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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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Não é só Brasil

Talvez chegue hora em que as reuniões da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança da ONU terão de ser transferidas para Viena

Donald Trump e Lula (Foto: Reuters | ABR)

Os EUA desrespeitam sistematicamente seu Acordo Sede com a ONU.

Com efeito, segundo a Resolução adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 7 de dezembro de 2023, sobre o relatório do Sexto Comitê (A/78/447, 78/116), que é um Relatório do “Comitê (ou Comissão) de Relações com o País Anfitrião”, os EUA violam direitos de algumas missões junto às Nações Unidas, desrespeitando, assim, o direito internacional e o Acordo Sede.

Nessa Resolução, a Assembleia-Geral:

“Manifesta séria preocupação com os múltiplos casos de recusa e não emissão de vistos de entrada, incluindo, em particular, para delegados que participam em eventos de alto nível e nos trabalhos dos Comités Principais na septuagésima sétima sessão da Assembleia Geral, salienta a importância da plena participação de todas as delegações nos trabalhos das Nações Unidas e toma nota das declarações do Conselheiro Jurídico nas 297.ª e 298.ª reuniões do Comité, reiterando a sua declaração na 295.ª reunião de emergência do Comité, constante do documento A/AC.154/415, onde confirmou que a posição jurídica relativa às obrigações do país anfitrião relativamente à emissão de vistos a pessoas abrangidas pelo Acordo de Sede permanece inalterada em relação à que foi fornecida pelo então Conselheiro Jurídico do Comité em 1988, constante do documento A/C.6/43/7, segundo o qual, inter alia, “o Acordo de Sede deixa claro que existe um direito irrestrito de pessoas mencionadas na seção 11 ( delegações que participam das reuniões da ONU) para entrar nos Estados Unidos com o propósito de prosseguir para o distrito da Sede”;

É preciso lembrar que esse direito está plenamente registrado no Artigo IV do Acordo Sede, particularmente nas Seções 11 e 13 desse artigo

 A Seção 11 tem a seguinte redação:

“Seção 11 As autoridades federais, estaduais ou locais dos Estados Unidos não imporão quaisquer impedimentos ao trânsito para ou do distrito da sede de: (1) representantes de membros ou funcionários das Nações Unidas, ou de agências especializadas conforme definidas no Artigo 57, parágrafo 2, da Carta, ou as famílias de tais representantes ou funcionários, (2) especialistas que realizam missões para as Nações Unidas ou para tais agências especializadas, (3) representantes da imprensa, ou de rádio, cinema ou outras agências de informação, que tenham sido credenciados pelas Nações Unidas (ou por tal agência especializada) a seu critério após consulta com os Estados Unidos, (4) representantes de organizações não governamentais reconhecidas pelas Nações Unidas para fins de consulta sob o Artigo 71 da Carta, ou (5) outras pessoas convidadas para o distrito da sede pelas Nações Unidas ou por tal agência especializada em missão oficial.”

Por sua vez, a Seção 13 reza que:

“Seção 13 (a) As leis e regulamentos em vigor nos Estados Unidos relativos à entrada de estrangeiros não serão aplicados de forma a interferir nos privilégios mencionados na Seção 11. Quando os vistos forem necessários para as pessoas mencionadas nessa seção, eles serão concedidos gratuitamente e o mais rápido possível. (b) As leis e regulamentos em vigor nos Estados Unidos relativos à residência de estrangeiros não serão aplicados de forma a interferir nos privilégios mencionados na Seção 11 e, especificamente, não serão aplicados de forma a exigir que qualquer pessoa deixe os Estados Unidos por conta de quaisquer atividades realizadas por ela em sua capacidade oficial. Em caso de abuso de tais privilégios de residência por qualquer pessoa em atividades nos Estados Unidos fora de sua capacidade oficial, entende-se que os privilégios mencionados na Seção 11 não serão interpretados como garantia de isenção das leis e regulamentos dos Estados Unidos referentes à residência continuada de estrangeiros, desde que: (1) Nenhum processo será instaurado sob tais leis ou regulamentos para exigir que tal pessoa deixe os Estados Unidos, exceto com a aprovação prévia do Secretário de Estado dos Estados Unidos. Tal aprovação será dada somente após consulta ao Membro apropriado no caso de um representante de um Membro (ou um membro de sua família) ou com o Secretário-Geral ou o principal executivo da agência especializada apropriada no caso de qualquer outra pessoa mencionada na Seção 11;

Contudo, como está registrado no Relatório do Comitê acima mencionado, os EUA, por motivos políticos e geopolíticos próprios, com frequência impõem restrições descabidas a delegações e especialistas de algumas nacionalidades, o que provoca protestos da própria Assembleia-Geral da ONU.

Essas violações do direito internacional e do Acordo Sede deverão piorar, agora, com o governo Trump, que nutre claro desprezo pela ONU e por todas as instituições multilaterais. 

Talvez chegue hora em que as reuniões da Assembleia-Geral e do Conselho de Segurança da ONU terão de ser transferidas para Viena, onde também há sede da ONU.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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