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Sara York

Sara Wagner York (também conhecida como Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior) é bacharel em Jornalismo, doutora em Educação, licenciada em Letras – Inglês, Pedagogia e Letras Vernáculas. É especialista em Educação, Gênero e Sexualidade, autora do primeiro trabalho acadêmico sobre cotas para pessoas trans no Brasil, desenvolvido em seu mestrado. Pai e avó, é reconhecida como a primeira mulher trans a ancorar no jornalismo brasileiro, pela TV 247

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Educação inclusiva sob ameaça: o fantasma da era McCarthy na Universidade da Califórnia

UC Berkeley entrega nomes de docentes e alunos ao governo Trump e reacende o fantasma do macartismo contra vozes dissidentes

Futuros alunos visitam o campus da Universidade da Califórnia, Berkeley, antes do início do novo semestre, em Berkeley, Califórnia, EUA, em 8 de junho de 2023 (Foto: REUTERS/Carlos Barria)

A notícia de que a Universidade da Califórnia, Berkeley — berço histórico do movimento pela liberdade de expressão nos anos 1960 — entregou ao governo Trump os nomes de 160 professores, estudantes e funcionários acusados de envolvimento em “supostos incidentes antissemitas” reacende uma ferida que a história já havia tentado cicatrizar: o fantasma da Era McCarthy.

Naquele período sombrio dos anos 1950, a simples suspeita de simpatia comunista foi suficiente para destruir carreiras, expulsar professores e interditar artistas. Hoje, o mesmo mecanismo de vigilância política e criminalização de dissidências ressurge, agora sob o pretexto da luta contra o antissemitismo, mas, na prática, atingindo estudantes internacionais, professores vulneráveis e vozes críticas ao Estado de Israel.

Entre os nomes atingidos está Judith Butler — filósofa feminista e teórica queer — que, ao receber a notificação da UC Berkeley, afirmou estar em um “país de Kafka”, onde acusações surgem sem rosto, sem provas, sem direito de defesa.

O que isso nos ensina sobre educação inclusiva?

Uma universidade inclusiva não é apenas aquela que adapta suas salas de aula, mas a que garante o direito de pensar, discordar e existir plenamente em sua diferença. Quando listas secretas substituem o diálogo e a denúncia anônima vira sentença, instala-se um ambiente de medo que cala sobretudo os mais vulneráveis — estudantes migrantes, pesquisadores sem estabilidade, jovens que ousam questionar a ordem.

A lógica da perseguição, fantasiada de legalidade, é a mesma que atinge corpos trans, negros, periféricos e pessoas com deficiência no Brasil: ser diferente ainda é ser considerado perigoso. Por isso, defender a inclusão não pode ser apenas um discurso de acessibilidade arquitetônica; é lutar para que o espaço acadêmico não se transforme em trincheira de controle e silenciamento.

Democracia e dissidência caminham juntas

Se a UC Berkeley, referência mundial em liberdade acadêmica, sucumbe à pressão governamental trumpista, que lição deixamos para as futuras gerações? Que pensar criticamente pode custar a deportação de um estudante internacional? Que ensinar filosofia crítica pode colocar o nome de uma professora em uma lista secreta?

Educação inclusiva é, sobretudo, educação para a democracia. É permitir que debates sobre Palestina, Israel, racismo, transfobia ou capacitismo ocorram sem medo, sem listas de suspeitos, sem ameaças de represália.

Resistir é também educar

Como professora travesti e pesquisadora, insisto: precisamos transformar esse alerta em ação. Universidades não podem capitular ao controle político. Precisam resistir como espaços de pensamento, diversidade e afeto — não de delação.

Se o fantasma da Era McCarthy volta a assombrar, nossa resposta deve ser o contrário do medo: uma prática pedagógica radicalmente inclusiva, que acolhe as vozes dissidentes e protege seus corpos e trajetórias. Porque sem isso, não há universidade — e não há democracia. Aqui no Brasil, por ora, seguimos em procissão à questão que não se cala: resistiremos a 2026?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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