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Alex Solnik

Alex Solnik, jornalista, é autor de "O dia em que conheci Brilhante Ustra" (Geração Editorial)

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O maior músico brasileiro de todos os tempos

Um erudito com um Stradivarius ou um abridor de lata

O músico Hermeto Pascoal (Foto: Divulgação)

Hesitei muito antes de me decidir pelo título acima. Ponderei comigo mesmo: mas, poxa, o Brasil é um celeiro de músicos imensos, para dizer o óbvio. Temos tantos craques na música quanto no futebol. O Brasil é o país do futebol e da música. Tivemos os eruditos Carlos Gomes e Villa-Lobos, incomparáveis; a carnavalesca Chiquinha Gonzaga, original e engraçada; tivemos os geniais Pixinguinha, temos pianistas excepcionais como João Carlos Martins, tivemos Tom Jobim, Baden Powell, Naná Vasconcelos... não seria ousadia demais eleger apenas um como o melhor? Concertistas brasileiros estão sempre no Olimpo musical, em todo o globo. Homens e mulheres. Eu certamente seria esculhambado, qualquer que fosse minha escolha. E quem sou eu para fazê-la, logo eu que não sei patavina de música — além de ouvir, é claro, há mais de sessenta anos. Abro um breve parêntese.

Aos meus 12 anos, por aí, fui entrevistado em um programa chamado “O ouvinte escolhe a música”, algo assim, apresentado por Enzo de Almeida Passos, na Rádio Bandeirantes, que ficava num predinho mixuruca perto do Mercado Municipal e não no Morumbi. Minha cartinha foi sorteada e eu deveria justificar, ao vivo, as minhas escolhas. Eu mal alcançava a altura do microfone sobre a mesa. O apresentador ficou com a pulga atrás da orelha. Não entendia como um pirralho como eu tinha escolhido músicas adultas de muito bom gosto, como “I Can’t Stop Loving You”, com Ray Charles, e “Momentos”, com Agostinho dos Santos.

Continuando.

Eu estive com Hermeto Pascoal apenas uma vez. Acho que foi no tempo dos dinossauros. Fui entrevistá-lo no Estúdio Eldorado, num dos andares altos do prédio com um relógio gigante no telhado, onde funcionavam as redações do Estadão e do Jornal da Tarde.

O que eu vi então nunca mais esqueci. A certa altura, ele começou a mexer na alça da capa do seu violão e, de repente, daquele objeto metálico banal e inexpressivo, manipulado por seus dedos grossos, brotou uma melodia harmoniosa e ritmada. Eu só acreditei porque estava vendo. A entrevista poderia terminar aí. Sem palavras. Suas palavras eram as notas.

Hermeto não era o homem dos sete instrumentos, mas dos n instrumentos. Ele não era só um incrível pianista, como tantos brasileiros talentosos, um maravilhoso saxofonista, como tantos brasileiros talentosos, baterista, flautista etc.; ele criava seus próprios instrumentos do nada, ele tocava qualquer coisa, ele era o alquimista: de qualquer coisa de que saía som ele fazia um instrumento de orquestra. Era isso, o Hermeto era uma orquestra, um virtuose com um Stradivarius ou com um abridor de lata. Nunca houve ninguém igual nem parecido.

Ele deixou uma grande obra gravada, ainda bem, e uma ainda maior não gravada, que ficou na memória de quem conviveu com ele, como eu, naquele encontro no Estúdio Eldorado.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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