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Jorge Folena

Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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Desafio para o STF: fazer valer os direitos sociais é afirmar a democracia

Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral

Estátua da Justiça no prédio do STF em Brasília (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

O presidente Lula, em seu discurso na ONU, afirmou que, para haver democracia, é preciso que se efetivem os direitos sociais, pois são essenciais para a existência de uma sociedade sem desigualdades, fome e pobreza. Ele fez questão de frisar que:

“Democracias sólidas vão além do ritual eleitoral. Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades e a garantia dos direitos mais elementares: alimentação, segurança, trabalho, moradia, educação e saúde. A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos dos parceiros e familiares. Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo. A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo. Por isso, foi com orgulho que recebemos da FAO a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025.”

O discurso do presidente Lula se alinha com a ideia de que a felicidade e o bem-estar geral deveriam ser objetivos perseguidos por todas as instituições. Nesse sentido, suas palavras encontram as do Dr. Freud, que disse, na obra O mal-estar na civilização, não compreender “por que as instituições por nós mesmos criadas não trariam bem-estar e proteção para todos nós”. Ou seja, o conceito de democracia efetiva exige um grau de justiça, felicidade e bem-estar para todos, que instituições como a ONU não têm proporcionado.

No mesmo sentido, Montesquieu, em seu Espírito das leis, afirma que “o amor pela democracia é o amor pela igualdade”, esclarecendo que “o amor pela democracia é também o amor pela frugalidade. Nesse regime, devendo todos gozar das mesmas felicidades e regalias” e “fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças, coisas que só se pode esperar da frugalidade geral”.

A liberdade formal (inaugurada a partir da Revolução Francesa de 1789, que afirmou os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade) não assegurou as necessidades vitais da maioria da população, que, séculos depois, ainda vive explorada e subjugada política e economicamente. Assim, a democracia liberal, principalmente sob a ordem capitalista, “não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica, mas a deixa fundamentalmente intacta”, como diz a cientista política Ellen Wood, que afirma ainda que: “o capitalismo tornou possível conceber uma ‘democracia formal’, uma forma de igualdade civil coexistindo com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações econômicas entre a ‘elite’ e a ‘multidão trabalhadora’.”

Na verdade, o discurso do presidente Lula na ONU se identifica plenamente com a Constituição de 1988, que, desde o seu preâmbulo, manifesta a preocupação em assegurar “o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

Nossa Carta Política também estabelece como princípios fundamentais da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1º), constando entre seus objetivos fundamentais (artigo 3º) o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos”.

O texto constitucional é tão avançado e preocupado com a existência digna do ser humano que fez questão de ressaltar, no seu artigo 170, que a ordem econômica é fundada na “valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”. Isso significa dizer que o trabalho antecede o capital e está erigido como um valor a ser defendido diante de qualquer outra força econômica.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal (que se mostrou recentemente um importante guardião do Estado Democrático de Direito nesta quadra de enfrentamento ao fascismo e ao golpismo contra as instituições) não assegurou, até o momento, a valorização do trabalho humano nem estabeleceu a existência digna como princípios fundamentais da Constituição, que foi redigida com a finalidade de proteger o povo brasileiro.

Ao contrário do que afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, na sua despedida da presidência do STF, o Tribunal, até aqui, não tem garantido os direitos fundamentais da classe trabalhadora, pois tem feito valer interpretações nas quais o conteúdo econômico se sobrepõe aos princípios da valorização do trabalho e da existência digna, previstos na Constituição, como acima descrito.

Vale repetir as palavras do presidente Lula ao afirmar que “democracias sólidas vão além do ritual eleitoral”, devendo “assegurar os direitos elementares”. 

Deste modo, entendo que o STF, como guardião supremo da Constituição, se defronta agora com este enorme desafio, pois, para assegurar a democracia efetiva no Brasil, é preciso efetivar os direitos sociais e afastar os abusos praticados pela precarização das relações de trabalho, promovidas pelas políticas neoliberais em curso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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