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Arnóbio Rocha

Advogado civilista, membro do Sindicato dos Advogados de SP, ex-vice-presidente da CDH da OAB-SP, autor do Blog arnobiorocha.com.br e do livro "Crise 2.0: A taxa de lucro reloaded".

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Fux e a banalização do mal

Voto de Luiz Fux no STF afronta a democracia, reescreve a história e ecoa o discurso da extrema-direita

Luiz Fux (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

O voto de mais de 11 horas proferido pelo ministro Luiz Fux foi como uma espada: longo e chato. Cansou a beleza e a feiura de todo mundo e surpreendeu pela indignidade contra o Estado Democrático de Direito e contra seus pares do STF. Sem nenhum rigor ou pudor, ele negou a história — não apenas a do Brasil recente, mas do mundo. A violência contra a democracia ganhou um capítulo à parte com esse voto tão infeliz.

Foi um voto ideológico e político, uma declaração de amor à extrema-direita, um manifesto contra a democracia, com crassos erros jurídicos que não se permitiriam a um ministro da Suprema Corte do Brasil. Mas parece que ele não teve nenhuma preocupação com o rigor ao proferir o interminável voto, que rompeu com qualquer urbanidade em relação aos seus pares da Casa. Em vez de entrar para a história, votou para sair dela, com um visto para Miami.

“Esqueçam tudo o que fiz e tudo o que votei até ontem” é uma frase implícita no voto. Embora ausente, é a conclusão possível, visto que Fux negou o óbvio. Nem mesmo os advogados dos réus ousaram dizer que não houve tentativa de golpe. Ele fez mais: negou a si mesmo, pois, em 14 anos de STF, nunca em tempo algum foi juiz garantista, nem de longe.

A sensação de quem o ouvia era de tortura: uma aflitiva audiência, interminável, que foi uma homenagem à brutalidade e à estupidez. Digno de um tio do pavê e/ou de uma tia do zap, que vivem nesse mundo paralelo do terraplanismo em que suas opiniões estapafúrdias valem mais do que a ciência, mais do que o conhecimento milenar, apenas porque seus achismos seriam a representação da “liberdade de expressão”.

Fux fez ainda mais. Além de negar todos os seus duros votos para condenar os peixinhos do 8 de janeiro (os tais velhinhos e velhinhas, o sorveteiro, a manicure), sem que jamais tenha alegado a incompetência “absoluta” do STF, ontem, para os tubarões, acatou todas as teses, negando atos e fatos dos chefes da intentona e afirmando que o julgamento deve ser completamente anulado.

O voto é a consumação da vergonha alheia, ofende à inteligência humana, elaborado provavelmente usando a chamada Inteligência Artificial. Consegue simplesmente dizer que não houve 8 de janeiro e que os tais “malucos”, pela conclusão do voto, eram comandados por Mauro Cid, eventualmente por Braga Netto, que resolveram fazer uma “festa surpresa” para Bolsonaro. Vendado, ele entraria no Palácio do Planalto em 9 de janeiro e continuaria no poder.

Nada no voto do ministro Fux é digno de nota, nada. Aliás, há: poderia ser levantado que todas as nulidades acolhidas o foram no tempo errado, pois deveriam ter sido analisadas ao receber a denúncia, o que poderia ter poupado mais de 4 horas de deselegância jurídica.

Fux nos surpreendeu para pior (alguém tinha dúvida? Mas ele se superou). De alguma forma, dialoga com o bolsonarismo, a expressão do ódio político. Ele concorda objetivamente com aquelas demonstrações de incivilidade na Paulista proferidas por Tarcísio de Freitas, tal qual fazia diuturnamente Bolsonaro, quando ameaçava seus adversários, inclusive seu colega de STF, o ministro Alexandre de Moraes.

A liberdade de expressão é a nova excludente de ilicitude. Ao ser evocada, nada é proibido. Para essa tal de liberdade de expressão, ele criou o condão de permitir qualquer prática criminosa, especialmente do réu Jair Bolsonaro (e de Tarcísio), afirmando que suas falas não podem ser qualificadas como golpistas e que não cometeriam crimes.

É o voto do pavor, da indignidade. Expôs os ministros e a ministra para serem vítimas das hordas selvagens da internet, o que leva à indagação central:

Por que fez esse voto?

O que decorre para a próxima questão: para quê? E desta, para quem?

Pesadelo para todos e todas que defendem a democracia e o Estado de Direito, ainda que se saiba que, ao fim e ao cabo, não mudará o resultado do julgamento. No entanto, o voto de Fux deu voz ao discurso do ódio à democracia e às instituições, deu razões a Trump, atual presidente dos Estados Unidos, para atacar a soberania nacional. A boçalidade vibrou!

Triste.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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