa. A faixa estreita cercada por mar, drones e diplomacia seletiva se tornou o modelo de como o poder colonial lida com os que resistem, cerco, asfixia e posterior tutela. A reconstrução, quando permitida, vem condicionada, supervisionada, enjaulada.

      Esse é o mesmo padrão que Donald Trump tenta aplicar ao Sul Global. Mas com um detalhe essencial, ele não age como chefe de Estado, age como empresário lesado. O tarifaço contra o Brasil não foi elaborado em gabinetes de comércio exterior, mas parido no fígado de um bilionário ferido. O estopim não foi apenas o BRICS, nem só a diplomacia multipolar de Lula, mas também uma decisão do Supremo Tribunal Federal que atingiu diretamente suas empresas.

      O STF determinou o bloqueio de perfis e a coleta de dados de plataformas como Rumble e Truth Social, controladas pelo ecossistema digital de Trump. Foi a primeira vez em que a autoridade institucional de um país do Sul mexeu diretamente em seus negócios. E Trump respondeu como sempre respondeu em sua carreira, com retaliação.

      O tarifaço não foi deflagrado só pela diplomacia ousada de Lula ou pelo avanço do BRICS, mas porque o STF mexeu onde Trump mais sente, no bolso e no império digital que leva seu nome.

      O alvo não foi o Brasil, nem Lula, mas “a nata do lixo” que ousou impor limites ao império, o BRICS pela via geopolítica e o STF pela via judicial.

      Sobre a carta digitada sobre um sofá de cinquenta lugares em uma noite colérica, como descreveu graficamente o presidente Lula com detalhes talvez inspirados por vozes na minha cabeça, há um ponto que poucos, além de Reynaldo Aragon, se deram ao trabalho de notar: o nome do presidente brasileiro não é citado. Três letras, uma consoante e duas vogais, e ainda assim, pedir demais do inglês, idioma que simplificou o alfabeto e a diplomacia até que ambas servissem ao mesmo propósito. Pois nem isso. Nadica de nothing.

      O alvo simbólico escolhido foi Bolsonaro, que ressuscitou do silêncio como peça útil no teatro da chantagem. O império sinaliza, com clareza, quem deve governar o Brasil para que as empresas de Trump não sejam incomodadas. A política vira instrumento do patrimônio. O Estado, mera extensão do portfólio pessoal.

      O nome de Bolsonaro, aliás, passou meses soterrado no gelo da indiferença. Nem uma linha, nem um tuíte, nem um gracejo. Quando enfim reapareceu na carta, deve ter vibrado como quem recebe um sinal de fumaça do Messias. Mas o que parecia redenção virou constrangimento. A recepção nas redes foi fria, no Centrão, cínica, e até seu eleitorado mais delirante hesitou entre o aplauso e o meme. O que era para ser renascimento simbólico escorregou para o papel de figurante obediente na vingança de um bilionário magoado.

      Em The Art of the Deal, Trump escreve que negócios são sua forma de arte. Que ameaçar, chantagear e parecer irracional são ferramentas legítimas de negociação. Ele naturaliza a guerra assimétrica. E não faz diferença se o palco é a Bolsa de Valores, o lobby do cassino ou a presidência dos Estados Unidos. O tarifaço foi um negócio. Um ajuste de contas. Não com o Brasil, mas com o incômodo de ver sua influência ser contestada fora da Casa Branca e além do Atlântico.

      Gaza é a chave para entender esse processo. Não apenas como território bombardeado, mas como paradigma de gestão do inimigo, isolar, asfixiar, impedir o desenvolvimento, depois tutelar a reconstrução sob condições impostas. Essa lógica de ocupação por outros meios se aplica ao Sul Global como um todo. Não há mais espaço para a autodeterminação dentro da ordem ocidental sem que isso gere reação. A ofensiva contra o Brasil é sintoma disso.

      O governo Lula tem assumido um papel central na reorganização do mundo multipolar. Fortaleceu os BRICS, reatou laços com a África, pautou a transição ecológica com justiça social, rompeu o servilismo diplomático. Isso basta para ser visto como ameaça. Trump não está apenas mirando o agronegócio brasileiro, está tentando frear um projeto de país que escapa ao controle de Washington, e de seus sócios.

      Mas o Brasil de hoje tem outra forma de reagir e Lula, entre um carinho e um deboche, tem erguido algo que o império teme: uma articulação afetuosa, irreverente, popular, potente e imprevisível. Uma nova gramática da força, onde não se pede desculpas por existir, e se responde ao ataque com ironia e projeto.

      Se Gaza é o inferno que querem reproduzir, que o Brasil seja a contraofensiva que ninguém esperava. Sem tanques, mas com wi-fi. Sem mísseis, mas com coragem. Sem ajoelhar.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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