Juros, Trump e soberania: o Fed hesita, o Brasil paga a conta
O Brasil permanece aprisionado a juros escandalosos e a um modelo que sabota sua soberania econômica
O Banco Central dos Estados Unidos (EUA) decidiu, em 30/07, mais uma vez manter os juros entre 4,25% e 4,50% ao ano. Foi a quinta vez consecutiva que o Federal Reserve (Fed) segurou a taxa. Mas o que parecia uma decisão rotineira veio carregado de tensão política. Dois membros da diretoria votaram pela queda dos juros, escancarando a pressão do presidente Donald Trump para que o Fed corte a taxa e impulsione sua campanha à reeleição.
É a primeira vez em mais de trinta anos que dois votos no comitê vão contra a maioria. E não é coincidência: os dissidentes foram indicados pelo próprio Trump. O presidente do Fed, Jerome Powell, até tenta manter a postura técnica e institucional, mas, nas entrelinhas, deixou claro que o cenário está mais incerto do que nunca. E boa parte dessas incertezas tem nome, sobrenome e nome de pato: Donald Trump.
Enquanto lá nos EUA o debate é se a taxa vai cair em setembro ou só no fim do ano, aqui no Brasil a situação é dramática. Nossa taxa básica de juros, a Selic, está em absurdos 15% ao ano, um dos maiores patamares do planeta. E isso com a inflação já dando sinais de desaceleração. O resultado da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de ontem (30) foi, após sete altas consecutivas, pela manutenção no mesmo patamar, ainda com viés de alta. Esses patamares serão mantidos ao longo de 2026. A marca dos juros altos já compromete o presente e o futuro da economia brasileira.
O assustador é que o Brasil aprendeu a conviver com o absurdo. Uma taxa de juros de 13,75%, depois 14%, agora 15%... e nada acontece. Ninguém vai às ruas, não há manchetes indignadas, e o país segue em frente como se isso fosse normal. Mas não é. É uma anomalia econômica. Um escândalo travestido de política técnica.
A verdade é simples: nenhuma economia cresce com juros tão altos por tanto tempo. Quando o Banco Central segura a taxa nesse patamar, ele está dizendo ao empresário: “melhor você aplicar no mercado financeiro do que investir, contratar ou produzir”. Está dizendo ao consumidor: “esquece o financiamento da casa, do carro, da geladeira. Vai pagar o triplo”. E está dizendo ao governo: “vai gastar mais com dívida e menos com saúde, educação e infraestrutura”.
O problema é que a gente se acostumou. Naturalizamos o absurdo. No noticiário, quando sai a decisão do Copom, o povo mal reage. Qual país do mundo desenvolvido, ou mesmo emergente, sustenta juros tão altos? A resposta é: quase nenhum. E, quando pratica, é por um curto período, em crise severa. O nosso caso virou política permanente.
E aí vem o discurso oficial: “o cenário é de incertezas, precisamos combater a inflação”. Claro que sim. Mas será que só dá para fazer isso com juro alto? E o controle de preços administrados? E a taxação de grandes fortunas, que poderia conter a concentração e esfriar o consumo de luxo? E a reforma tributária justa? Não, essas ideias não entram. O remédio escolhido é sempre o mesmo, mesmo que mate o paciente.
A consequência? Um país paralisado, com indústria enfraquecida, gente endividada e um mercado interno atrofiado. Um país que transfere bilhões em juros para meia dúzia de rentistas, enquanto falta remédio no posto de saúde.
O mais preocupante é o silêncio. Cadê os indignados de antigamente? Cadê o “Fora FMI”, que virou “amém, Banco Central”? Quando foi que a gente aceitou que isso era normal?
Está na hora de reverter esse jogo. Discutir juros não é papo de economista. É papo de quem não consegue parcelar o supermercado no cartão, de quem está devendo no crédito consignado, de quem vê a escola do filho com goteira enquanto bilhões vão para pagar juros da dívida pública.
Não é técnico. É político. É social. É humano. É preciso mudar.
O problema não é só a taxa em si. O custo disso é bilionário. Só em 2025, estima-se que o governo brasileiro vai gastar quase R$ 1 trilhão em juros da dívida pública. Isso significa que o Brasil tira dinheiro da saúde, da educação, da infraestrutura e transfere diretamente para os bolsos de uma minoria que vive de aplicar em títulos públicos. O país real das fábricas, dos pequenos negócios, da juventude desempregada continua sem crédito, sem investimento e sem fôlego.
Surge um agravante. A política de juros do Brasil se vê, no momento, encurralada por fatores que estão fora do nosso controle. O tarifaço de Trump, com sobretaxas de até 50% sobre produtos brasileiros, entra em vigor no início de agosto, embora bem desidratado. Apesar de 694 produtos ficarem de fora do tarifaço, algo em torno de 40% a 50% de nossas exportações ainda fica sujeito às taxas exorbitantes. Produtos como cacau, pescados, café, frutas tropicais como a manga são alguns exemplos. Muitos empregos ainda serão afetados. Demissões significativas podem ocorrer.
Os Estados Unidos consomem uma parte grande de nosso café. É difícil encontrar de imediato novos parceiros. A esperança vem dos próprios consumidores americanos, já acostumados a usufruir desses produtos. O café é parte da cultura dos americanos — ricos e pobres também. O preço do café da manhã da população estadunidense ficará mais elevado.
No Brasil, a tendência é que o dólar suba, a inflação volte a incomodar, forçando o Banco Central conservador a manter a Selic nas alturas. É um ciclo vicioso que só favorece os especuladores.
Enquanto Trump manipula o Fed para seus próprios interesses eleitorais, sua política agressiva contra o Brasil trava ainda mais nossa capacidade de baixar os juros e retomar o crescimento. E isso não é apenas uma questão econômica. É uma questão de soberania.
Está mais do que na hora de romper com esse modelo que mantém o Brasil como refém do rentismo e da instabilidade internacional. Precisamos enfrentar esse sistema que sangra os cofres públicos, impede o desenvolvimento e condena milhões à pobreza. Não podemos continuar presos a uma política monetária pensada para agradar “o mercado” e que, na prática, esmaga o povo.
O Brasil precisa retomar sua autonomia. Isso passa por rever a política de juros, mas também por reconstruir os instrumentos de planejamento, fortalecer o BNDES, proteger a indústria nacional e buscar parcerias fora da órbita dos EUA, como vem sendo feito com o BRICS+. A dependência do dólar e das decisões do Fed nos custa caro demais.
Torna-se cada vez mais importante o debate público sobre que tipo de economia queremos construir. Uma economia para poucos, feita sob medida para os rentistas? Ou um projeto de país que coloque o desenvolvimento, o emprego e a justiça social no centro das prioridades?
Responder às insanidades de Trump trava a economia. Consome um esforço enorme do governo, que tem uma pauta gigantesca de problemas a resolver. O presidente Lula chama o dia 30 de julho de “Dia da Soberania”; foi mais um “Dia de Alívio”, assim como o desvairado do Trump chamou o dia 2 de abril de “Dia da Libertação”, quando, na verdade, foi o “Dia da Tirania”.
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