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Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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Israel exporta censura digital: o novo front da guerra contra a Palestina

Sob o pretexto de compliance e segurança, Israel articula uma rede jurídico-corporativa global para silenciar críticas ao genocídio em Gaza

Palestinos deixam a Cidade de Gaza (Foto: Mahmoud Issa/Reuters)

Enquanto bombas caem sobre Gaza, uma ofensiva menos visível avança no campo informacional: a censura algorítmica e jurídica que elimina vozes dissidentes sob o disfarce de políticas de “segurança” e “conformidade”. Israel, amparado por conglomerados de tecnologia e pela indústria do compliance ocidental, está transformando a guerra em Gaza em um modelo global de controle narrativo — onde criticar um massacre pode ser tratado como crime.

O silêncio como arma de guerra

Enquanto o mundo contabiliza corpos e ruínas em Gaza, uma outra frente de combate opera em silêncio — e, justamente por isso, é mais eficaz. A guerra contemporânea não se trava apenas com tanques e drones, mas também com algoritmos, termos de uso e decisões corporativas. Israel compreendeu isso cedo. O controle da narrativa tornou-se parte inseparável do esforço militar. A cada bomba que explode, uma campanha digital é desativada; a cada massacre denunciado, uma conta é suspensa sob o pretexto de violar “padrões da comunidade”. A censura é agora uma extensão da artilharia.

Essa ofensiva invisível se apoia na ideia de que calar pode ser mais estratégico do que convencer. Quando uma imagem de uma criança soterrada é removida por “conteúdo sensível”, o dano político que ela causaria é neutralizado. Quando uma voz palestina é acusada de “discurso de ódio”, o enquadramento jurídico substitui o debate moral. E quando plataformas inteiras ajustam seus algoritmos para esconder as palavras “Gaza”, “Nakba” ou “genocídio”, o silêncio se impõe como ferramenta de guerra.

O resultado é um campo de informação colonizado, onde a verdade se torna um bem escasso e a dor, um conteúdo proibido. A guerra, então, deixa de ser apenas o confronto de forças armadas e passa a ser o controle da própria realidade perceptiva. Israel não apenas bombardeia territórios — bombardeia a linguagem, os signos, a memória coletiva. A ocupação já não é apenas geográfica, mas semântica.

Por trás desse processo, há cálculo e método. O silêncio é produzido industrialmente: com políticas de moderação moldadas por pressões diplomáticas, com parcerias de “verificação de fatos” orientadas politicamente e com legislações que confundem crítica legítima com antissemitismo. O que se chama hoje de “compliance” é, muitas vezes, a institucionalização da censura sob o selo da moralidade corporativa.

Essa engenharia do silêncio não serve apenas a Israel, mas a todos os regimes e corporações interessados em controlar a opinião pública. A guerra contra o povo palestino tornou-se o laboratório perfeito para o novo paradigma do poder informacional: o poder de decidir o que pode ou não ser dito sobre o sofrimento humano. O genocídio, nesse modelo, não termina com a morte — ele continua na ausência de palavras para nomeá-la.

Da bala ao algoritmo: a mutação da guerra

As guerras modernas já não precisam de ocupação física para subjugar um povo. A dominação agora se codifica em linhas de código, interfaces e sistemas de vigilância. Israel, que há décadas investe em tecnologias de controle social sob o pretexto da “segurança nacional”, transformou o campo da guerra num laboratório de engenharia informacional. O que antes era balística e geopolítica, tornou-se engenharia de dados. O exército israelense entendeu que o domínio militar do século XXI depende tanto de tanques quanto de fluxos de informação, e que o poder sobre a narrativa é uma arma tão letal quanto o míssil guiado.

Desde a década de 2010, com o fortalecimento do complexo industrial de cibersegurança israelense — formado por egressos da Unidade 8200 e empresas como NSO Group, Cellebrite, AnyVision e Candiru — o país passou a exportar não apenas armas, mas metodologias de controle. Essas companhias, muitas vezes incubadas em estruturas militares, são as arquitetas de um modelo de guerra total, em que a informação é tanto alvo quanto projétil. O mesmo know-how usado para rastrear palestinos em Gaza alimenta softwares de vigilância vendidos a regimes autoritários, empresas de tecnologia e governos ocidentais. Israel não é apenas uma potência militar; é o epicentro da tecnopolítica da dominação.

Essa mutação da guerra — da bala ao algoritmo — redefiniu os campos de batalha. O espaço físico cedeu lugar às redes sociais, às plataformas e às zonas cinzentas da moderação de conteúdo. O inimigo, antes identificado por território ou uniforme, hoje é classificado por palavras-chave, geolocalização e padrões de comportamento digital. A distinção entre segurança e censura, entre proteção e manipulação, dissolveu-se. O mesmo aparato que monitora o inimigo serve para vigiar a população civil, reprimir dissidências e moldar percepções globais sobre o conflito.

No coração desse modelo está a ideia de “prevenção informacional”: o princípio segundo o qual a desinformação deve ser combatida antes que circule. É um conceito que, sob aparência racional, legitima o controle prévio da narrativa. Israel foi pioneiro em operacionalizar essa doutrina, transformando o controle de danos reputacionais em uma política de Estado. A guerra deixa de ser uma resposta ao ataque e passa a ser uma gestão contínua do sentido.

O que o mundo presencia hoje, nas plataformas digitais, é a expansão planetária dessa doutrina. Os algoritmos que decidem o que vemos ou deixamos de ver são herdeiros diretos do sistema de vigilância que sustenta a ocupação. É o mesmo raciocínio militar aplicado à esfera civil: identificar, classificar, neutralizar. A censura não é mais exceção; é infraestrutura. E a guerra, antes travada com armas, agora se prolonga como um regime informacional que molda percepções, emoções e consensos.

O genocídio de Gaza tornou-se o exemplo máximo dessa mutação. O massacre não é apenas físico; é mediático, semântico, perceptivo. Israel bombardeia corpos e simultaneamente controla o enquadramento de suas mortes. Destrói hospitais e, com ajuda de big techs, destrói o significado da palavra “hospital”. Nessa guerra, quem domina o algoritmo domina a verdade — e quem domina a verdade, domina o mundo.

O lawfare da palavra: compliance, lobby e censura disfarçada de legalidade

A guerra contemporânea encontrou no direito um de seus instrumentos mais sofisticados. O que antes se impunha pela força bruta, agora se legitima pelo vocabulário jurídico e corporativo. Israel e seus aliados compreenderam que, no século XXI, a censura precisa parecer ética, regulada, responsável — e nada cumpre melhor esse papel do que o discurso do compliance. Sob a bandeira da “segurança”, da “responsabilidade corporativa” e do “combate ao ódio”, constrói-se uma arquitetura legal que criminaliza a solidariedade e transforma empatia em infração.

Essa engrenagem opera com precisão milimétrica. Grandes plataformas são pressionadas por governos e lobbies pró-Israel a adotar políticas internas que equiparam a crítica ao sionismo ao antissemitismo. O mesmo enquadramento é replicado em órgãos multilaterais, fóruns empresariais e manuais de conduta digital. Quando um usuário denuncia o genocídio de Gaza, ele não está enfrentando apenas uma empresa de tecnologia: está enfrentando um ecossistema jurídico que redefine o sentido do crime. O lawfare, antes voltado contra líderes políticos e movimentos populares, agora se volta contra a própria linguagem.

O caso mais emblemático é o avanço silencioso das chamadas “definições ampliadas de antissemitismo”, promovidas por instituições como a International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA) e incorporadas por países europeus e agências de compliance digital. Essa definição, deliberadamente elástica, inclui críticas a políticas israelenses e apoio ao movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) como manifestações antissemitas. O resultado é um ambiente de censura preventiva: antes mesmo que um post viralize, ele é enquadrado como potencialmente “discriminatório”. A legalidade, nesse contexto, deixa de proteger a liberdade e passa a blindar o poder.

As empresas, temendo o estigma de financiar o “ódio”, aderem sem resistência. Meta, X, TikTok e YouTube assinam acordos com agências de monitoramento de discurso — muitas delas ligadas diretamente ao governo israelense ou a organizações sionistas internacionais — para rastrear e suprimir conteúdos críticos. As diretrizes de “segurança de marca” tornam-se instrumentos de coerção. Nenhuma corporação quer ver seu logotipo ao lado de um vídeo de Gaza. A moralidade corporativa substitui a ética pública.

Esse processo é potencializado por um sistema de lobby que mistura diplomacia, indústria e capital. Organizações como a Anti-Defamation League (ADL) e a Cyber Unit israelense atuam como intermediárias entre Estado e plataforma, moldando o que é ou não permitido circular. Israel, ao se colocar como guardião moral da luta contra o ódio, transforma a narrativa em território estratégico. E o Ocidente, cúmplice, aceita a ficção de que a censura é proteção — desde que ela sirva a seus interesses geopolíticos.

O mais perverso é que essa guerra jurídica contra a palavra não se limita à defesa de Israel. Ela estabelece precedentes para qualquer Estado ou empresa controlar o debate público sob o argumento da “responsabilidade”. O lawfare informacional é a face burocrática da guerra híbrida. Ele permite que o silêncio seja produzido legalmente, com carimbo de conformidade, parecer jurídico e selo ESG. É o triunfo da censura por dentro da norma.

O que se vê, portanto, não é apenas o controle de um discurso, mas a fabricação de um consenso. O direito, que deveria proteger a expressão humana, converte-se em campo de batalha. Cada termo, cada hashtag, cada frase pode ser reinterpretada como ameaça. E nessa disputa semântica, a liberdade de dizer morre em silêncio — soterrada sob o peso da legalidade.

O consórcio da narrativa: Big Techs, Israel e o Ocidente

Nenhuma censura sobrevive sozinha. Para que o apagamento seja eficaz, é preciso construir alianças, consolidar infraestruturas e definir padrões globais de controle. É exatamente isso que Israel e seus aliados ocidentais vêm fazendo — articulando um consórcio invisível entre governos, corporações tecnológicas e entidades de “verificação de fatos” que se apresentam como neutras, mas operam dentro de um alinhamento político rigoroso. O objetivo não é apenas moderar conteúdos, mas modular consciências.

As Big Techs são o braço operacional dessa aliança. As plataformas que prometiam conectar o mundo tornaram-se dispositivos de vigilância e filtragem narrativa. O Facebook, o X, o TikTok e o YouTube participam, de forma direta ou indireta, de programas de cooperação com o governo israelense por meio de agências como a Cyber Unit e o Ministry of Diaspora Affairs. Essas instituições atuam como uma polícia digital paralela: rastreiam postagens, elaboram listas de perfis críticos e enviam pedidos “informais” de remoção de conteúdo — quase sempre atendidos de imediato. Nenhuma lei formal obriga as plataformas a obedecer, mas o medo de retaliações, a pressão diplomática e o receio de perder acesso a contratos de segurança as tornam cúmplices dóceis.

Essa relação não é acidental. Israel construiu, nas últimas duas décadas, um capital tecnológico e moral que o posicionou como exportador global de soluções de cibersegurança e “gestão de reputação”. Startups formadas por ex-militares da Unidade 8200 abastecem as mesmas empresas que hoje operam a moderação de conteúdo em escala global. A expertise em vigilância e espionagem, desenvolvida para controlar palestinos, foi reembalada como serviço corporativo. O algoritmo que silencia Gaza é o mesmo que silencia denúncias trabalhistas, protestos ambientais e movimentos anticoloniais no Sul Global.

Washington e Tel Aviv compartilham uma visão comum: o controle da informação como condição de estabilidade política. O Vale do Silício é a retaguarda civil dessa doutrina. Quando o governo dos Estados Unidos pressiona plataformas a “combater a desinformação”, o que realmente está em jogo é a manutenção da hegemonia narrativa. A parceria com Israel oferece o álibi perfeito: em nome da luta contra o ódio, reproduz-se um sistema de censura seletiva.

No interior das empresas, essa aliança se materializa em comitês de “confiança e segurança”, políticas de “brand safety” e programas de “checagem” terceirizados para organizações alinhadas ao campo ocidental. Muitas dessas entidades recebem financiamento de fundações e think tanks ligados a governos ou conglomerados de mídia — os mesmos que têm interesse em manter o monopólio da interpretação dos fatos. O resultado é um ecossistema autorreferente, onde o discurso aceitável é definido por quem detém os cabos de fibra e as chaves dos servidores.

Israel é o laboratório; o Ocidente, o mercado. O modelo de censura testado em Gaza é exportado com selo de inovação ética. Países que antes denunciavam o autoritarismo digital agora o replicam sob a retórica do “combate ao extremismo”. A guerra de Gaza se converteu em um modelo de governança algorítmica: uma arquitetura global que define quem pode falar, o que pode ser visto e quais causas são aceitáveis.

Essa convergência entre poder estatal e corporativo é o núcleo da guerra híbrida do nosso tempo. O monopólio da verdade é construído por algoritmos privados que operam a serviço de interesses públicos não declarados. O genocídio é negado não com armas, mas com filtros. E o silêncio, novamente, é fabricado em série — embalado em linguagem de direitos humanos e entregue como serviço premium de segurança informacional.

As vítimas do apagamento: jornalistas, ativistas e povos silenciados

Todo sistema de censura começa pela justificativa e termina pelo esquecimento. O que está acontecendo nas redes sociais não é apenas um conflito de narrativas — é a anulação sistemática da existência de um povo. Gaza não está apenas sendo bombardeada; está sendo deletada. Cada imagem removida, cada post ocultado, cada perfil suspenso compõe o roteiro de um genocídio informacional que se soma ao físico. O apagamento digital das vozes palestinas é o prolongamento técnico da limpeza étnica.

Jornalistas locais — muitos deles trabalhando com celulares em meio aos escombros — têm seus conteúdos rotulados como “não verificados” ou “inadequados”. Agências independentes são bloqueadas por “violação de padrões comunitários”. Canais de comunicação palestinos são demonetizados ou apagados do mapa digital. O algoritmo não reconhece o sofrimento de um povo como informação; reconhece-o como risco de imagem. Ao mesmo tempo, perfis oficiais israelenses, mesmo quando propagam desinformação, permanecem intocados. O massacre ganha uma moldura de normalidade, enquanto o testemunho é tratado como ruído.

Em 2024 e 2025, relatórios da Human Rights Watch, Amnesty International e da ONU confirmaram que postagens sobre Gaza sofreram taxas de remoção e bloqueio desproporcionais. Hashtags como #FreePalestine, #StopTheGenocide e #CeasefireNow foram ocultadas ou despriorizadas nos algoritmos de busca do Instagram e do TikTok. Em muitos casos, perfis que publicavam fotos de vítimas eram temporariamente banidos. Era o sofrimento sendo moderado por compliance. A verdade, rebaixada a conteúdo sensível.

Esse apagamento não é apenas técnico — é psicológico e político. Quando as vozes palestinas desaparecem das timelines, o mundo perde o vínculo emocional com a realidade. A dor se torna abstrata, estatística, e o genocídio passa a ser percebido como um episódio distante, inevitável, quase natural. É o triunfo da desumanização via algoritmo: uma estética limpa, sem sangue, sem gritos, sem corpo. Um feed higienizado para uma consciência apática.

Os jornalistas palestinos são, nesse processo, duplamente alvos. São mortos nas ruas e silenciados online. O trabalho de testemunhar — que deveria ser protegido como essência da verdade — é tratado como infração contratual. Já os ativistas do mundo inteiro, especialmente árabes, latinos e progressistas, enfrentam o mesmo destino: bloqueios, shadow bans, perda de alcance e ameaças judiciais. A máquina global de censura não tem fronteiras. Ela pune quem ousa nomear o inominável.

Mas há algo ainda mais profundo: o apagamento simbólico da memória. Quando o registro da dor é apagado, a história se reescreve. O genocídio não deixa rastros, e a vítima desaparece também da narrativa. O crime perfeito, no século XXI, não é aquele sem testemunhas — é aquele cujas testemunhas foram silenciadas sob as regras de uma plataforma. A censura, travestida de “proteção”, transforma o assassino em gestor de reputação e a vítima em violadora de diretrizes.

É por isso que a luta contra a censura digital é, no fundo, uma luta pela humanidade. Manter viva a voz palestina é mais do que um ato de solidariedade: é um ato de resistência civilizacional. É recusar a normalização da barbárie e afirmar que nenhuma política de conformidade pode legitimar o desaparecimento de um povo. Porque quando a dor é proibida de falar, a verdade deixa de existir — e a história, mais uma vez, é escrita pelos que bombardeiam.

A engenharia do consenso: quando a censura vira modelo de governança

O que começou como um mecanismo emergencial de “combate ao ódio” transformou-se num modelo estrutural de governança informacional. A censura digital, antes justificada pela excepcionalidade da guerra, hoje é parte do funcionamento ordinário das plataformas e dos Estados. O laboratório israelense de controle narrativo em Gaza tornou-se um protótipo exportável: um modelo de administração do discurso humano por meio de algoritmos, protocolos jurídicos e pactos de obediência corporativa.

Essa nova engenharia do consenso não depende mais da coerção explícita. Ela opera pela gestão preventiva da visibilidade. O cidadão comum não precisa ser censurado; basta ser invisibilizado. A opinião dissidente não é mais criminalizada de imediato — é simplesmente rebaixada no feed, ocultada nos resultados de busca, classificada como “conteúdo sensível” ou “de baixo engajamento”. A censura, nesse formato, é sofisticada, silenciosa, automatizada e permanente. O que se produz é um consenso administrado, onde a diversidade de pensamento existe apenas enquanto não ameaça o núcleo do poder.

Israel foi pioneiro em institucionalizar essa lógica. A integração entre Estado, startups de segurança e Big Techs criou um modelo híbrido em que fronteiras entre o público e o privado desapareceram. Essa fusão é a essência do capitalismo de vigilância: corporações lucram com o controle enquanto Estados ganham estabilidade política. É uma simbiose de poder que torna qualquer resistência difusa e difícil de localizar. Não há um censor a ser combatido, mas um sistema inteiro.

O risco maior é que esse paradigma, testado no contexto da guerra, expanda-se para todas as esferas da vida social. Protestos ambientais, denúncias trabalhistas, mobilizações antirracistas — todos podem ser enquadrados como riscos reputacionais e, portanto, apagados. A arquitetura do silêncio, desenhada para Gaza, é exportada como serviço global de segurança digital. O genocídio deixa de ser exceção e vira referência.

A engenharia do consenso é, em última instância, a nova forma de governo. O século XXI não é apenas o tempo das democracias em crise; é o tempo das democracias geridas por algoritmos de conformidade. O voto decide menos do que a visibilidade. A narrativa conta mais do que a lei. E a liberdade, reduzida a cláusula contratual, depende da tolerância dos que controlam os cabos e servidores.

Diante desse quadro, resistir significa romper o circuito do silêncio. Significa criar brechas de visibilidade onde o algoritmo quer opacidade. Significa nomear o genocídio quando a legalidade quer silêncio. Porque se o modelo israelense de censura for normalizado como padrão global, não estaremos apenas diante da derrota da Palestina, mas diante da derrota da própria humanidade. O que se decide em Gaza é o futuro da palavra como forma de vida.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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