O potencial e os limites da química
A química pode abrir portas no diálogo entre Lula e Trump, mas não apaga as contradições entre Brasil e Estados Unidos
Sabe-se do papel dos indivíduos na história. Mas, mesmo fazendo a história, os homens não a fazem como desejam, mas conforme as condições que herdam e que os condicionam.
A história do Lula é uma demonstração fantástica de como um indivíduo excepcional pode forjar uma trajetória incrível. Sua vida contradiz todas as previsões. Ele é a prova de como a força e a tenacidade, herdadas de Dona Lindu, mudaram a história do Brasil.
O que significa a química? Identificação, simpatia. Ela pode se dar entre pessoas muito diferentes, com concepções contraditórias. Lula, intuitivo como é, acredita muito nisso. A ponto de subestimar as diferenças entre aqueles que têm química.
Tomados os discursos do Lula e do Trump, não poderia haver concepções mais antagônicas, em todos os aspectos. O discurso do Lula é impecável: uma peça que resume, da melhor maneira possível, as posições da esquerda, das forças democráticas e antineoliberais.
O de Trump é desordenado, com aquela autoconfiança de quem acha que, por definição, tem a verdade. Usa a justificativa de que supostamente o teleprompter não estava funcionando para falar de improviso, com a autoconfiança de quem não se deu conta de como a imagem dos Estados Unidos mudou no mundo, para pior, com seu governo.
Quanto a química pode ajudar, qual é o seu limite?
A química permite abrir diálogo. Primeira vitória da intuição do Lula. Depois de tentar, de todas as formas, abrir um canal de contato e fracassar, aquele abraço permitiu convocar a reunião, em princípio marcada para a próxima semana.
Trump é um negacionista de mão cheia. Lula representa exatamente o oposto. Será possível manter o diálogo se Lula se concentrar e tentar explicar a situação do Brasil – a do Bolsonaro incluída – e mudar a política dos tarifaços contra o Brasil.
Se tiver excessiva confiança na química, a ponto de, como ele disse expressamente, colocar todos os temas na mesa, os mal-entendidos darão lugar às diferenças reais, de fundo. Lula não pode subestimar o caráter imperialista dos Estados Unidos, que tem nas posições prepotentes do governo Trump sua versão do século XXI.
Lula deve esclarecer, antes de tudo, como o Brasil não se encaixa na visão de Trump, porque temos déficit e não superávit com eles. Mesmo se a visão vitimista de Trump fosse verdadeira.
Lula pode argumentar que essa visão não corresponde à realidade, mas dificilmente conseguirá convencer Trump, cuja perspectiva egoísta tem como base o suposto intercâmbio desigual contra os Estados Unidos. Sua estratégia tarifária parte dessa visão equivocada sobre quem perde e quem ganha no intercâmbio desigual dos Estados Unidos com os outros países.
Dá para conviver com as posições do imperialismo norte-americano, versão século XXI do governo Trump? Dá para tirar os bolsonaristas da jogada, ter uma relação direta com o governo Trump e, nesse marco, tentar diminuir o efeito dos tarifaços sobre a economia brasileira? Creio que a questão dos vistos para brasileiros nos Estados Unidos é secundária e, com o passar do tempo, pelos efeitos da química, deve perder relevância.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.