O hambúrguer do Tio Sam vem do Brasil
Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, o que deve afetar três produtos absolutamente estratégicos para a segurança alimentar dos americanos
Donald Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, uma medida que promete afetar três produtos absolutamente estratégicos para a segurança alimentar dos americanos: café, suco de laranja e carne para hambúrguer. Enquanto já abordamos a questão do café em análises anteriores e voltaremos a falar sobre ele em breve, e o suco de laranja será tema de um artigo específico, este texto foca na carne para hambúrguer – a carne bovina desossada congelada que o Brasil fornece em larga escala para os Estados Unidos.
A medida revela uma contradição fundamental que beira o patético em seus efeitos contraproducentes.
O hambúrguer na cultura americana - Os Estados Unidos são o maior consumidor de hambúrgueres do mundo. Os americanos consomem cerca de 50 bilhões de hambúrgueres por ano, o que equivale a aproximadamente três hambúrgueres por semana para cada habitante. Mais que um simples alimento, o hambúrguer está profundamente enraizado na cultura e na dieta americana, representando um símbolo da praticidade e do estilo de vida do país.
Essa preferência nacional não é apenas cultural – é também econômica. O hambúrguer representa uma fonte acessível de proteína para milhões de famílias americanas, especialmente em um momento em que os preços dos alimentos têm pressionado o orçamento doméstico.
Dependência externa - A matéria-prima fundamental para a produção de hambúrgueres é a carne bovina desossada congelada. Os Estados Unidos importam milhões de toneladas desse produto anualmente, representando uma parcela significativa do consumo doméstico.
Os números revelam a importância estratégica do Brasil para o mercado americano. O país se consolidou como o principal fornecedor de carne bovina desossada congelada para os Estados Unidos, chegando a representar 34,7% das importações americanas em abril de 2025. Essa participação tem crescido consistentemente, partindo de níveis ao redor de 13% no início de 2024 e atingindo patamares superiores a 30% em diversos meses recentes.
Para colocar em perspectiva, outros fornecedores tradicionais como Argentina, Canadá e México têm participações bem menores no mercado americano. O Brasil consolidou-se como o principal fornecedor externo dessa matéria-prima essencial, superando concorrentes históricos e estabelecendo uma posição de liderança no segmento.

Declínio da produção americana - A crescente dependência de importações reflete problemas estruturais na pecuária americana. A produção doméstica de carne bovina tem enfrentado declínio, com o rebanho bovino americano atingindo o menor nível desde 1961. Fatores como secas prolongadas, custos crescentes de alimentação animal e pressões ambientais têm contribuído para essa redução.
O resultado é uma transformação histórica: os Estados Unidos, que tradicionalmente eram exportadores líquidos de carne bovina, tornaram-se importadores líquidos. Essa mudança estrutural torna o país ainda mais dependente de fornecedores externos confiáveis como o Brasil.
Pressão nos preços e o índice Big Mac - A pressão inflacionária sobre os alimentos americanos pode ser medida através do preço do Big Mac. Entre 2005 e 2024, o sanduíche mais famoso do McDonald’s saltou de US$ 2,58 para US$ 5,69, um aumento de 120% em menos de duas décadas.
Esse crescimento reflete não apenas a inflação geral, mas especificamente o encarecimento da carne bovina nos Estados Unidos. O Brasil, ao fornecer carne competitiva, tem ajudado a estabilizar os preços da matéria-prima, contribuindo para conter uma escalada ainda maior nos custos dos hambúrgueres americanos.

O resultado patético para os americanos - A ironia da situação torna-se evidente quando analisamos os efeitos práticos da tarifa. Para o Brasil, perder um mercado que absorve apenas 8,8% de suas exportações de carne bovina desossada congelada não representa um drama. Os produtores brasileiros podem facilmente redirecionar essa produção para outros mercados internacionais ou até mesmo para o mercado doméstico.
No Brasil, onde os preços da carne têm pressionado o orçamento das famílias, existe uma oportunidade clara: campanhas promocionais e políticas de incentivo ao consumo interno poderiam absorver facilmente a produção que deixaria de ir para os Estados Unidos. O país tem flexibilidade e alternativas, e os brasileiros poderão comer mais carne a preços mais baixos.

A contradição de Trump - Do lado americano, o cenário é completamente diferente. Trump foi eleito com a promessa central de reduzir o custo de vida dos americanos, mas sua tarifa de 50% sobre a carne bovina brasileira produzirá exatamente o efeito oposto. O preço do hambúrguer – alimento básico na dieta americana – aumentará diretamente.
A ironia se aprofunda quando consideramos que as tarifas de Trump são altamente impopulares nos próprios Estados Unidos: pesquisas mostram que mais de 60% dos americanos são contra essa política. E não é difícil entender o porquê: a tarifa funciona como um imposto sobre os mais pobres, já que são os americanos de menor renda – cuja renda é mais comprometida pelo consumo de alimentos – que serão os principais taxados. Não são os brasileiros que pagarão os 50% adicionais, mas sim os consumidores americanos mais vulneráveis.
Enquanto isso, Trump intensifica seus ataques à soberania brasileira, chegando ao absurdo de chantagear o Brasil exigindo o fim do processo contra Bolsonaro como condição para cancelar as tarifas de 50%. É um pedido impossível, já que nem Lula nem o Congresso Nacional têm poder sobre o Judiciário, que é um poder independente. Esses ataques à soberania brasileira só fortalecem a posição de Lula, cuja aprovação já vem crescendo e tende a crescer ainda mais diante da postura respeitosa em defesa da independência nacional.
O resultado final é patético: uma medida que deveria proteger os americanos acaba por prejudicá-los diretamente no prato e no bolso, enquanto Trump perde popularidade e o Brasil encontra novos mercados. Os Estados Unidos ficarão com hambúrgueres mais caros e maior dependência de fornecedores alternativos, potencialmente menos competitivos, enquanto os brasileiros se beneficiam de mais carne disponível no mercado interno a preços menores.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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