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Luis Pellegrini

Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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Fantasma do macarthismo está de volta nos Estados Unidos

Enquanto no passado o condutor da perseguição era um senador, hoje é o próprio presidente dos Estados Unidos quem ocupa esse papel

Presidente dos EUA, Donald Trump (Foto: Reuters)

Censura à imprensa, listas negras de adversários políticos, demonização dos opositores, pressões sobre universidades e sobre o setor cultural. Esses elementos, que marcaram um dos períodos mais sombrios da democracia americana, parecem reaparecer hoje, em pleno século 21, durante o segundo mandato de Donald Trump. A pergunta feita recentemente pelo Financial Times - “O macartismo está de volta?” - ecoa tanto na sociedade americana quanto fora dela, sinalizando uma inquietação legítima sobre o rumo das instituições.

O último episódio da série de desmandos de viés autocrata cometidos pelo governo Trump ocorreu há poucos dias: a suspensão do talk show do jornalista televisivo Jimmy Kimmel pela Disney após comentário crítico, sob pressão da Casa Branca. Mas afinal, o que disse Jimmy Kimmel? Na abertura de um dos episódios do seu programa, ele acusou o movimento “MAGA” (pró-Trump) de estar “fazendo de tudo para marcar pontos políticos” a partir do assassinato de Charlie Kirk. Também fez uma comparação da forma como Donald Trump reagiu à morte de Kirk, dizendo que foi algo comparável a “uma criança de 4 anos chorando por um peixinho dourado”. 

O que foi o macarthismo - O termo “macarthismo” refere-se à campanha de perseguição política contra as esquerdas conduzida pelo senador republicano Joseph McCarthy entre o final dos anos 1940 e meados dos anos 1950. O contexto era o da Guerra Fria: o fim da aliança com Moscou após a Segunda Guerra Mundial e a emergência de uma disputa geopolítica entre EUA e URSS, acompanhada pela paranoia anticomunista interna.

Sob esse clima, intelectuais, sindicalistas, artistas, acadêmicos, jornalistas e até funcionários do governo foram acusados de atividades “antiamericanas”. Bastava uma suspeita para ser incluído em listas negras, perder o emprego, sofrer interrogatórios públicos ou enfrentar prisões. Em alguns casos, como o do casal Julius e Ethel Rosenberg - executados na cadeira elétrica por espionagem nuclear em favor da União Soviética - a perseguição resultou na pena de morte.

O macarthismo não se limitou à política institucional: tornou-se um movimento cultural repressivo, afetando profundamente Hollywood, universidades e a vida intelectual. Escritores como Arthur Miller, músicos como Leonard Bernstein e cineastas como Charlie Chaplin foram hostilizados ou silenciados. A expressão “caça às bruxas” passou a designar essa combinação de perseguição, difamação e ausência de provas concretas.

As engrenagens da perseguição - O senador McCarthy não teria conseguido sozinho desencadear um processo tão amplo. Seu movimento encontrou respaldo no Executivo - primeiro com Truman e depois com Eisenhower -, no Legislativo - através da comissão de atividades “antiamericanas” da Câmara -, no Judiciário - com juízes e procuradores como Roy Cohn, que anos mais tarde se tornaria mentor de Donald Trump - e no FBI de Edgar J. Hoover, que liderou uma verdadeira cruzada contra a esquerda americana.

Essa rede de colaboração transformou o anticomunismo em política de Estado e contribuiu para a exclusão social não apenas de comunistas declarados, mas também de judeus, homossexuais e progressistas em geral.

As semelhanças com o presente - Setenta anos depois, o fenômeno reaparece em nova forma. A retórica de Trump contra a chamada “ameaça interna” - definida por ele como mais perigosa do que qualquer inimigo externo - guarda semelhanças claras com o discurso de McCarthy. A suspensão de programas televisivos críticos, a ameaça de retirar licenças de emissoras de TV oposicionistas e a intimidação de artistas e acadêmicos criam um clima de vigilância e exclusão reminiscentes dos anos 1950.

A diferença central, contudo, reside no protagonismo: enquanto no passado o condutor da perseguição era um senador, hoje é o próprio presidente dos Estados Unidos quem ocupa esse papel. Essa mudança altera a escala e a gravidade do fenômeno.

O papel das instituições - Outra diferença significativa está na posição da Suprema Corte. Nos anos 1950, sob a presidência de Earl Warren, a Corte funcionou como um freio ao excesso repressivo, ajudando a encerrar o ciclo do macarthismo. Atualmente, após as nomeações feitas por Trump em seu primeiro mandato, a Suprema Corte tem maioria ultraconservadora e já demonstrou afinidade com sua agenda política. É incerto se, diante de uma escalada autocrática, a instituição atuaria como contrapeso ou se legitimaria o processo.

A comparação entre macarthismo e trumpismo mostra que a história não se repete em seus detalhes, mas pode retornar em sua lógica. O que antes era um movimento de um senador ganhou agora a força do Executivo e encontra respaldo em instituições remodeladas para sustentar sua visão de poder.

Esse paralelo ajuda a compreender por que muitos analistas consideram o momento atual mais arriscado que o dos anos 1950. Como advertiu o ex-presidente Barack Obama, os Estados Unidos vivem uma encruzilhada histórica. O macarthismo comprometeu a vitalidade democrática de seu tempo; o trumpismo, ao retomar seus métodos em contexto mais polarizado e com maior concentração de poder, pode representar uma ameaça ainda mais profunda à democracia americana.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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