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Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC) e do INCT em Disputas e Soberania Informacional.

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O dia em que o Brasil vendeu soberania em lotes

Defender o meio ambiente é imperativo. Mas permitir que essa causa seja instrumentalizada por interesses que não respondem à população brasileira é um erro

Martelo (Foto: Tauan Alencar | MME)

A Petrobras passou mais de uma década bloqueada por exigências técnicas, pareceres contraditórios e campanhas ambientais seletivas. Enquanto isso, empresas estrangeiras como Chevron e ExxonMobil conseguiram acesso à Margem Equatorial sem resistência. Este caso não é sobre preservação ambiental. É sobre quem realmente decide o futuro do Brasil. E, neste episódio, quem decidiu não foi o Brasil.

No dia 17 de junho de 2025, o Brasil entregou à Chevron, ExxonMobil, Shell e outras multinacionais o controle sobre uma das regiões mais estratégicas de sua matriz energética: a Margem Equatorial. O leilão promovido pela ANP ofertou 192 blocos exploratórios, sendo 63 nessa região, arrecadando R\$ 1,2 bilhão. O que a mídia tratou como sucesso financeiro foi, na verdade, a culminância de uma longa operação de deslegitimação simbólica da Petrobras e de esvaziamento da capacidade do Brasil de decidir soberanamente sobre seus recursos energéticos.

Durante mais de 13 anos, a Petrobras tentou, sem sucesso, obter licença ambiental para perfurar um poço exploratório na região. Apesar de ter cumprido exigências técnicas e apresentado estudos robustos, a estatal foi sistematicamente bloqueada por pareceres ambíguos, entraves regulatórios e uma campanha pública que a transformou em vilã ambiental. O Ibama, por exemplo, indeferiu o pedido da Petrobras com base na ausência de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) que, tecnicamente, não era obrigatória.

Em paralelo, ONGs ambientalistas, muitas delas financiadas por fundações internacionais, atuaram com intensidade contra o projeto da Petrobras, ampliando o discurso do "risco à Amazônia" em editorias, redes sociais e pareceres públicos. Mesmo com evidências técnicas indicando que os blocos estavam a centenas de quilômetros da foz do Amazonas e que o impacto sobre os biomas seria controlado, a narrativa dominante foi a da destruição iminente.

O curioso é que o discurso ambiental evaporou quando empresas estrangeiras demonstraram interesse. Durante o processo que antecedeu o leilão da ANP, não houve protestos relevantes, notas de repúdio ou mobilização digital contra a participação da Chevron, da ExxonMobil ou da Shell. A mesma Margem Equatorial que era intocável para o Estado brasileiro tornou-se, subitamente, uma nova fronteira de oportunidade para o capital estrangeiro. Sinal de que o problema nunca foi apenas ambiental — era geopolítico.

Após o leilão, com os contratos assinados, algumas ONGs voltaram a se manifestar contrariamente à exploração. Mas o estrago já estava feito. A omissão estratégica durante o período crítico permitiu que o leilão ocorresse com fluidez e sem pressão social. Essas idas e vindas não revelam incoerência, mas método: o objetivo foi bloquear a Petrobras, não necessariamente o projeto de exploração.

O caso escancara uma das formas mais sofisticadas de guerra do século XXI: a guerra informacional. Trata-se da ocupação do campo das ideias, da percepção e das narrativas que moldam o senso comum. A opinião pública brasileira foi lentamente induzida a rejeitar qualquer iniciativa de soberania energética que envolvesse o Estado. A Petrobras passou a ser tratada como uma empresa obsoleta, burocrática, ineficiente e poluidora. Esse processo não foi espontâneo: foi articulado por um ecossistema formado por editorias econômicas, ONGs transnacionais, influenciadores digitais, consultorias regulatórias e plataformas tecnológicas.

A erosão simbólica da Petrobras foi essencial para que o leilão não gerasse repúdio. Quando a população já não reconhece sua estatal como ferramenta de soberania, não há resistência organizada à sua exclusão. O Estado foi convencido a agir como despachante do capital externo, e a sociedade, treinada a acreditar que qualquer alternativa nacional é automaticamente ineficaz.

Essa é a dimensão mais perigosa da guerra híbrida: o inimigo não precisa mais invadir; basta convencer. E o convencimento se faz com mídia, métricas, pareceres, hashtags e relatórios. O que se perde não é apenas a capacidade de explorar um bloco de petróleo. O que se perde é a capacidade de existir como sujeito político autônomo.

Defender o meio ambiente é imperativo. Mas permitir que essa causa seja instrumentalizada por interesses que não respondem à população brasileira é um erro grave. A Margem Equatorial é apenas um exemplo. A verdadeira disputa é pela soberania informacional. E nenhum país soberano entrega sua narrativa e seu petróleo ao mesmo tempo. A menos que já tenha perdido os dois.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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