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      Ivete Nenflidio

      Escritora, curadora artística e pesquisadora

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      O racismo estrutural por trás da intolerância religiosa no Brasil e o silêncio da mídia

      Sobre a recente polêmica envolvendo o músico Sérgio Pererê, durante uma apresentação na Igreja Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto

      Sergio Pererê (Foto: Reprodução/YouTube)

      A recente polêmica envolvendo o músico Sérgio Pererê, durante uma apresentação na Igreja Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto, revela de maneira contundente os limites da convivência religiosa no Brasil. Ao incorporar elementos do samba de preto velho e cânticos de terreiro em sua performance, Pererê levou ao espaço religioso uma expressão artística profundamente ligada às raízes africanas da nossa cultura.

      O que poderia ter sido acolhido como um momento de beleza, integração e respeito à diversidade espiritual acabou sendo alvo de reações intolerantes, marcadas por preconceito e racismo religioso. O episódio ganhou repercussão nas redes sociais e foi noticiado por diferentes veículos de comunicação.

      A forma como a imprensa abordou o caso merece atenção. Em parte dos veículos, a narrativa destacou apenas a “polêmica”, enquadrando a apresentação como um choque cultural ou uma afronta à sacralidade católica. Esse tipo de enquadramento, ao reduzir o episódio a uma controvérsia, contribui para relativizar o racismo religioso e silenciar o debate estrutural.

      Por outro lado, alguns meios de comunicação deram ênfase à dimensão cultural e ao direito à liberdade religiosa, reconhecendo a relevância da performance de Sérgio Pererê como expressão legítima das tradições afro-brasileiras. Essa diferença de abordagem mostra como a mídia pode tanto reforçar preconceitos quanto abrir espaço para a valorização da diversidade.

      Mais do que uma crítica ao artista, os posicionamentos hostis revelam a permanência de uma lógica excludente que hierarquiza as expressões de fé, legitimando apenas aquelas alinhadas à tradição cristã hegemônica. Declarações carregadas de intolerância não são meras opiniões religiosas: são ataques simbólicos que reforçam um projeto histórico de apagamento.

      Quando a mídia reproduz ou naturaliza tais discursos, contribui para deslegitimar saberes, sons e espiritualidades de origem africana, negando-lhes o direito de existir plenamente, inclusive em espaços erguidos com o suor e o sofrimento de pessoas negras escravizadas.

      O Brasil se orgulha de sua diversidade cultural e religiosa, celebrada em festas e rituais que atraem milhões de pessoas e movimentam a economia. No entanto, essa pluralidade só é acolhida como legítima quando enquadrada em repertórios aceitos pelas instituições dominantes. Cabe à imprensa questionar esses limites e denunciar práticas que transformam a diversidade em motivo de exclusão.

      Ao noticiar episódios como o de Sérgio Pererê, o jornalismo tem a responsabilidade de ir além da superfície da “polêmica”. É preciso contextualizar historicamente a intolerância religiosa e mostrar como ela está vinculada ao racismo estrutural. Do contrário, a cobertura corre o risco de naturalizar injustiças e legitimar narrativas conservadoras.

      A história religiosa brasileira foi construída em encontros, resistências e sincretismos. Mesmo assim, assistimos a uma escalada da intolerância contra religiões de matriz africana. Combater esse processo exige que a mídia atue não apenas como observadora, mas como agente de valorização da diversidade e da memória cultural.

      Reconhecer a diversidade religiosa no Brasil é também um compromisso com a justiça social. Quando a imprensa se omite ou relativiza ataques simbólicos, reforça a exclusão. Quando assume sua função crítica, contribui para uma sociedade plural e democrática.

      Sérgio Pererê é cantor, compositor, multi-instrumentista, ator e diretor musical. Seu trabalho autoral é reconhecido pelo diálogo que estabelece entre a tradição e a experimentação, pela profusão de sonoridades – com destaque para as referências afro-latinas –, e pelo timbre peculiar de sua voz. Sua poesia sofisticada entrelaça temas cotidianos a enunciados metafísicos e elementos do sagrado de matriz africana, como o culto à ancestralidade e aos orixás. Já se apresentou em países como Canadá, Áustria, Espanha, Moçambique, China e Argentina. Sérgio Pererê considera-se amadrinhado pelas raízes banto de Minas Gerais.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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