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      Washington Araújo

      Jornalista, escritor e professor. Mestre em Cinema e psicanalista. Pesquisador de IA e redes sociais. Apresenta o podcast 1844, Spotify.

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      Num mundo de armadilhas, às vezes o melhor passo é o que não se dá

      Ao repetir humilhações e ataques, Trump impõe ao Brasil o dilema entre a necessidade do diálogo e a dignidade nacional

      Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | ABR)

      No palco torto da diplomacia, Donald Trump dança com passos de elefante, esmagando protocolos e delicadezas. O presidente americano, de volta ao comando da Casa Branca, faz de cada encontro com líderes globais uma ciranda de constrangimentos, onde o ridículo e a grosseria disputam o holofote. Lula, o filho de dona Lindu e que sente prazer em tirar o Brasil do Mapa da Fome, hesita à beira desse terreno minado, enquanto a pergunta continua no ar: vale a pena dançar com quem só sabe pisar nos pés?

      Nesta sexta-feira, 1º de agosto de 2025, Trump, com seu jeito entediado, respondeu à jornalista Raquel Krähenbühl, da TV Globo, sobre um possível diálogo com Lula: “Pode ligar quando quiser. Amo o povo do Brasil”, disse, com a leveza de quem oferece um café. Mas o veneno veio logo, como sempre vem. Criticou a gestão brasileira, apontou “erros” e justificou tarifas de 50% sobre produtos do país, como se jogasse sal numa ferida aberta. “Vamos ver o que acontece”, completou, com aquele tom que mistura enigma e ameaça.

      Do outro lado do Atlântico, Fernando Haddad, com a paciência de um pescador, respondeu que Lula está aberto ao diálogo, pronto para atender o telefone.

      Mas o que significa atender a um chamado de Trump?

      A diplomacia, esse veludo onde se costuram alianças, tornou-se, sob Trump, um circo de horrores. Seus encontros com líderes estrangeiros são armadilhas de espelhos quebrados, refletindo ora o deboche, ora o desprezo. Xi Jinping, o dragão chinês, sentiu o golpe em janeiro, quando Trump acusou Pequim de “enviar fentanil de propósito”, cuspindo nas frágeis tratativas de acordos prévios.

      Em fevereiro, foi a vez de Volodymyr Zelensky, o ucraniano de olhos cansados e surrada roupa de combate, que enfrentou um Trump ríspido no Salão Oval, interrompido e humilhado, sem direito a uma coletiva conjunta. A cena, televisionada, era um painel de grosserias, como se a delicadeza fosse um idioma extinto.

      Cyril Ramaphosa, o líder sul-africano, também provou o fel em março. Trump, com a arrogância de quem confunde poder com verdade, compartilhou um vídeo falso de violações de direitos humanos, apontando o dedo para a África do Sul, quando, na verdade, as imagens vinham do Congo. Um erro? Talvez. Mas um erro com cheiro de desdém colonial.

      E que dizer de Justin Trudeau, o anfitrião do G7, em junho, que ouviu Trump defender a volta da Rússia ao bloco, enquanto o chamava de “governador de estado” e sugeria que o Canadá virasse o 51º estado americano? Uma piada que não fez rir, apenas rangeu os dentes da civilidade canadense.

      Keir Starmer, o britânico de sotaque polido, também dançou nessa corda bamba. Em junho, Trump zombou de sua fala, imitando-o como um palhaço de rua, enquanto cuspia: “Vocês perderam o império, agora perdem para nós também?”. Starmer, com a compostura de um lorde, engoliu o sapo, mas Londres rugiu em protesto.

      Na cúpula da OTAN, o espetáculo continuou: Trump, com gestos de comediante barato, chamou líderes europeus de “dependentes” e apelidou a si mesmo de “Daddy”, ridicularizando Ursula von der Leyen. O momento virou meme, mas os cacos da dignidade não se colam com risadas.

      Na África, o presidente da Mauritânia, Mohamed Ould Ghazouani, foi cortado com um “pare com isso”, como se fosse um menino repreendido na escola. A imprensa africana esbravejou à hora: “humilhação colonial”.

      Na Índia, Narendra Modi ouviu Trump descartar preocupações climáticas como “bobagens indianas” e acusar o país de “roubar empregos americanos”. Modi, turvo como o Ganges, respondeu, mas o vídeo da afronta correu o mundo, um lembrete da brutalidade trumpista.

      E agora, Lula. O velho sindicalista, que já enfrentou ditaduras e negociações impossíveis, sabe que dialogar com Trump é como atravessar um rio cheio de jacarés. Antes de qualquer conversa, é preciso tecer, armar rede de cuidados: definir pautas, evitar microfones abertos, fugir da Casa Branca como quem foge de um palco amaldiçoado. Que se preparem Mauro Vieira e Geraldo Alckmin, em encontros prévios com Marco Rubio e JD Vance, para traçar um mapa que evite os atalhos do vexame.

      E, se tudo falhar, que seja uma conversa virtual, onde o botão de “desligar” é a última defesa contra o ridículo.

      Trump, com seu teatro de sombras, transforma a diplomacia num circo sem graça. Lula, com a sabedoria de quem já viu muitos palcos, precisa decidir se entra nessa dança. Dialogar é preciso, mas não a qualquer preço.

      Num mundo de armadilhas, às vezes o melhor passo é o que não se dá.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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