Domando o som e a fúria do Império do Caos
Estariam a China-Rússia – e boa parte da Maioria Global – realmente prontas? Chame-se a isso de um voto auspicioso
Feche a porta, apague a luz
Você sabe que eles não vão estar em casa à noite
A neve cai pesada e sabe de uma coisa?
Os ventos de Thor sopram gelados - Led Zeppelin, No Quarter
Em questão de menos de um ano, o know-how científico russo produziu quatro sucessos espetaculares:
- O Oreshnik: míssil hipersônico, já testado no campo de batalha da Ucrânia.
- O Burevestnik: ou “Stormbringer”, com aquele belo toque Deep Purple. Míssil de cruzeiro nuclear de alcance ilimitado.
- O Poseidon: torpedo nuclear, capaz de passeios subaquáticos indetectáveis por tempo ilimitado. Sob comando, ele ataca as costas inimigas com uma carga útil nuclear, provocando um tsunami radioativo. Supera em muito o poder destrutivo do Sarmat, o maior míssil balístico intercontinental russo.
- O Khabarovsk: submarino nuclear. Podem chamá-lo de Mensageiro da Perdição: capaz de entregar ao menos seis Poseidons, criadores do Juízo Final.
O presidente Putin foi meridianamente claro ao detalhar alguns dos principais fatos. Os “sistemas nucleares compactos” usados no Burevestnik e no Poseidon “também podem ser usados para criar novas fontes de energia, inclusive para o Ártico”.
Putin ressaltou também que tanto o Burevestnik quanto o Poseidon “usam apenas componentes russos”. Graças ao Senhor por aqueles chips vindos de máquinas de lavar roupa soviéticas.
E ainda há muito mais a caminho, na linha do Burevestnik e do Poseidon: “Estou falando do... sistema Avangard, ou da produção em série do sistema de mísseis Oreshnik… e em breve do míssil intercontinental pesado Sarmat”.
O Sarmat – apelidado de Satã II – entrará em combate no ano que vem: um míssil balístico intercontinental superpesado, portando dez ogivas pesadas e compatível com o planador hipersônico Avangard, capaz de se desviar de qualquer sistema de mísseis antibalísticos.
Bem-vindos à nova geração de mísseis de cruzeiro nucleares da Rússia, com reatores que se conectam em questão de segundos, com três vezes a velocidade do som, indo para o status de hipersônico.
Resumindo: o Burevestnik e o Poseidon “irão assegurar paridade estratégica para todo o século XXI”.
Muda a cena para o ensurdecedor silêncio ouvido por toda a esfera do OTANistão – permeado pelo indefectível cacarejar de “os russos estão blefando”.
Quem se importa? Os fatos são teimosos e continuam incontroversos. Fatos extras: Putin e Xi assinando a lei que cria o acordo de investimentos de proteção mútua, que se traduz como a China protegendo as empresas russas no valor de um trilhão de dólares, Sberbank, Rosneft e Lukoil, no caso de uma potencial guerra entre a OTAN e a Rússia.
Ou, em termos dos corredores de conectividade eurasianos, temos Putin, durante a cúpula Rússia-Ásia Central, propondo a unificação dos projetos logísticos eurasianos em uma rede única: “Isso nos permitiria aumentar exponencialmente o volume dos transportes internacionais na região compartilhada por nós”.
O maciço potencial econômico-comercial da Eurásia ainda permanece em grande medida inexplorado. Corte para a meta russo-chinesa de construir um cinturão produtivo-tecnológico indo do Extremo Oriente russo até a Ásia Central.
Não há acordo sobre Rússia-China
Bem, esses nítidos fatos são inerentes à nova realidade global que vem surgindo, hoje um processo histórico – em forte contraste com os paroxismos do Desespero Profundo exibido pelo fragmentado Ocidente e, significativamente, pelas provocações unilaterais do Império do Caos.
A prova A é, é claro, a Venezuela.
O Dono do Circo – em uma nova remixagem da guerra às drogas encontrando a guerra em terra – está pensando nas possibilidades:
Bombardear as bases militares venezuelanas; empregar os SEALs da Marinha americana para capturar ou matar o presidente Maduro; “assegurar” – significando invadir e tomar os campos de petróleo venezuelanos depois de controlar seus principais campos de aviação; ou até mesmo tudo o que foi citado acima.
O governo Trump 2.0, ignorando totalmente o Congresso dos Estados Unidos e, é claro, a ilegalidade de assassinar governantes estrangeiros, já vem redigindo suspeitíssimas “justificativas” legais para perseguir Maduro como “narcoterrorista” – para a grande alegria da tenebrosa quinta-colunista María Corina Machado, a Guaidó-fêmea ganhadora do Prêmio Nobel.
Operações psicológicas totais estão em pleno vigor – acompanhadas de intimidadores bombardeiros B-52 e B-1, e do emprego do porta-aviões USS Gerald R. Ford e de tropas de milhares de homens.
Os venezuelanos, entretanto, não se deixaram impressionar. Diego Sequera, da excelente Mission Verdad, observa que “a julgar pelo que se vê por aqui, a impressão que dá é que nada irá acontecer. Nenhum colapso social, ninguém entrando em pânico. Todos cuidando da própria vida, indo atrás de la plata em um clima de festas de fim de ano”.
Mesmo assim, eles têm que vencer o Dono do Circo – que quer tanto aquele petróleo todo (a tomada dos recursos naturais é essencial para manter o Império) e o patético gusano neocon Marco Rubio, cuja única obsessão na vida é a mudança de regime na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua.
O que nos leva mais uma vez ao insolúvel drama do Império do Caos. O Trump Sempre Amarela, mesmo que seu cérebro não seja capaz de conceituá-lo, talvez acordando para os duros fatos da vida: ele não consegue “vencer” – ou impor um “acordo” à parceria estratégica Rússia-China.
Ao contrário: ele tem que encontrar táticas diversionistas para escapar do fato de que vem sofrendo uma maciça derrota estratégica na Ucrânia (sim, agora é a guerra dele), enquanto simplesmente não tem as cartas (todas feitas na China) para ganhar uma prolongada guerra comercial-tarifária contra Pequim, como demonstrado naquele G-2 da Coreia do Sul. O desacoplamento gerenciado já está em vigor.
Mesmo assim, a suprema ilusão do poderio militar americano persiste, graficamente encarnada no apalhaçado Secretário das Guerras Eternas. Não dá para atacar Moscou ou Pequim? Caracas serve, então.
Ah, aquele som e fúria shakespeareanos, significando... nada, quando o Império do Caos se autodevora recolonizando seus cachorrinhos vassalos (a Europa), no estilo da extorsão financeira, ao mesmo tempo em que ameaça/intimida latitudes específicas do Sul Global.
Emmanuel Todd resumiu tudo de forma sucinta. O que fazer quando “essa, de fato, é a primeira derrota estratégica americana em escala global, no contexto de desindustrialização maciça nos Estados Unidos e da reindustrialização difícil”, quando já é “tarde demais para competir [com a China] em termos industriais”.
Daí o Dono do Circo valentão e vociferante, sem dizer uma única palavra (um milagre em seu caso particular), amarelar cada vez mais quando se trata da Rússia-China.
Esse é o sinal para irmos para a nova série da Netflix: O Império da Ira, de forma irracional, partindo para cima de qualquer um, de qualquer país que ele julga mais fraco, em uma demonstração explícita de seu tremendo ressentimento. Aqueles barcos de pesca estão cheios de terroristas porque eu digo que estão. Mate-os a todos.
Um perigo adicional é que os euro-chihuahuas se inspirem nesse ímpeto irracional para intensificar em escala intergaláctica suas provocações russofóbicas. A única maneira racional de lidar com eles seria com um Oreshnik.
As montanhas são altas, mas o Imperador está por toda a parte
Um clássico dito chinês, repetido de dinastia a dinastia, afirma alegremente que “As montanhas são altas e o Imperador está muito distante”. Bem, em nosso caso contemporâneo, não há montanha alta o bastante – para citar Motown – e o onisciente Imperador do Caos, empoderado pela IA, está por toda a parte.
Mas mesmo isso não é o bastante para evitar que ele caia em sua própria bolha esquizofrênica, desencadeando um medo primal nas plutocracias interligadas do Big Money, do Big Oil e da Big Tech.
Central Distopia: não é difícil desenhar o mapa do profundo e escuro vazio geoestratégico no qual as autodenominadas “elites” afundaram.
O que nos leva a como – e em que registro – a liderança russa vem assistindo ao espetáculo.
Talvez o Trump 2.0 provoque uma escalada na Ucrânia – ou talvez não. Pode haver um ataque mais devastador ao Irã – ou talvez não. Pode haver uma tentativa séria de mudança de regime na Venezuela – e essa é quase certa. O Trump 2.0, afinal, – acompanhado de oligarcas sionistas no vocal de apoio – é território privilegiado de matadores psicóticos.
E então há a quimera suprema: a desdolarização – que vem acontecendo na prática, de forma lenta, mas segura, sem ser nomeada, em diversos domínios. Há apenas quatro meses, o Dono do Circo estava em pânico: “Os BRICS foram criados para nos prejudicar; os BRICS foram criados para degenerar nosso dólar e fazer nosso dólar deixar de ser o padrão”.
O pânico não passou. Então, quando em dúvida – e quando não der para atacar a Rússia-China – a segunda melhor oportunidade é atacar outro membro dos BRICS. Exigir a capitulação do Irã. Ou então... Teerã, tanto quanto Caracas, não se deixou impressionar.
A sabedoria chinesa, mais uma vez, resolveria o enigma: “Deixe que ele seja forte, a brisa soprará por sobre os montes; deixe que ele seja arrogante, a lua brilhará sobre os vastos rios”.
Vai ser uma viagem acidentada – olhar o Império do Caos de baixo para cima sem deixar que ele desencadeie a Demência Total, desestabilizando África, o Oeste Asiático, Caribe, todos os lugares, usando o manual de instruções da al-Qaeda na Síria (o antigo cortador de cabeças logo vai ser recebido no Salão Oval).
Estariam a China-Rússia – e boa parte da Maioria Global – realmente prontas? Chame-se a isso de um voto auspicioso.
Tradução de Patricia Zimbres
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



