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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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O futebol europeu é pura tática capitalista, imposição colonialista e arrogância imperialista

"É uma espécie de neo pentecostalismo evangélico que converte a ousadia e a arte dos 'pecadores' da bola, num fundamentalismo físico e tático"

(Foto: Vítor Silva/ BFR)

Vou começar este texto propondo aos leitores que escalem mentalmente os dez melhores jogadores de futebol de todos os tempos na sua opinião. Não sei os nomes que vocês escolheriam, mas tenho certeza de que a sua lista não terá mais do que três ou quatro jogadores europeus, se o quesito adotado para a escolha for a técnica. Quer apostar? Embora sendo uma invenção dos ingleses, o futebol tornou-se o principal esporte em outros países do mundo. No Brasil, a paixão pela bola atravessa gerações e alimenta os sonhos de muitos jovens. “Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”, como já cantou a banda Skank. Nosso país sempre foi um celeiro de craques, razão pela qual a nossa seleção, além de ser a maior vencedora de títulos em copas do mundo com cinco conquistas, é a única que participou de todas as edições da competição.

Data de 1920 o início da migração de jogadores estrangeiros para o futebol europeu, com um fluxo maior de sul-americanos indo para o futebol italiano. O atacante paulista Araken Patuska foi um dos primeiros brasileiros a jogar na Europa, tendo sido contratado pelo Genoa, da Itália. Após a segunda guerra mundial, a transferência de jogadores estrangeiros de diversos países para o velho continente aumentou, com destaque para o também atacante Evaristo de Macedo, contratado pelo Barcelona da Espanha junto ao Flamengo, em 1957. Evaristo também jogaria pelo Real Madrid entre 1962 e 1964, antes de retornar ao rubro-negro carioca após se tornar ídolo dos dois principais clubes espanhóis. Antes de Evaristo, o volante carioca Fausto, conhecido como “Maravilha Negra”, também vestiu a camisa do Barcelona entre 1931 e 1932, e outros jogadores brasileiros como o atacante Elber de Pádua Lima, o Tim, contratado pelo OGC Nice, da França, em 1940, e meia atacante Moderato, que foi para o Genoa da Itália, em 1931, também desbravaram o continente europeu.

Os jogadores de futebol sul-americanos, em especial, os brasileiros e os uruguaios, sempre chamaram a atenção do futebol Europeu. A primeira Copa do Mundo disputada no Uruguai, em 1930, teve uma final sul-americana e os donos da casa venceram a Argentina se tornando os primeiros campeões mundiais. Em 1950, em nova final sul-americana, o Uruguai derrotou o Brasil em pleno Maracanã, e conquistou o bicampeonato da competição. Nas cinco copas seguintes, 1954, 1958, 1962, 1966 e 1970, três foram vencidas pelo Brasil que, com o seu futebol arte e competitivo, passou a ser considerado o futebol a ser batido pelos europeus. A fórmula encontrada para tentar conter a genialidade brasileira foi o aprimoramento físico e tático, uma vez que os jogadores europeus não foram agraciados em sua essência com a ginga e a malemolência dos brasileiros.

A partir daí, o imperialismo e o capitalismo começam a dar as cartas no futebol mundial com o advento da Lei Bosman, em 1995, que, entre outras coisas, estabeleceu o fim do limite de jogadores estrangeiros nos times europeus, desde que esses tivessem cidadania europeia, abrindo espaço para a contratação de jogadores de outros continentes. A nova lei também favoreceu jogadores com contrato encerrado com seus clubes, que passaram a ter o direito de se transferir para outro time sem que o clube anterior recebesse qualquer compensação financeira, como ocorria antes da decisão. Algo que favoreceu os clubes europeus de maior poder aquisitivo e estabeleceu um desequilíbrio financeiro e competitivo no futebol mundial. O limite de jogadores estrangeiros vindos de fora da Europa também aumentou, o que fez com que grandes revelações de outros continentes fossem para o futebol europeu, e transformou as categorias de base dos clubes, sobretudo, os brasileiros, em fábrica de jogadores a serem exportados para a Europa.

Curiosamente, após a frustração da seleção de 1982, todo técnico que assumia com objetivo de resgatar a essência do futebol brasileiro na seleção não conseguia sucesso. Foi assim com Paulo Roberto Falcão, ex-jogador do time de Telê, e escolhido para substituir Lazaroni após o fiasco do esquema europeu de 1990. Tendo o corintiano Neto como seu camisa 10, um jogador que muitos queriam que Lazaroni tivesse convocado, mas que nunca foi o craque que imaginou ser, e adotando um esquema ofensivo para o time, o “Rei de Roma” estreou levando uma surra de 3x0 para a Espanha, e só conseguiu a sua primeira vitória como técnico da seleção no seu oitavo jogo no comando da equipe. Eliminado para a Argentina na Copa América de 1991, foi demitido e deu lugar a Carlos Alberto Parreira, que já havia substituído Telê Santana após a Copa de 1982 em sucesso.

 

Apesar de não resgatar o futebol arte na seleção, e, pelo contrário, adotar um esquema considerado retranqueiro por muitos, Parreira levou a seleção ao tão sonhado tetra após 24 anos da última conquista em 1970. Vitória da tática sobre a técnica, e o futebol brasileiro ia se “europeizando” cada vez mais. Em que pese aquela seleção tivesse Bebeto e Romário, uma dupla que a exemplo de Pelé e Garrincha, nunca perdeu um jogo sequer jogando junta pela seleção brasileira, o meio de campo campeão, “o lugar dos craques que vão levando o time todo para o ataque”, como na composição de Samuel Rosa, tinha Dunga, Mauro Silva, Zinho e Mazinho, que entrou no lugar de Raí, o camisa 10 de Parreira, que foi sacado do time titular logo no segundo jogo da competição, reforçando a tese europeia de que um meio-campo mais defensivo tornava o time mais equilibrado. Mas o futebol arte sempre esteve tão enraizado na memória afetiva do brasileiro, que mesmo com a conquista da copa, a seleção de Parreira era considerada inferior à de Telê em 1982. Algo que provocou uma certa revolta nos jogadores campeões de 1994.

Evidente que um time menos técnico vai recorrer a tática defensiva para neutralizar um adversário de maior qualidade. E os europeus sempre souberam, e ainda sabem, que são inferiores tecnicamente aos brasileiros. Os confrontos diretos até aqui realizados no Mundial de Clubes é uma prova disso. As vitórias do Botafogo sobre o PSG, atual campeão da Champions, o passeio do Flamengo sobre o Chelsea da poderosa Premier League inglesa, e o domínio de Palmeiras e Fluminense em seus jogos contra o Porto e o Borussia Dortmund, respectivamente, desmascaram a tão falada superioridade europeia sobre o nosso futebol. Ah, mas esses jogos não servem de parâmetro para tal avaliação. Por que não? Por causa do calor? Por que os europeus estão em final de temporada? Por que eles não estão levando a sério o torneio? Balela! Se os times europeus tivessem vencido, os resultados serviriam para ratificar a suposta superioridade. E por que as derrotas não servem para contestá-la?

A abertura do mercado europeu para jogadores de todas as nacionalidades, o poder econômico dos clubes que possibilita um maior investimento na infraestrutura dos centros de treinamento, no pagamento de altos salários para os jogadores, na preparação física dos atletas e em outras tecnologias que auxiliam no desempenho dos mesmos, fez com que o futebol sul-americano ficasse sem condições de competir com tamanho poderio financeiro.  Trazendo todas essas questões para dentro de campo, nos deparamos com um futebol cada vez mais sendo jogado à moda européia, inclusive, em países de outros continentes. No Brasil, a desgraça técnica começa com a perda da Copa de 1982, quando o time de Telê Santana, considerado por muitos uma das melhores seleções das copas em todos os tempos, e que serviu de referência para Pep Guardiola montar o imbatível Barcelona de Messi, Xavi, Iniesta, Puyol e Samuel Eto’o, foi eliminado pela Itália de Paolo Rossi e um futebol mais tático e voluntarioso do que técnico.

As principais críticas ao esquema daquela seleção eram por conta do excesso de ofensividade, num time que tinha Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico no meio de campo, e dois laterais como Leandro e Júnior, que eram mais ofensivos do que defensivos. Na copa seguinte, em 1986, sob o comando do mesmo Telê, vimos em campo uma escalação que já refletia a influência europeia e o medo de sermos eliminados pelo mesmo motivo: a ofensividade característica do nosso futebol e que nos levou a conquistar cinco Copas do Mundo. Alemão e Elzo, dois volantes mais marcadores, Júnior, deslocado da lateral para o meio, e um Sócrates solitário na armação das jogadas, formaram o meio de campo de uma seleção que se classificou para aquele mundial com um time bem mais ofensivo, que ainda contava com sete titulares de 1982, e um ataque rejuvenescido por Renato Gaúcho e Casagrande que, ao lado de Éder, eram os melhores atacantes em atividade no país naquele momento. Além de Careca, que acabou sendo o centroavante titular e artilheiro do Brasil na competição.

Outra eliminação para a França de Michel Platini, uma seleção envelhecida que também havia feito uma copa mais ofensiva em 1982, e optou por reforçar o meio de campo com mais um volante, o jovem volante Fernandez, do PSG, ao lado de Giresse e Tiganá. Cai Telê Santana, assume Carlos Alberto Silva, e o futebol brasileiro que parecia retornar às suas características mais ofensivas com um técnico que havia lançado Careca com apenas 17 anos no Guarani campeão brasileiro de 1977, que foi o primeiro a escalar a dupla Bebeto e Romário na seleção, e que mais tarde, em 1993, lançaria Ronaldo Fenômeno no Cruzeiro também aos 17 anos de idade, sucumbe diante da antiga União Soviética na final das Olimpíadas de Seul, em 1988, e Carlos Alberto Silva é demitido. Em seu lugar, assume o “estrategista” Sebastião Lazaroni que coloniza a seleção com um esquema europeu, o 3-5-2, e mesmo tendo um dos melhores elencos do Brasil em copas do mundo, com atacantes como Careca, Muller, Bebeto, Romário e Renato Gaúcho, e uma defesa com jogadores como Mozer, Mauro Galvão, Ricardo Rocha, Aldair, Jorginho e Branco, além do goleiro Taffarel, obteve a pior classificação da seleção na história das copas.

Em suma, após a conquista do penta em 2002 jogando no mesmo esquema europeu que transformou Lazaroni em persona non grata no futebol brasileiro, e com alguns jogadores tecnicamente inferiores ao elenco de 1990, a seleção passa a experimentar um declínio técnico absurdo que contrasta com a essência do nosso futebol. Felipão ainda teve a sorte de contar com a última grande safra de craques brasileiros liderada por Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Roberto Carlos. De lá para cá, ficamos esperançosos com Neymar, que não correspondeu às expectativas depositadas sobre ele, frustrando o sonho do hexa. Coincidentemente, Neymar, ao contrário de Vinícius Júnior, Rodrigo e Raphinha, tido como os principais jogadores da seleção atual, jogou mais tempo no Brasil antes de se transferir para a Europa, o que fez com que a arte e a plástica do seu futebol não fosse podada precocemente. Até acho que faltou a Neymar um ou dois escudeiros que pudessem dividir com ele o protagonismo na seleção. Na minha opinião, Paulo Henrique Ganso e Alexandre Pato talvez pudessem ter sido esses jogadores, mas não tiveram a sequência esperada apesar do talento de ambos.

Jogadores brasileiros que atuam na Europa estão cada vez mais aculturados e adaptados ao estilo de jogo europeu, e isso também faz parte de uma estratégia colonialista que visa acabar com a cultura ofensiva e criativa do nosso futebol, que sempre foi capaz de decidir jogos num lance de genialidade dos nossos craques, e nivelar o futebol mundial ao nível do Atlântico e da falta de habilidade natural dos atletas do velho mundo, sob a égide da coletividade, da intensidade e da competitividade. O futebol mudou, dizem os poetas da crônica esportiva. De fato, não há como negar tal mudança. Mas cabe explicar melhor, sem complexo de vira latas e subserviência esportiva, os reais motivos dessa mudança que colocou o futebol brasileiro em segundo plano no cenário mundial, mesmo ele ainda tendo os jogadores mais técnicos e mais criativos. O Poderio financeiro dos clubes europeus é o movimento neopentecostal evangélico do futebol mundial, convertendo a ousadia e a arte dos “pecadores” da bola, num fundamentalismo físico e tático que livra da morte eterna apenas um futebol que nunca foi o salvador da humanidade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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