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Jacqueline Muniz

Antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública

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Michel Misse foi para Maracangalha, uma despedida

Bata bumbo, chora cavaquinho, pausa na voz, silêncio na sociologia para o Michel passar

Michel Misse (Foto: Reprodução/YouTube/Ciências Sociais PUC Minas)

"Eu vou pra Maracangalha eu vou", cantávamos na saída e chegada do nosso bloco de carnaval, ano após ano, aqui do lado, na Cobal do Humaitá. Michel, além de fundador, era o puxador de samba e um mestre de cerimônia. Braços abertos para cada um que chegava para se somar à vontade de vida. Elegância na voz, delicadeza nos movimentos, cortesia no trato e alegria com arte, entre a música e as ciências sociais, como quem costura ritmos e ideias num mesmo tecido colorido. Cadência e sonoridade também com as palavras escritas e faladas, amor e delicadeza atravessando das trocas reflexivas nas aulas aos debates públicos, como ventania que sacode pensamentos e brisa que acaricia a alma. Arte e generosidade no diálogo com os pares e na militância lúcida e engajada, como quem oferece um copo d’água fresca no meio da marcha para refrescar as ideias.

A sociologia do Michel, pioneira, inovadora e parceira, era para todos, das ruas ao samba. Era lugar de encontro, acolhimento e luta — praça aberta onde cabiam batuques e teorias, abraços com argumentos. Com Michel, fizemos caravanas Brasil afora para levar o conhecimento em segurança pública para policiais, gestores e ativistas. Estradas longas, noites atravessando o céu, paradas nos bares, malas carregando livros e estandartes, corações carregando causas. Juntos e misturados, era para valer, na luta política, dos manifestos às manifestações, da palavra de ordem à roda de conversa. Sobrava esperança com muita atitude, como sol que insiste e abre alas, mesmo em dias nublados.

Seus estudos sobre violência fizeram do rigor teórico, da integridade intelectual e da inovação um exercício de encantamento e simplicidade — como transformar pedra em pão, conceito em canto. Sua sociologia apaixonada era para todos usarem, para ser distribuída. Era saber para mediar mundos, era sabor para transformá-los. Com que roupa íamos para a democracia que Michel nos convidou?

Assim residia a felicidade do colega de samba, do parceiro dos embates com ética na segurança pública, do companheiro nas pequenas e grandes lutas pela democratização da justiça e da segurança. Chama Michel, ele topa. Topa ser colega, amigo, parceiro. Topa ser travessia entre visões opostas, ponte de madeira firme sobre rios caudalosos. Topa ser tradução entre ações díspares, como quem afina instrumentos diferentes para tocar na mesma harmonia. Topa segurar na minha mão e na de muitos para fazer uma corrente de reflexão, uma tropa para a ação e um bloco de carnaval. Íamos nós todos entre marchinhas, livros e militância, cheios de emoção, como quem carrega estandarte bordado de muita vontade de futuro para todos.

Michel foi hoje para Maracangalha. Mas não foi só. Sigo aqui em seu cortejo vivo, com palavra, gesto e voz, com poesia e afeto na resistência por uma segurança pública democrática, para todos nós. Bata bumbo, chora cavaquinho, pausa na voz, silêncio na sociologia para o Michel passar. Confetes e serpentinas para o diplomata das ciências sociais seguir fazendo da nossa saudade um desejo ainda mais forte pelo amanhã!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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