Intervenções da CIA na América Latina e os sinais de alerta no Brasil
Durante décadas, a América Latina foi o laboratório predileto da política externa norte-americana
As suspeitas levantadas por agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), conforme revelou o jornalista Jamil Chade no Portal Vero, reacendem uma história que o continente latino-americano conhece bem. A de intervenções orquestradas pelos Estados Unidos para moldar regimes, desestabilizar governos e garantir seus interesses estratégicos. Para os serviços de inteligência brasileiros, o comportamento coordenado de figuras como Eduardo Bolsonaro e a escalada de hostilidade de Donald Trump contra o governo Lula podem ser os sinais mais recentes de um roteiro que a CIA já executou no Brasi, com variações, em países como Chile, Argentina, Nicarágua, Guatemala e Venezuela.
O Manual da Intervenção
Durante décadas, a América Latina foi o laboratório predileto da política externa norte-americana para conter avanços de governos progressistas ou reformistas. A CIA, muitas vezes atuando nos bastidores, fomentou golpes militares, financiou grupos opositores e disseminou desinformação com o objetivo de garantir o alinhamento geopolítico da região aos interesses de Washington, quase sempre sob o pretexto da luta contra o comunismo, e mais recentemente, contra o populismo ou o “autoritarismo” de esquerda.
O caso mais emblemático da década de 1960 foi o golpe civil/militar que depôs o presidente João Goulart, e mergulhou o Brasil numa ditadura violenta e sanguinária que durou 21 anos. Nos anos 1970, o exemplo de destaque foi o golpe de 1973 no Chile, que depôs o presidente democraticamente eleito Salvador Allende. Documentos da CIA comprovam que a agência atuou diretamente no planejamento e apoio logístico ao golpe liderado pelo general Augusto Pinochet, que impôs ao país uma ditadura sangrenta de 17 anos.
Na década de 1980, a CIA esteve profundamente envolvida no financiamento e armamento dos "contras" na Nicarágua, com o objetivo de derrubar o governo sandinista. A operação ficou conhecida como "Irã-Contras", revelando o uso de dinheiro obtido ilegalmente com a venda de armas ao Irã para financiar milícias no território nicaraguense. O padrão era claro. Instrumentalizar atores locais para criar instabilidade interna e justificar ações externas.
O Brasil sob nova ofensiva
De acordo com fontes ouvidas por Jamil Chade, há uma percepção crescente dentro da Abin de que o Brasil estaria sendo alvo de um novo tipo de intervenção. Mais sutil, porém igualmente perigosa. O comportamento de Eduardo Bolsonaro, cada vez mais radicalizado e agressivo contra a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal, e indiferente às normas de seu próprio mandato parlamentar, indicaria um grau de confiança e proteção que só se explica com respaldo internacional.
Essa suspeita ganha força quando cruzada com o comportamento do presidente Donald Trump, que reservou ao Brasil tarifas punitivas sem precedentes e tem adotado um discurso de ruptura total com o governo Lula. Para analistas, a retórica agressiva de Trump serve como um escudo e incentivo para a atuação de aliados no Brasil, alinhados ideologicamente ao trumpismo.
Mais do que coincidência, os dois movimentos — interno e externo — estariam conectados por uma lógica de guerra híbrida, na qual se utilizam instrumentos como desinformação, pressão econômica, sabotagem política e cooptação de lideranças locais. Trata-se, segundo um agente da Abin destacado no exterior, ao qual Jamil Chade se refere, de "um típico roteiro elaborado pela CIA, alimentando atores nacionais para justificar um interesse estratégico estrangeiro".
O que está em jogo
O pano de fundo dessa suposta operação tem contornos geopolíticos evidentes. A aproximação do Brasil com os BRICS, especialmente com China e Rússia, a defesa de uma ordem multipolar pelo governo Lula e a postura soberana do país em fóruns internacionais não são bem vistas por setores mais conservadores dos EUA, particularmente pelo núcleo ideológico trumpista. Nesse contexto, enfraquecer o governo brasileiro e inflamar movimentos de extrema-direita se torna funcional a uma estratégia de cerco.
A história mostra que tais operações não acontecem do dia para a noite, nem se revelam em evidência explícita. Ao contrário, são sustentadas por uma cadeia de eventos cuidadosamente costurados: líderes locais inflados pela mídia, ataques sistemáticos às instituições democráticas, produção de crises políticas artificiais, pressão econômica seletiva.
Lições do passado, alertas do presente
A lição clara deixada pelas intervenções da CIA na América Latina é a de que a desestabilização institucional não resulta em fortalecimento da democracia. Pelo contrário, os países que sucumbiram a esse tipo de ingerência enfrentaram décadas de autoritarismo, tortura, assassinatos, violações de direitos humanos e perda de soberania.
O Brasil deve levar essas suspeitas a sério. O monitoramento de atores locais financiados ou inspirados por interesses estrangeiros e a defesa das instituições republicanas são os antídotos fundamentais para resistir à repetição desse roteiro sombrio.
A denúncia implícita no artigo de Jamil Chade é mais do que uma pista de bastidor. É um chamado à vigilância cívica. Ignorar os sinais seria repetir tragédias. E o Brasil já pagou caro demais por isso no passado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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