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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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Do perito ao profeta: a farsa messiânica de Eduardo Tagliaferro

Entre denúncias arquivadas, autopromoção em cortes irrelevantes e ataques sem provas, Eduardo Tagliaferro transformou sua queda em um espetáculo pessoal

Publicações de Eduardo Tagliaferro (Foto: Reprodução / Redes sociais)

No submundo da política brasileira, onde reputações são forjadas e destruídas na velocidade de um clique, poucas trajetórias recentes ilustram de forma tão nítida o desespero por validação como a de Eduardo Tagliaferro. Ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral, alçado ao picadeiro da extrema direita como candidato a mártir, Tagliaferro tenta se tornar o protagonista de um espetáculo que ele mesmo escreveu. 

No entanto, o roteiro de sua peça revela mais sobre suas próprias fissuras do que sobre os inimigos que ele alega combater. Para entender a natureza de sua cruzada, é preciso olhar não para quem ele ataca, mas para quem ele, silenciosamente, representa tudo o que ele jamais será: Letícia Sallorenzo.

As denúncias de Eduardo Tagliaferro vinham sendo feitas havia mais de um ano, sem grande repercussão, até que ganharam palco em 2 de setembro de 2025, na Comissão de Segurança Pública do Senado. Ex-assessor do TSE, ele acusou Alexandre de Moraes e o juiz instrutor Airton Vieira de ordenar a produção de relatórios retroativos para legitimar a operação contra empresários em agosto de 2022, investigação que acabou arquivada em 18 de agosto de 2023. Nesse processo, disse ter recorrido a uma fonte infiltrada em grupos de WhatsApp, cuja intermediação atribuiu a Letícia Sallorenzo, citada sem provas concretas de envolvimento ou de influência sobre o Judiciário.

A busca frenética de Tagliaferro por um lugar ao sol não é movida por um ideal de justiça, mas por uma necessidade quase patológica de notoriedade. Sua carreira foi abruptamente interrompida não por uma perseguição política, mas por acusações graves e de natureza muito pessoal: violência doméstica e participação em organização criminosa. Com a credibilidade profissional e pessoal em ruínas, restou-lhe o caminho mais curto para a relevância no ecossistema bolsonarista: a criação de um inimigo gigante, personificado no Judiciário, para se vender como um Davi moderno. Suas denúncias, apresentadas com a pompa de quem revela um segredo de Estado, são a performance de um homem que precisa desesperadamente de um palco para não encarar o próprio reflexo.

Nesse teatro do absurdo, Letícia Sallorenzo surge como sua antítese perfeita, o espectro da legitimidade que o assombra. Jornalista, linguista e pesquisadora, sua autoridade não emana de escândalos ou alianças de ocasião, mas de um trabalho meticuloso e consistente. Autora de uma obra como "Gramática da Manipulação", ela dedica sua carreira a decifrar e expor exatamente o tipo de guerra informacional que figuras como Tagliaferro tentam instrumentalizar. Enquanto ele fabrica uma narrativa de perseguição para ofuscar suas próprias transgressões, ela constrói, com rigor acadêmico, as ferramentas para desmontar tais farsas. Ele é o ruído; ela é a análise. Ele é o caos; ela é o método.

É aqui que a questão de gênero se torna incontornável. Tagliaferro não precisa atacar Sallorenzo diretamente para fazer dela um bode expiatório simbólico. Em uma sociedade estruturalmente misógina, a figura de uma mulher intelectualmente sólida e publicamente respeitada representa um espelho incômodo para homens cujo ego não acompanha suas ambições. O complexo de inferioridade de Tagliaferro se manifesta em sua tentativa de invalidar o próprio sistema que confere a pessoas como Letícia sua credibilidade. Ao atacar as instituições e a integridade dos processos, ele não ataca apenas um ministro; ele ataca a própria ideia de que o mérito, a ética e o conhecimento são os pilares da autoridade. É uma tentativa de criar um mundo onde sua palavra, contaminada por interesses e acusações criminais, possa ter o mesmo peso da pesquisa e da análise dela.

Psicologicamente, a dinâmica é a de uma projeção. Incapaz de alcançar a relevância por vias legítimas, Tagliaferro projeta sua inaptidão e seus fracassos em um sistema que ele acusa de corrupto. É uma confissão de sua própria impotência. Ele personifica o ressentimento do homem que, sentindo-se diminuído, tenta quebrar tudo ao redor para se sentir maior. Letícia Sallorenzo, com sua trajetória limpa e seu capital intelectual, é a personificação silenciosa de tudo que ele não pode comprar, forjar ou destruir. Ela representa a integridade, um conceito que parece ter sido apagado de seu manual de operações.

Diante do uso indevido de seu nome e dos ataques virtuais, Letícia Sallorenzo acionou seus advogados. Em nota de 8 de setembro de 2025, o escritório Flora, Matheus e Mangabeira repudiou as declarações de Tagliaferro e a propagação de notícias falsas e dados pessoais da pesquisadora, anunciou que as ofensas estão sendo registradas para ações judiciais e reafirmou a defesa da honra, da segurança e do livre exercício do jornalismo e da pesquisa acadêmica.

Nas redes sociais, Tagliaferro virou personagem de si mesmo. Antes, seus perfis mostravam a rotina de um perito comum, com posts sobre trabalho e eventos técnicos. Agora, são vitrines de autopromoção com cortes e montagens de entrevistas no ciclo mais inexpressivo do bolsonarismo. É como se houvesse um Tagliaferro do “Velho Testamento”, discreto, e outro do “Novo Testamento”, obcecado pela própria imagem, que se compara a Eduardo Bolsonaro e se fantasia de líder de multidões.

No fim, a obsessão de Tagliaferro não é por uma pessoa, mas pelo que essa pessoa representa: um mundo onde os fatos importam, onde a credibilidade é construída e onde a justiça não é apenas uma ferramenta de vingança pessoal. Ele pode continuar a gritar no palco que montou para si mesmo, mas o silêncio do trabalho sério de Letícia Sallorenzo e de tantos outros como ela sempre será a resposta mais definitiva ao seu vazio. Ele luta para ser alguém que nunca foi, enquanto ela simplesmente é. E essa é uma batalha que ele já perdeu.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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